Junot protegendo a Cidade de Lisboa.

Proclamação da Independência do Brasil
(óleo de François Moreaux)
 

  Memória
da Justiça Brasileira - 3
Capítulo 8

O Imperador e a Constituinte

O homem que tomara para si a missão de organizar o Império do Brasil era um líder complexo. Longe da passividade do seu pai, D. Pedro de Alcântara, era um jovem irrequieto e voluntarioso. Às vezes, até excessivamente temperamental.

Em vão seus pais tentavam habituá-lo aos luxos e limitações da Corte. O príncipe ficava enfastiado com o contínuo "beija-mão". Preferia cavalgar, e não sentia vergonha em ferrar um potro ou até domá-lo, pessoalmente. Gostava da farda militar e não desdenhava as aventuras galantes.

Vindo ao Brasil com dez anos de idade, poucas lembranças guardava da sua infância em Queluz. Contrariando a apatia do seu pai e o franco desagrado da sua mãe, ele se sentia à vontade no Rio de Janeiro e tratava espontaneamente com todos os estamentos da sociedade brasileira. Amava seu país de adoção, sentia-se partícipe do seu destino e, apesar dos sentimentos e atitudes contraditórios que marcaram seu governo, sempre teve um interesse sincero em seu progresso.

Sua personalidade começou a desenvolver-se entre o ocaso da monarquia tradicional e a expansão do império napoleônico. Se, de um lado, essa expansão era a causa dos males da sua própria família; do outro, não deixava de ser um modelo excitante para sua mente juvenil.

"América, feliz, tem em teu seio, do Novo Império, o fundador sublime", constava nos dizeres com que seu pai foi recebido em 1808. O pai não demonstrou estar à altura desse desafio, mas... E o filho? Não seria ele o escolhido para realizar o sonho de fundar um grande império nos trópicos?

Lia avidamente as idéias liberais, que, na sua época, constituíam o centro da modernidade. Talvez seria ele quem fizesse do Brasil um país moderno, mas... Como conciliaria esses progressos com seus próprios interesses dinásticos, herdeiros da antiga monarquia absolutista?

Também nesse ponto, Napoleão se constituía em modelo para o príncipe, embora o berço do corso fosse intrinsecamente diferente. O imperador dos franceses precisou buscar na antiga Roma os símbolos do seu poder. O imperador dos brasileiros, filho de uma dinastia já antiga, apenas aproveitaria, reelaborados, os símbolos tradicionais da Coroa portuguesa: a esfera armilar, a cruz da ordem de Cristo e até o dragão de Viriato, que iria substituir a águia no seu cetro – de resto, absolutamente napoleônico, até na forma de flor de lótus que artistas franceses aproveitaram das incursões no Egito.

Mas a influência francesa não se esgotava nisso. Desde começos do século, era impossível discutir de arte ou de política sem que os acontecimentos das diversas fases do processo revolucionário fizessem sua aparição. Fosse para defender à democracia liberal ou para atacá-la, essa experiência era onipresente e, com freqüência, motivava e justificava as soluções propostas.

No campo das artes, grandes figuras como Jean Baptiste Debret e Granjean de Montigny acompanharam o reinado de D. João e o Primeiro Império. É a Debret que se atribui a bandeira imperial. Circundadas pelos símbolos do Brasil (ramos de tabaco e café, estrelas representando às Províncias e, por cima, a nova coroa imperial) subsistem as velhas armas de Portugal, que, certamente, provocariam não pouca apreensão nos liberais mais exaltados. No fundo, em campo verde (as matas) destaca um losango amarelo (o ouro) cuja forma não foi tomada da heráldica tradicional. Ela se inspira, indubitavelmente, nas bandeiras revolucionárias francesas.

A Convocatória da Assembléia

As Cortes de D. João VI não chegaram a ser convocadas, D. Pedro, menos ligado às tradições portuguesas, preferiu convocar "uma Assembléa Luso-Braziliense, que investida daquella porção de Soberania, que essencialmente reside no Povo deste grande, e riquissimo Continente, constitua as bases sobre que se devam erigir a sua Independencia, que a Natureza marcara, e de que já estava de posse e a sua União com todas as outras partes integrantes da Grande Familia Portugueza, que cordialmente deseja".

O documento já tem o sabor de uma declaração de independência. Não visa, entretanto, o desligamento completo do Reino do Brasil mas apenas "manter uma justa igualdade de direitos entre elle e o de Portugal, sem perturbar a paz, que tanto convem a ambos, e tão propria é de Povos irmãos". Em essência, é a mesma proposta de cunho federativo que os deputados brasileiros apresentaram às Cortes em Lisboa. O Brasil não queria o isolamento nem a guerra. Apenas não abria mão da condição de Reino Unido a que D. João o elevara em 1815.

