Pátio do Terço, no Recife.
(Gravura existente no Museu do Estado
de Pernambuco) |
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Memória
da Justiça Brasileira - 2 |
Capítulo 15
As Últimas Relações
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Durante a regência e o reinado de D. João
VI, já quase chegando o período da Independência, foram instalados mais
dois tribunais, nas cidades de São Luís do Maranhão e Recife. Ambos constituíam
casos especiais dentro da geografia colonial brasileira.
Pernambuco, doada inicialmente a Duarte Coelho,
fora a mais próspera das primeiras capitanias e, apesar da longa dominação
holandesa - ou, talvez, precisamente estimulada por esse forçado intercâmbio
cultural e pela intensa corrente localista despertada pelas lutas da reconquista
- continuou persistentemente o seu desenvolvimento através dos três séculos
de vida colonial. Já nos inícios do século XVII, ao regimentar a Relação
do Estado do Brasil, o legislador dedicara um parágrafo específico a essa
capitania, onde "por ser grande a povoação, e de muito commercio",
deveria haver "um Ouvidor nomeado por mim, para o que me consultará
o Conselho da India Letrados approvados pelo Desembargo do Paço".
A medida feria a autonomia originalmente concedida pelas doações, mas
já era prática da Coroa fantasiar controles intervencionistas como se
fossem honrarias e, se os atingidos recorressem, deixar que os pleitos
rolassem durante décadas.
Pelo contrário, o Maranhão foi um assentamento
frustrado, que não chegou a ser consolidado por seu donatário e que ficou
abandonado até que Daniel de La Touche e François de Rasilly, em 1612,
estabeleceram ali a segunda tentativa de criação de uma França Antártica.
Recuperado o território por forças da Coroa, foi estabelecido ali, em
1621, um novo Governo Geral, precedido, em 1619, pela instalação da correspondente
Ouvidoria. Vinculada a costa norte mais facilmente a Lisboa que às capitanias
do centro e sul, esse ouvidor não foi subordinado à Relação da Bahia,
respondendo diretamente à Casa da Suplicação.
Já distintas e especiais na sua origem, ambas
as capitanias tiveram sempre tratamento diferenciado. Nelas foram instaladas
- em 28 de agosto e 20 de outubro de 1758 - as primeiras Juntas de Justiça,
que agiam como tribunais não permanentes, julgando por procedimentos verbais,
sumários e relativamente informais. Elas também foram sede, junto ao Rio
de Janeiro, dos primeiros bispados fora da Bahia, instalados em 1676 e
1677. Assim, chegado o século XIX, e facilitada a solicitação pela proximidade
da Corte, a criação dos novos tribunais não poderia ter localizações mais
apropriadas.
A Relação de São Luís
A primeira Relação instalada por D. João VI
- aliás, a única, posto que a segunda que iniciou só viria a ser efetivamente
instalada durante a regência de D. Pedro - foi a de São Luís do Maranhão,
criada em 23 de agosto de 1811 por Resolução de Mesa da Consciência e
Ordens. Regimentada em 13 de maio de 1812, exercia jurisdição sobre as
capitanias de Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará Grande.
Consolidado o domínio português na costa norte
e na bacia amazônica, São Luís assumira um grande valor estratégico. Acesso
natural de toda essa vasta região, chegara a constituir um estado à parte:
o Estado do Maranhão e Grão Pará, vinculado diretamente a Lisboa em todos
os aspectos - comercial, político-administrativo, militar e judiciário
- e sem relações dignas de consideração com qualquer das capitanias da
costa leste, que constituíam o Estado do Brasil.
Não satisfeita de contar apenas com um ouvidor,
a cidade de São Luís, de longo tempo atrás, reivindicava a instalação
de um tribunal próprio. Além do brio natural dos maranhenses, que reclamavam,
para seu Estado, instituições pelo menos iguais às do Estado do Brasil,
pesavam na solicitação considerações similares às que motivaram a instalação
das relações sulinas. Os ouvidores-gerais não pareciam confiáveis. A grande
concentração de poder em mãos de um só magistrado facilitava os favorecimentos
pessoais, o abuso de poder e, mesmo nos casos em que nada disso acontecia,
deixava lugar à suspeita e à argumentação dos que se consideravam lesados,
que passavam a defender-se com uma longa série de acusações.