Concretamente, o decreto – de 3 de Junho de 1822 – convocava uma "Assembléa Geral Constituinte e Legislativa, composta de Deputados das Provincias do Brazil novamente eleitos na fórma das instrucções, que em Conselho se acordarem, e que serão publicadas com a maior brevidade".

As instruções a que o decreto se refere foram publicadas em 19 de junho, com a assinatura de José Bonifácio de Andrada e Silva, "Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino do Brazil e Estrangeiros", o mesmo que, fazendo parte da Junta Provisória de São Paulo, coordenara a eleição dos deputados às Cortes e redigira as instruções que eles levaram à metrópole. Tendo ganhado a confiança de D. Pedro a partir do episódio do "Fico", já era a figura mais importante da Regência e seria o principal articulador da convocatória.

José Bonifácio não era um democrata. Embora imbuído de princípios constitucionalistas, não abria mão de certos cuidados de cunho aristocrático. Tinha horror à desordem e profundo receio pela democracia, aliás, bastante justificado pelas experiências que conseguira observar durante sua permanência na Europa. As Instrucções, assim orientadas, visavam dar participação aos representantes da Nação, porém sem abrir possibilidades de que essa representação derivasse em anarquia ou desintegração.

A forma das eleições compunha um sistema de filtros sucessivos que iriam assegurar que apenas representantes aceitáveis integrassem à Assembléia. Era, em suma, uma versão modernizada dos "homens bons" da antiga legislação portuguesa, já não explicitamente amarrada a restrições de sangue, raça ou religião, mas ainda centrada nos estamentos da sociedade que se julgava mais capacitados para exercer a função de governo.

O processo seria indireto, sendo os eleitores escolhidos pelo povo das diversas freguesias em eleições "presididas pelos Presidentes das Camaras com assistencia dos Parochos". Sendo os censos existentes muito antigos e falhos, optou-se por estimar os "fogos" ou residências familiares: "Toda a Povoação ou Freguezia, que tiver até 100 fogos, dará um Eleitor; não chegando a 200, porém si passar de 150, dará dous; não chegando a 300 e passar de 250, dará tres, e assim progressivamente". Os párocos deveriam "affixar nas portas das suas Igrejas Editaes, por onde conste o numero de seus fogos", ficando, em decorrência, "responsaveis pela exactidão".

Era autorizado a votar "todo o Cidadão casado e todo aquelle que tiver de 20 annos para cima sendo solteiro, e não for filho-familia" sendo imprescindível "ter pelo menos um anno de residencia na Freguezia onde derem o seu voto". Excluídos do voto eram "aquelles que receberem salarios ou soldadas por qualquer modo que seja", excetuando-se dessa restrição "unicamente os Guarda-Livros e primeiros caixeiros de casas de commercio, os criados da Casa Real, que não forem de galão branco, e os Administradores de fazendas ruraes e fabricas". Eram, igualmente, excluídos do voto "os Religiosos Regulares, os Estrangeiros não naturalisados e os criminosos".

Para ser eleitor, eram precisos "(além das qualidades requeridas para votar) domicilio certo na Provincia, ha quatro annos inclusive pelo menos [...] 25 annos de idade, ser homem probo e honrado, de bom entendimento, sem nenhuma sombra de suspeita e inimisade á Causa do Brazil, e de decente subsistencia por emprego, ou industria, ou bens".

Para ser Deputado, além das qualidades exigidas para Eleitor, as Instruções determinavam: "Que seja natural do Brazil ou de outra qualquer parte da Monarchia Portugueza, comtanto que tenha 12 annos de residencia no Brazil, e sendo estrangeiro que tenha 12 annos de estabelecimento com familia, além dos da sua naturalização; que reuna á maior instrucção, reconhecidas virtudes, verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do Brazil". Especialmente importante era a ressalva em virtude da qual poderiam "ser reeleitos os Deputados do Brazil, ora residentes nas Córtes de Lisboa, ou os que ainda para alli não partiram". Esse artigo permitiria a participação de algumas das principais figuras da Constituinte, tais como Vergueiro, Feijó e Antônio Carlos de Andrada.

Os Eleitores deveriam reunir-se, para eleger os deputados, "dentro de 15 dias depois da sua nomeação [...] no Districto que lhes for marcado". Para facilitar seu deslocamento, seriam "suspensos pelo espaço de 30 dias, contados da sua nomeação, todos os processos civis em que elles forem autores ou reus". A eleição dos deputados seria feita "por cedulas individuaes, assignadas pelo votante, e tantas vezes repetidas, quantas forem os Deputados que deve dar a Provincia".

Verificado, pelo Colégio Eleitoral, que os deputados indicados nas cédulas preenchessem os requisitos exigidos, lavrava-se um termo com a "relação dos Deputados que sahiram eleitos naquelle districto, com o numero de votos, que teve, em frente do seu nome", o qual era encaminhado à Câmara da capital da Província respectiva, fechado, selado e assinado por todo o Colégio. Centralizadas as cartas na capital, seriam abertas "em presença dos Eleitores da Capital, dos Homens bons e do Povo [...] fazendo reconhecer pelos circumstantes que ellas estavam intactas" e, "apurando as relações pelo methodo já ordenado", publicaria "aquelles que maior numero de votos reunirem", recorrendo à sorte em caso de empate.

A nomeação era irrecusável. Entretanto, ao tempo da apresentação, diversos deputados eleitos obtiveram dispensa alegando doença ou idade avançada.

Os deputados – em número de 100 – estavam distribuídos da seguinte maneira:

  • Província Cisplatina (atual Uruguai): 2
  • Rio Grande do Sul: 3
  • Santa Catarina: 1
  • São Paulo: 9
  • Mato Grosso: 1
  • Goiás: 2
  • Minas Gerais: 20
  • Rio de Janeiro: 8
  • Espírito Santo: 1
  • Bahia: 13
  • Alagoas: 5
  • Pernambuco: 13
  • Paraíba: 5
  • Rio Grande do Norte: 1
  • Ceará: 8
  • Piauí: 1
  • Maranhão: 4
  • Pará: 3

Porém, a instabilidade da situação política e militar impediria a realização das eleições na Cisplatina, Piauí, Maranhão e Pará. A Bahia conseguiu eleger 11 deputados, ficando impedida de completar a representação porque Salvador se encontrava ocupada pelas tropas de Madeira de Mello. Por outra parte, dos 88 deputados eleitos, 5 não assumiram seus postos, nem foram substituídos, o que reduziria a Assembléia a uma composição total de 83 integrantes.

Considerando a dificuldade de se realizarem eleições num país tão vasto e convulsionado por situações políticas tão diferenciadas, determinou-se que, para instalar a Assembléia, bastaria que estivessem reunidos 51 Deputados, ou seja, a metade mais um dos representantes previstos. Os outros tomariam assento "á proporção que forem chegando".

A Instalação da Constituinte

Quando foi instalada, em 3 de maio de 1823, a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa já não era mais a mesma. Oficialmente planejada para legislar e elaborar a Constituição de um Reino Unido, visando estabelecer uma sorte de confederação com Portugal, Algarve e, eventualmente, outras áreas de colonização portuguesa, ao assumir suas funções, encontrou-se na ímproba tarefa de organizar um Império, independente e em estado de beligerância com a península.

Previamente, desde 17 de abril, a Assembléia – então com 52 deputados – efetuou três sessões preparatórias durante as quais foram escolhidos presidente e secretário – ainda interinos – conferidos os diplomas, aprovada a fórmula de juramento e elaborado o projeto de Regimento Interno. O imperador concorreu logo após o meio-dia, acompanhado da sua Corte, iniciando sua fala com palavras esfuziantes:

"É hoje o dia maior, que o Brazil tem tido; dia em que elle pela primeira vez começa a mostrar ao mundo, que é imperio, e imperio livre. Quão grande é meu prazer, vendo juntos representantes de quasi todas as provincias fazerem conhecer umas ás outras seus interesses, e sobre elles bazearem uma justa e liberal constituição".

"Deveriamos já – continuou D. Pedro, justificando as atitudes adotadas – ter gozado de uma representação nacional; mas a nação não conhecendo há mais tempo seus verdadeiros interesses, ou conhecendo-os, e não os podendo patentear, visto a força e predominio do partido Portuguez, que sabendo mui bem a que ponto de fraqueza, pequenez e pobreza, Portugal ja estava reduzido e ao maior grau a que podia chegar de decadencia, nunca quiz consentir (sem embargo de proclamar liberdade, temendo a separação) que os povos do Brazil gozassem de uma representação igual áquella, que elles então tinham. Enganaram-se nos seus planos conquistadores, e desse engano nos provém toda a nossa fortuna".