Não eram alheias a isso as freqüentes disputas
entre o ouvidor geral, Luiz de Oliveira Figueiredo e Almeida, e o governador,
Francisco de Melo Manuel da Câmara, apelidado "o Cabrinha". Seu
sucessor, José Tomaz de Menezes, não teve um melhor relacionamento. Também
não parece ter colaborado para resolver os conflitos o novo ouvidor interino,
Bernardo José da Gama. Paulo José da Silva Gama, 1° Barão de Bagé, que
sucedeu no governo a Menezes, denunciava: "O orgulho, a intriga, a
maldade, residem, aqui, unicamente nas autoridades constituídas, e mui
particularmente nos magistrados. Eles foram sempre os inimigos dos governadores.
São quem forma partido contra eles, reunindo-se a algumas das principais
pessoas do País, que por terem pleitos e demandas, precisam da proteção
e amizade dos Magistrados".
A acusação era direta e específica: "O
povo clama geralmente contra as violências do Ouvidor Interino Bernardo
José da Gama". Atingia também o juiz de fora, ao que se imputavam
"procedimentos arbitrários" e se espalhava por toda a estrutura
judiciária, revelando que "a cadeia pública está cheia de presos de
muito tempo, uns a quem ainda se não formou culpa, outros a quem ainda
se não deu um destino".
A nova Relação estava integrada por dez desembargadores,
incluindo entre eles o Chanceler, um Ouvidor Geral do Crime e outro do
Cível, um Juiz dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, um Procurador da
Fazenda, um Juiz da Chancelaria e um Promotor da Justiça. Pressupondo
que vários desses cargos eram exercidos cumulativamente, o regimento estabeleceu
que sete dos dez membros do tribunal seriam agravistas. Ressalvando essa
e outras pequenas alterações, essa constituição é semelhante à da Bahia
e à do Rio de Janeiro, antes de tornar-se Casa da Suplicação. Aliás, o
regimento é explícito ao assinalar a da Bahia como modelo a seguir para
o esclarecimento de quaisquer dúvidas ou omissões.
Também acompanhando esse modelo, seria presidida
pelo governador geral, com atribuições de regedor. Governava, ainda, "Paulo
José da Silva Gama, do Conselho de Sua Alteza Real, e do de Guerra, Comendador
da Ordem de São Bento de Aviz, Vice-Almirante da Real Armada, Presidente
da Junta de Administração e Arrecadação da Real Fazenda, Governador e
Capitão-General desta Capitania", quem, em lógica decorrência do exercício
desses dois últimos cargos, tomou "posse do lugar de Governador da
mesma Relação para que foi nomeado por Sua Alteza Real".
Da mesma maneira que as relações já existentes,
contaria a de São Luís com uma Mesa do Desembargo do Paço, incumbida de
conceder graças e perdões, bem como de apreciar vários outros assuntos
de competência exclusiva daquela instituição. Dentre as funções auxiliares,
contaria com um guarda-mor e vários guardas-menores, um pregoeiro, porteiros,
escrivães, meirinhos, médico, cirurgião, sangrador e carcereiro.
Também os salários eram semelhantes. As mesmas
formalidades - apesar dos dois séculos transcorridos - foram estabelecidas
quanto a vestuário, mesas e ornatos, bem como precedências e procedimentos
dentro e fora do recinto. Apenas, indicando uma tímida abertura doutrinária,
a biblioteca obrigatória aparece acrescida, além das Ordenações,
Glosas e Leis Extravagantes, do Corpo
de Direito Romano.
O tribunal foi instalado em 4 de novembro
de 1813, ocupando provisoriamente a Casa da Câmara, enquanto era aprontada
a sua sede oficial, na esquina das ruas da Palma e 14 de Julho. Após um
solene Te Deum, celebrado na Igreja da Sé, foram empossados o primeiro
chanceler, Desembargador do Paço Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira,
e os desembargadores Lourenço d’Arroxelas Vieira de Almeida Malheiros,
José da Mota de Azevedo Corrêa, João Xavier da Costa Cardoso e João Francisco
Leal. Estavam também nomeados, por despacho de 13 de maio de 1812 (a mesma
data da aprovação do Regimento), os desembargadores Joaquim José de Castro,
João Rodrigues de Brito e Miguel Marcellino Veloso e Gama, que assumiram
seus postos, respectivamente, em 12 de abril de 1814, 11 de outubro de
mesmo ano e 7 de novembro de 1815. Manoel Leocádio Rademacker e Luís José
de Oliveira, nomeados pelo mesmo despacho, não chegaram - ao que consta
- a tomar posse dos seus cargos.