O imperador encontrava-se numa difícil situação: de um lado, precisava mostrar à Assembléia que estava a favor do Brasil e contra Portugal; de outro, não podia renegar o seu pai e, em definitivo, a dinastia que o legitimava como governante.

"O Brazil, que por espaço de trezentos e tantos annos soffreu o indigno nome, de Colonia, e igualmente todos os males provenientes do systema destruidor então adoptado, logo que o Senhor D. João VI Rei de Portugal, e Algarves, meu augusto pai, o elevou a cathegoria de Reino, pelo Decreto de 16 de Dezembro de 1815, exultou de prazer; Portugal bramiu de raiva, tremeu de medo".

Porém, a obra estava incompleta: "atraz desta medida politica não veiu, como devia ter vindo, outra, qual era a convocação de uma assembléa, que organizasse o novo reino". Iniciou, assim uma longa exposição histórica que, começando pelos desentendimentos entre o Brasil e as Cortes portuguesas, iria justificar a Independência e a necessidade da Constituição a ser elaborada.

Continuou com uma extensa explanação das realizações do seu governo, alertou os congressistas para as graves dificuldades ainda existentes e, finalmente, retomou o tema principal:

"Afinal raiou o grande dia para este vasto imperio, que fará época na sua historia. Está junta a assembléa para constituir a nação. Que prazer! Que fortuna para todos nós! Como imperador constitucional, e mui principalmente como defensor perpetuo deste imperio, disse ao povo no dia 1º de Dezembro do anno proximo passado, em que fui coroado, e sagrado, – que com a minha espada defenderia a patria, a nação e a constituição, se fosse digna do Brazil e de mim".

Essas palavras – "se fosse digna do Brazil e de mim" – não eram novas. Como ele mesmo disse, já tinham sido pronunciadas na Fala da Coroação. Também não parece que fossem, originalmente, de D. Pedro. José Bonifácio – reputado como autor intelectual de ambos os discursos – as teria tomado emprestadas da Carta Constitucional francesa outorgada por Luís XVIII, em 1814. Mesmo assim, desataram uma tempestade de críticas na Assembléia recém-instalada.

Na sessão do dia 6, Antônio Carlos – identificado, nos Anais da Constituinte, como "Andrada Machado" – propôs um voto de graças ao imperador. Diversas vozes se alçaram para objetar que D. Pedro não era tão gracioso e constitucional como pretendia aparentar nas suas manifestações mais explícitas. Questionavam a ambigüidade dessa frase, que – na visão do mineiro José Custodio Dias – fazia do imperador juiz da bondade da Constituição, quando tal juízo só poderia competir aos representantes do povo. Outro mineiro, José Antônio da Silva Maia, propôs que o imperador fosse convidado a se explicar, expondo exatamente em que condições iria integrar-se ao pacto social e, caso essas condições não fossem justas e razoáveis, a Assembléia não as aceitaria, negando-lhe o reconhecimento como imperador "se não quizesse concorrer com a Assembléa para o bem do Brasil". O mesmo opinou o pernambucano Francisco Muniz Tavares, postulando que, se o imperador não se conformasse com a Constituição feita pela Assembléia, deveria seguir o que a sua consciência lhe ditasse, "preferindo antes deixar de reinar entre nós".

Antônio Carlos, mais experiente que os outros, retomou a palavra, tentando moderar à discussão. Alegou que, certamente, esse era o intuito do próprio D. Pedro. "Se feita a constituição sua magestade recusasse aceitá-la, então ou sua magestade tinha por si a opinião nacional, nós nos tinhamos desviado do nosso mandato, e nesse caso nullo era o que tivessemos feito, ou sua magestade não tinha por si a opinião geral, e nesta hypotese ou havia de annuir á constituição, que era a vontade geral, ou deixar-nos quod Deus avertat". Ou seja, confrontado a uma Constituição adversa e privado do apoio da Nação, o imperador deveria escolher entre aceitá-la ou abdicar.

A controvérsia externava um conflito latente nos conceitos de monarquia constitucional ou monarquia temperada. Buscando um ponto médio entre a monarquia teocrática e a democracia, postulava-se um poder emanado, simultaneamente, de Deus e do povo. A consagração divina legitimava o poder do monarca e sua dinastia, evitando a anarquia e o desgoverno, mas esse poder, por Deus conferido, não podia ser absoluto a ponto de ir contra a vontade e as necessidades do povo, posto que Deus investira o monarca da sua autoridade com a função essencial de cuidar paternalmente dos seus súditos. Até que ponto esse poder paternal o capacitava a determinar, por cima da vontade dos povos, o que deveria ser feito, era a fronteira – não muito clara – entre a monarquia constitucional e o despotismo esclarecido do século anterior.

Discussões à parte, nem todos confiavam na força da Assembléia para enfrentar abertamente o imperador. Politicamente, não era prudente. Não faltavam – mesmo que em minoria – deputados à Assembléia que comungavam com o absolutismo e mesmo os que não o faziam, temiam à desordem, à anarquia e à desintegração territorial que poderia advir da deposição de D. Pedro. Prevaleceu a moção conciliatória do pernambucano Luiz Inácio de Andrade Lima: O voto de graças deveria declarar que a Assembléia "confia que fará uma constituição digna da nação brasileira, digna de si mesma e do Imperador". Não alcançaria para colocar os limites desejados pelos mais radicais, mas servia para salvar os melindrados brios da Assembléia como órgão de poder e representante do povo.

Porém, não havia ambigüidade nas palavras de D. Pedro. Elas eram tão claras quanto a ameaça que iriam deixar pairando sobre a Assembléia. O imperador – ou José Bonifácio, caso seja verdade ter sido o redator do discurso – tinha muito claro o tipo de Constituição e a estrutura de poder que desejava construir:

"Ratifico hoje mui solemnemente perante vós esta promessacontinuara o imperador logo após o trecho questionado – e espero que me ajudeis a desempenhal-a, fazendo uma constituição sabia, justa, adequada, e executavel, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em vista tão sómente a felicidade geral, que nunca póde ser grande, sem que esta constituição tenha bases solidas, bases que a sabedoria dos seculos tenha mostrado, que são as verdadeiras, para darem uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessaria ao poder executivo. Uma constituição em que os tres poderes sejam bem divididos de fórma, que não possam arrogar direitos, que lhe não compitam; mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados, que se lhe torne impossivel, ainda pelo decurso do tempo fazerem-se inimigos, e cada vez concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado. Afinal uma constituição, que pondo barreiras inaccessiveis ao despotismo, quer real, quer aristocratico, quer democratico, afugente a anarchia, e plante a arvore daquella liberdade, a cuja sombra deva crescer a união, tranquillidade, e independencia deste imperio, que será o assombro do mundo novo e velho".

Percebem-se claramente as linhas mestras. D. Pedro queria "uma constituição sabia, justa, adequada"; porém, ela devia ser, antes de tudo, exeqüível e baseada na "sabedoria dos seculos". Queria uma constituição com três poderes – ainda não aparece o Poder Moderador – que "concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado". Rechaça o despotismo, porém, não apenas o despotismo real e aristocrático como também o democrático, que identifica implicitamente com a anarquia.

"Todas as constituições – acrescentava, em reforço dessa tese – que á maneira das de 1791 e 1792, têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiencia nos tem mostrado, que são totalmente theoreticas e metaphysicas e por isso inexequiveis; assim o prova a França, Hespanha, e ultimamente Portugal. Ellas não tém feito como deviam, a felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos que em uns paizes já appareceu, e em outros ainda não tarda a apparecer o despotismo em um, depois de ter sido exercitado por muitos, sendo consequencia necessaria, ficarem os povos reduzidos á triste situação de presenciarem, e soffrerem todos os horrores da anarchia".

Em resumo, o imperador destacava a própria "constitucionalidade", se lisonjeava "governando a contento dos Povos" e desejava, no seu "paternal coração [...] que esta leal, grata, briosa e heroica nação fosse representada n’uma Assembléa Geral Constituinte e Legislativa". Não permitiria, porém, que a Assembléia elaborasse uma Constituição que fosse contra esses princípios e, se necessário, certamente a dissolveria.

O Contexto Político

O Partido Português, seriamente anatematizado por D. Pedro na fala da inauguração, era uma das correntes políticas que dividiam o nascente império. Constituído essencialmente por militares e comerciantes com vínculos ainda fortes com a península, defendia o bom entendimento com Portugal e talvez – porque não – o retorno à unidade lusitana. Não era essencialmente monárquico nem absolutista. Muitos dos seus integrantes – especialmente nos primeiros tempos – partilhavam do ideário liberal e propugnavam o apoio e a obediência aos decretos das Cortes. Provavelmente não teriam chegado ao confronto com os brasileiros se os interesses econômicos e as rixas políticas não levassem a um afastamento cada vez maior entre as Cortes e o Brasil.