Mas apesar de instalado o tribunal, as rixas
não acabaram. Novamente surpreende, depois de transcorridos dois séculos,
encontrar as mesmas motivações, mesquinhas e intranscendentes, que tiravam
na Bahia o sonho dos desembargadores da primeira corte. O chanceler reclamava
por questões de precedência com respeito a cadeiras de espaldar, na Igreja
da Sé. O governador, porque o chanceler lhe desconhecia a autoridade para
exigir informações por despacho. Ambos os litigantes levaram suas queixas
a ouvidos de D. João, que respondeu que o chanceler não tinha direito
a diferente tipo de cadeira que os demais desembargadores, que estava
obrigado a prestar as informações requeridas pelo governador e que deveria
responder à convocatória do governador, por simples carta do secretário,
indo a palácio sempre que fosse chamado a bem do serviço. Veloso de Oliveira
não se conformou e pediu seu retorno ao Desembargo do Paço, o que foi
autorizado em 19 de setembro de 1817.
Substitui o primeiro chanceler o desembargador
Lourenço d’Arroxelas Vieira de Almeida Malheiros, que presidiu, em 1818,
a mudança do tribunal para a sua sede definitiva, permanecendo no cargo
até 1822. Afastado temporariamente nesse ano, foi substituído por José
Leandro da Silva Souza, a quem coube presidir, em 13 de janeiro de 1823,
o juramento dos seus pares à Constituição Política da Monarquia
Portuguesa, aprovada de logo nas Cortes de Lisboa. Pouco depois,
já declarada a Independência, Miguel Marcelino Velozo e Gama, novo chanceler
designado por D. Pedro I, presidia um novo juramento. Confirmava-se, em
14 de maio de 1824, a fidelidade do tribunal à Constituição Política
do Império do Brasil, pondo assim, oficialmente, um ponto final
ao período colonial.
A Relação do Recife
Olinda, sede histórica dos primeiros colonizadores,
reclamava de longas datas o seu próprio tribunal. Incendiada durante a
ocupação holandesa, perdera para Recife boa parte do seu poderio comercial,
mas continuava a disputar com aquela cidade o predomínio na capitania,
primando por ser a mais aristocrática cidade do nordeste.
Mas a imagem de Pernambuco não era das melhores.
Junto à sua intensa atividade comercial fervilhava um forte movimento
independentista que, já em 1817, protagonizara uma revolução parcialmente
bem sucedida e, por pouco mais de dois meses, chegara a controlar os destinos
da capitania. Embora a devassa tivesse sido suspensa em 1818, por uma
especial demonstração de clemência de D. João VI na hora da sua coroação,
ninguém ignorava que ainda muitos revolucionários moravam em Olinda e
Recife.
Mesmo assim, em 1821, o rei autorizou a criação
do tribunal, fundamentando sua decisão nas "dificuldades que experimentavam
os habitantes da Província de Pernambuco, de recorrerem à Relação da Bahia
para o prosseguimento das suas causas, pela grande distância de huma e
outra Província, avultadas despesas, separação de suas famílias, interrupção
dos trabalhos de que tirão a sua subsistência, e outros muitos inconvenientes".
Conforme a fundamentação, esses empecilhos seriam demasiadamente sérios,
mesmo sendo os processos "entregues a procuradores", o que teria
"induzido a muitos a deixarem sem última decisão os seus pleitos, preferindo
antes perdel-os do que sujeitarem-se a tão graves incommodos".
Traindo, de certa maneira, a solicitação de
Olinda, o rei resolveu estabelecer a sede da nova Relação na cidade do
Recife, mais importante e dinâmica do ponto de vista administrativo e
comercial. Diferentemente da Relação de São Luís, erigida sobre uma jurisdição
desde sempre independente da Justiça brasileira - pelo menos, conforme
o conceito que na época colonial se tinha do Estado do Brasil - a de Pernambuco
recebia um território até então submetido ao tribunal baiano, incluindo,
além da comarca do Recife, as de Olinda e Sertão, bem como as províncias
da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará-Grande, desmembrada, para tanto,
da jurisdição originalmente outorgada à Relação Maranhense. Entretanto,
a comarca de São Francisco, que, como as de Recife, Olinda e Sertão, pertencia
à província de Pernambuco, foi mantida dentro da jurisdição da Relação
da Bahia "pela mais fácil comunicação e maior comércio dos seus habitantes
com aquela cidade".
Dessa vez, D. João VI não perdeu tempo em
mandar redigir novo regimento. Estava ainda recente o que fora outorgado
ao tribunal de São Luís. O alvará de criação limitou-se a dar à Relação
do Recife "a mesma graduação e alçada que tem a do Maranhão", indicando
que "será presidida pelo Governador e Capitão General que atualmente
o he e fôr para o futuro da Província de Pernambuco, e será composta do
Chanceler e do mesmo número de Desembargadores e Oficiais que tem a referida
Relação do Maranhão".
O alvará acrescentava, ainda, que "O seu
Presidente, Ministros e Officiaes vencerão os mesmos ordenados, ajudas
de custo, propinas, assignaturas e emolumentos concedidos ao Governador,
Ministros e Officiaes da Relação do Maranhão, servindo-lhe de Regimento
o mesmo que pelo Alvará de 13 de maio de 1812 fui servido dar à Relação
do Maranhão, menos quanto aos recursos, que os deverá dar para a Casa
da Suplicação do Brasil". Perceve-se, assim, que apesar de o rei e
a Corte residirem no Brasil desde 1808, o tribunal maranhense continuava
a dar recurso à Casa da Suplicação de Lisboa.
Ainda em 6 de fevereiro de 1821 foram designados
os primeiros membros do novo tribunal: Antônio José Osório Pina Leitão,
Eusebio de Queiroz Matoso, Bernardo José da Gama, João Pereira Sarmento
Pimentel e João Evangelista Faria Lobato, todos eles na qualidade de Desembargadores
dos Agravos. Eusebio de Queiroz Matoso acumulava o cargo de Procurador
da Coroa, João Pereira Sarmento Pimentel, o de Ouvidor do Crime
e João Evangelista Faria Lobato, o de Ouvidor do Cível.
Mas o clima político não era o mais favorável
para a instalação. Governava ainda a capitania - já mais freqüentemente
chamada de "província", conforme fica evidente nas citações acima
- Luís do Rêgo Barreto, que se destacara na repressão ao movimento revolucionário
de 1817. Por sua parte, pressionado pela Revolução Constitucionalista
do Porto, D. João VI fazia diversas concessões; entre elas, a anulação
do processo contra os revolucionários pernambucanos, que voltavam a Recife,
gerando uma convivência potencialmente explosiva.
Aderindo à Revolução portuguesa, à revelia
do governo de Rêgo Barreto, os liberais instalaram uma Junta de Governo,
em Goiana, ao que Barreto respondeu com a formação de outra junta, por
ele presidida, na cidade do Recife. Em julho de 1821, o governador sofreu
um atentado. Em agosto, a vila de Goiana se levantou em armas. As hostilidades
se prolongaram durante todo o mês de setembro, chegando os rebeldes a
sitiar a cidade do Recife. Por fim, assinada. em 5 de outubro, a Convenção
de Beberibe, o governador abandonou a praça, embarcando para a península
com as tropas que lhe eram leais. Donos da situação, os liberais elegeram
um governo provisório, presidido por Gervásio Pires Ferreira, que tomou
posse em 28 de outubro e, três dias depois, prestou juramento perante
o Chantre da Sé de Olinda.
Enquanto isso, os desembargadores designados
para o novo tribunal aguardavam pela instalação. D. João VI já tinha retornado
a Lisboa; D. Pedro tinha demasiadas preocupações para lembrar-se do projeto.
Por outra parte, não é aventurado imaginar que, além de dificultar operacionalmente
a instalação, as lutas internas que agitavam Pernambuco criassem, no ânimo
do regente, legítimas dúvidas sobre a confiabilidade da nova instituição.
Embora os desembargadores fossem, em princípio, designados pelo seu pai,
o contexto em que iriam atuar estava excessivamente convulsionado e era,
majoritariamente, opositor ao seu projeto, que poucos meses depois iria
derivar na independência política, mas faria questão de conservar a monarquia.
Conforme solicitação dos desembargadores que
deveriam integrar o novo tribunal, após o alvará de criação e o decreto
de nomeação dos membros a Relação "ficou no esquecimento", o que
teria motivado uma nova representação dos "povos dessa Província"
perante o príncipe regente, que resolveu expedir "os Avisos circulantes
a todos os nomeados para essa nova Relação, para que com atividade se
prontificassem e dirigissem ao seu destino, a fim de não retardarem por
mais tempo as utilidades que resultariam da pronta instalação deste Tribunal".
A aludida representação, reiterando arrazoados anteriores sobre a conveniência
de se contar com um tribunal em Pernambuco, tinha sido encaminhada, em
agosto, pela Câmara de Olinda, que, apesar da decisão em contrário de
D. João VI, ainda insistia em sediar a Relação.
Pareceria, assim, definitivamente encaminhado
o processo de instalação, mas "porque depois disto se manifestaram
vários movimentos tendentes a mudanças no sistema de governo dessa Província,
absteve-se o Príncipe Regente de expedir as ulteriores Ordens para a instalação,
escrupulizando-se de comprometer-se com uma Província cujas relações
políticas com a Regência do Brasil eram duvidosas, se depois dos acontecimentos
que ali se tinham desenvolvido, lhe prestariam ou não obediência".