Do outro lado, estava o Partido Brasileiro, onde predominavam – embora sendo também originalmente portugueses – os nascidos ou há muito tempo residentes no Brasil. Eles tinham terras, família, propriedades e indústrias que os ligavam mais fortemente ao Brasil. Para eles, o mais importante era a defesa dos interesses locais. Muitos deles aderiam também ao liberalismo, chegando alguns a propor a abolição da monarquia e a instauração de uma república. Derivavam – ao menos, na essência da sua reivindicação – dos grupos que protagonizaram os movimentos insurrecionais do final do século XVIII e primeiras décadas do XIX, alguns de cujos integrantes sobreviviam e até ocupavam bancadas na Assembléia.

Entre uns e outros, existia um setor moderado, agrupado inicialmente em torno ao imperador. Eles também buscavam a independência – ou, ao menos, a igualdade de diretos com Portugal – mesmo que isso dependesse da continuidade da monarquia ou da aceitação de uma nova, desde que fosse sediada no Brasil e pudesse estar mais perto do seu controle. Destacavam, nesse grupo, os paulistas, que, ainda no período colonial, chegaram a experimentar um considerável crescimento com escasso apoio ou até mesmo à revelia da Coroa de Portugal, e, dentre eles, os três irmãos Andrada: José Bonifácio de Andrada e Silva, Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.

Filhos de uma família abastada, residente em Santos, contaram com a melhor educação disponível na época, tendo todos eles estudado em Coimbra. À conclusão, José Bonifácio permaneceu na Europa, entregue a atividades científicas que lhe conduziram, sucessivamente, à França, Suécia, Noruega, Dinamarca, Inglaterra etc. Conheceu a França revolucionária, mas não ficou para ver o reinado do Terror. A rigor da verdade, não se interessava em política e só de volta em Portugal, já invadido pelas tropas napoleônicas, engajou-se no movimento de resistência.

Bem mais politizado, Antônio Carlos concluiu seus estudos e voltou ao Brasil, chegando a participar ativamente na Revolução Pernambucana. Isso lhe custou quatro anos de prisão, o que, evidentemente, não abalou – talvez tenha até reforçado – o seu prestígio perante à população. Na eleição de representantes por São Paulo às Cortes de Lisboa, foi o deputado mais votado da Província.

Finda, intempestivamente, sua participação nas Cortes – junto com outros seis deputados, recusou-se a assinar à Constituição, vendo-se todos eles obrigados a embarcar ocultamente para Inglaterra sob proteção diplomática – Antônio Carlos foi novamente eleito, dessa vez para integrar à Constituinte brasileira. Somando ao seu inabalado prestígio a experiência ganha na sua participação nas Cortes, logo adquiriu significativa liderança na Assembléia e passou a integrar a Comissão incumbida de redigir a Constituição.

Por sua parte, seus irmãos – também eleitos como constituintes, porém ambos membros do ministério – dedicavam-se mais ao governo. José Bonifácio ocupava-se, essencialmente, da articulação política, enquanto Martim Francisco cuidava da economia. Em conjunto, apesar das diferenças ideológicas, formavam o principal tripé em que D. Pedro se equilibrava para manter um bom relacionamento com a Assembléia.

Fora as atividades de governo – ou, melhor, como base dessas atividades – todos eles – inclusive D. Pedro – integravam uma organização secreta: o "Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz". Era uma sociedade maçônica organizada como alternativa ao "Grande Oriente do Brasil", também independentista, porém dominada por tendências mais radicais que defendiam uma Constituinte autônoma e – à semelhança das Cortes de Lisboa – o juramento antecipado de o imperador respeitar a constituição a ser elaborada pela Assembléia. Refletia-se, assim, um conflito interno da maçonaria, rachada entre os "azuis", liderados por José Bonifácio, e os "vermelhos", conduzidos por Joaquim Gonçalves Ledo.

Ambos os assessores disputavam a confiança do imperador. Bonifácio, com posições mais monarquistas, levava vantagem. Conseguiu do imperador o fechamento da Maçonaria e forçou seus opositores mais exaltados a abandonarem o Rio de Janeiro. O próprio José Clemente Pereira, que tivera destacada atitude como Presidente da Câmara durante o episódio do Fico, viu-se obrigado a renunciar ao seu posto. Ledo, ainda influente, convenceu D. Pedro a reabrir a Maçonaria. Bonifácio se demitiu, provocando uma crise de gabinete. Sem ele, D. Pedro ficava excessivamente dependente do setor liderado por Ledo, que iria relegá-lo a uma posição secundária na estrutura de poder em elaboração. Bonifácio foi novamente convidado, agora com mais poderes, Clemente Pereira foi deportado e Gonçalves Ledo viu-se obrigado a fugir. Eleito, pelo Rio de Janeiro, para participar da Assembléia, não pôde tomar posse da sua bancada. Estava exilado em Buenos Aires.

Harmonia e Conflito de Poderes

Durante os primeiros tempos, os trabalhos evoluíram em aparente harmonia. O Imperador e a Assembléia tratavam-se com respeito e existia um clima de colaboração, a ponto de a meia dúzia de Leis ordinárias que chegaram a ser concluídas terem sido sancionadas sem nenhuma objeção. Internamente, foi elaborado e parcialmente debatido o projeto de Regimento Interno e foram constituídas as comissões de Poderes, Redação do Diário, Legislação, Fazenda, Instrução Pública, Polícia, Colonização, Comércio Agricultura Indústria e Artes, Marinha e Guerra, Estatística e Diplomacia, Saúde Pública, Política Interna, Eclesiástica, Redação de Leis e Minas e Bosques.

Previamente, logo no primeiro dia de sessão ordinária, fora conformada a comissão principal; aquela que teria a responsabilidade de elaborar o projeto da futura Constituição. Mais uma vez, Antônio Carlos obteve a maior votação: 40 votos. O seguiram Antônio Luiz Pereira da Cunha (Rio de Janeiro), com 30 votos, Pedro de Araújo Lima (Pernambuco), com 20, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada (São Paulo), com 19, Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá (Minas Gerais), com 18, Francisco Muniz Tavares (Pernambuco), com 16, e José Bonifácio, também com 16.

A comissão trabalhou durante quatro meses. O projeto, contando 272 artigos, foi apresentado por Antônio Carlos, na qualidade de relator, na sessão de 1º de setembro. Após a definição da mecânica de discussão, em 15 do mesmo mês passou a ser debatido artigo por artigo.

Mas o clima já não era o mesmo. Inicialmente, houve acusações de morosidade. Na impaciência do momento, os quatro meses gastos na elaboração do projeto e a meticulosa discussão de cada um dos seus artigos criavam justificados receios. Até que ponto seria, politicamente, possível prolongar a imagem de uma monarquia constitucional sem a existência efetiva de uma Constituição? José Bonifácio chegou a sugerir que o imperador enviasse uma mensagem exigindo maior pressa. Nessa ocasião, foi o próprio D. Pedro – depois tão freqüentemente acusado de autoritário – quem se negou, ponderando que isso iria interferir na autonomia da Assembléia.

Porém, ambos os partidos continuavam a agir. Os Andradas, no centro do poder, eram também o centro da inveja e do ressentimento. Especialmente, o todo-poderoso José Bonifácio enfrentava perigosos inimigos. De um lado estavam os "portugueses". Do outro, os liberais "exaltados", que, apesar da derrota de Gonçalves Ledo, ainda tinham forte presença na Constituinte. Bonifácio não ocultava, na Assembléia, que, na sua concepção, a Coroa era superior a ela. Isso lhe atraía a inimizade dos outros deputados, à que ele respondia com receio e até desdém.

Bonifácio desconfiava, essencialmente, de qualquer autoridade eleita. Com clara visão aristocrática, pensava que os governantes deviam ser preparados para tal função – talvez essa seja a razão principal de, na hora da abdicação, D. Pedro tê-lo escolhido como tutor do seu filho, o futuro imperador – e desprezava a "incauta ignorância política" que, no seu entender, existia na Assembléia "como sempre houve e há de haver em tôdas as Asembléas de qualquer nação que seja".

Esses conflitos se acirraram com a intervenção da imprensa. Havia publicações de todas as posições, mas acusava-se à Coroa de impor restrições aos meios opositores e utilizar o Diário do Governo para socavar a autoridade da Assembléia. De fato, as publicações eram cada vez mais virulentas. Em 23 de maio, acusava-se alguns deputados de desorganizadores, aconselhava-se o imperador a usar o poder absoluto enquanto a Constituição não fosse concluída e até se sustentava o direito de – a exemplo de Luís XVIII – o próprio D. Pedro mandar fazer e outorgar uma Constituição. Como resposta aos desmandos que ocorriam na Constituinte – reais, aparentes ou, simplesmente, exagerados – sustentava-se que a nação conferira ao imperador poderes ilimitados e que este apenas os delegara à Assembléia, sobre cujas decisões podia exercer um veto absoluto e até dissolvê-la, se necessário fosse.