Em vista dessas considerações, os desembargadores
pediam aos membros da Junta que "se dignem ou ordenar-nos se devemos
ou não partir para o lugar, que nessa Província nos foi designado, ou
oficiar ao Príncipe Regente sobre esta matéria a fim de que o mesmo Senhor
expresse as competentes ordens para efetiva instalação do Tribunal".
Em benefício dessa petição, alegavam "que as Instruções Régias de 22
de Abril se não acham derogadas" e que "o Alvará de 6 de fevereiro
deve ter o seu efeito, por ser anterior à publicação e juramento às bases
da Constituição".
Finalmente, depois de muita insistência, D.
Pedro autorizou a instalação, que foi efetivada em 13 de agosto de 1822,
faltando menos de um mês para a declaração da Independência. No dia anterior,
o desembargador Antônio José Osório Pina Leitão prestara juramento como
Chanceler interino, em substituição do titular, Lucas Monteiro de Barros,
futuro Visconde de Congonhas do Campo. Embora esse juramento devesse ser
prestado perante o Chanceler Mor do Reino, a pressa por acelerar a instalação
definitiva e o caráter de interinato fizeram com que esse compromisso
fosse formalizado ali mesmo, perante a Junta de Governo de Pernambuco.
Já no dia 13 aconteceu a instalação do tribunal,
tomando como sede provisória o antigo Erário Régio. Salas e mobília eram
improvisadas, o quadro de servidores estava incompleto e não existia ainda
o oratório onde, regimentalmente, todos os dias os desembargadores ouviriam
missa antes de entrar em sessão, isso tudo evidenciando, ainda mais, a
pressa por consolidar o tribunal antes que qualquer nova eventualidade
viesse adiar mais uma vez o seu funcionamento efetivo.
Ouvida a missa e tomado o juramento aos demais
desembargadores, a Relação começou logo a funcionar, resolvendo "que
fossem os dias terças-feiras e sábados de todas as semanas os destinados
para as secções deste Tribunal, assim como o eram na Relação da Bahia,
e na Casa da Suplicação do Rio de Janeiro". Entretanto "como no
dia de sábado faz também secções a Junta da Fazenda Nacional de que também
é Deputado o Procurador da Corôa e Fazenda", optaram por "oficiar
a referida Junta para que haja de substituir com outro o dia de sábado;
no que não pode sofrer inconveniente em ordem a que não sofra o respectivo
expediente destas importantes secções".
Na mesma sessão, acordou-se reservar as segundas
e quintas-feiras, de manhã, para as audiências da Ouvidoria Geral do Crime,
ficando o horário da tarde, nos mesmos dias, para as audiências do Cível.
Fosse por ter sido discutida nessa oportunidade ou por iniciativa pessoal
do chanceler interino, nessa comunicação também se faz referência aos
cargos que devem ser providos: "Escrivão da Chancelaria, um dos de
Apelações, e Agravos, um dos da Ouvidoria Geral do crime, um dos da Ouvidoria
Geral do cível, um dos Guardas Menores da Relação, o de Meirinho e o de
Escrivão do mesmo, dois Inquiridores, um para a Ouvidoria do crime, outro
para a do cível, e VV. Excias. deliberarão se se deve nomear Escrivão
do Juízo da Corôa; que é um dos indicados ao qual compete o dever também
de Porteiro da Chancelaria, ou se deverá continuar a servir o Escrivão
que até agora o tem servido".
Pocas semanas depois, D. Pedro I declarava
a Independência, mas nem por isso iriam terminar os conflitos pernambucanos.
A precária paz que sucedeu à saída de Rêgo Barreto foi logo quebrada por
conflitos internos que agitaram o setor triunfante e pela intervenção
do poder central, que, aproveitando essas diferenças, procurava opor um
limite às postulações democráticas dos revoltosos. Em poucos meses, seria
proclamada a Confederação do Equador. Novamente o sangue correria, e a
região ver-se-ia dividida entre governos oficialistas e revolucionários,
alternando-se no poder ao sabor dos avanços militares, mas o tribunal
pernambucano já estava instalado e, a pesar de todos os empecilhos, prosseguiria
a sua atividade.

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