Fazendo-se eco dessas publicações, transcendeu que, entre as forças aquarteladas no Rio Grande do Sul, circulavam escritos acusando à Assembléia, em seu conjunto, de sustentar princípios republicanos, estimular a desordem e – o que poderia ter um efeito mais direto nos bolsos dos principais formadores de opinião – de querer libertar os escravos, o que motivou um acirrado debate no seio da Constituinte, onde os próprios Andradas viram-se obrigados a defender a posição do governo.

Antônio Carlos tentou separar do governo a publicação questionada, alegando que, embora se chamasse Diário do Governo e fosse utilizada para dar difusão aos atos oficiais, tratava-se de um empreendimento privado, de propriedade dos secretários da Guerra e dos Estrangeiros, não podendo o governo interferir nos artigos publicados sem ferir à liberdade de imprensa. José Bonifácio respondeu aos que o acusavam de sufocar os meios opositores alegando não haver lei alguma contra a liberdade de imprensa e sim – aludindo ao decreto de 18 de junho de 1822 – uma feita especialmente para protegê-la. Segundo ele, os periódicos faliam por sua própria ineficiência: "Se alguns escriptores publicarão folhas que depois não continuarão, foi porque uns perderão na sua publicação, e outros até ficaram endividados com a imprensa".

Tantos conflitos acabariam socavando a influência dos Andradas junto do imperador. Tanto José Bonifácio quanto Martim Francisco foram destituídos do gabinete, permanecendo apenas na Assembléia. Isso radicalizou ainda mais as posições. Repentinamente jogados na oposição, os Andradas se entrincheiraram na sua posição de deputados e, com o conhecimento privilegiado que lhes dera sua passagem pelo poder, criaram um periódico de oposição, O Tamoyo, cujo nome lembrava a resistência dos índios tamoios, miticamente levantada como símbolo da nacionalidade em luta contra a opressão estrangeira. Era o que faltava para que a guerra da imprensa adquirisse caraterísticas explosivas.

Embora a demissão dos Andradas fosse estimulada pelos "exaltados", foi o "partido português" quem mais lucrou com a sua saída, passando a ocupar os lugares vacantes e a imprimir uma perigosa guinada na política do Império. Em Portugal, a situação, tinha mudado radicalmente. O infante D. Miguel, irmão de D. Pedro, liderara um movimento militar de restauração monarquista, derrogando a Constituição de 1822 e reimplantando o absolutismo.

Com D. João VI novamente no poder, desaparecia – pelo menos em tese – a ação das Cortes, que provocara a ruptura com o Brasil. Não faltava quem imaginasse – com esperança ou com receio, dependendo do ponto de vista e dos interesses que defendesse – a existência de negociações secretas entre pai e filho, o que não é de todo improvável ter acontecido.

A Assembléia receava a existência de um projeto de recolonização, aprofundando assim o abismo que, cada vez mais, a separava do imperador. Por sua parte, os "portugueses" que o rodeavam, sentindo nela uma ameaça à sua recentemente adquirida posição de influência, iam transformando-se de liberais em absolutistas e procuravam fortalecer o poder da Coroa, em detrimento do equilíbrio de poderes previsto no Projeto de Constituição.

Não cabe nos limites deste estudo uma análise pormenorizada dos inúmeros incidentes que balizaram a deterioração da harmonia entre os poderes. Baste dizer – já sintetizadas as linhas mestras do conflito – que, em 12 de novembro, o imperador assinou o decreto de dissolução:

"Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléa Geral Constituinte e Legislativa, por Decreto de 3 de Junho do anno proximo passado, afim de salvar o Brazil dos perigos, que lhe estavam imminentes; e havendo esta Assembléa perjurado ao tão solemne juramento, que prestou á Nação, de defender a integridade do Imperio, sua independencia, e a minha dynastia: Hei por bem, como Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil, dissolver a mesma Assembléa, e convocar já uma outra na fórma das Instrucções, feitas para a convocação desta, que agora acaba; a qual deverá trabalhar sobre o projecto de constituição, que eu lhe hei de em breve apresentar; que será duplicadamente mais liberal, do que o que a extincta Assembléa acabou de fazer".

Leis e Projetos da Assembléia

Nos seis meses e nove dias que durou a sua existência, a Constituinte elaborou o projeto de Constituição e chegou a discutir e aprovar os primeiros 24 artigos. Mas a Assembléia Geral não era apenas Constituinte. Tinha também função legislativa e, como tal, chegou a elaborar 38 projetos de lei. Eles versavam, dentre outros assuntos, a isenção impositiva da produção de ferro e outros minerais, bem como dos produtos da lavoura na Bahia, o controle de preços dos medicamentos, a proteção às viúvas dos militares mortos em ação, a liberdade de imprensa etc.

Especial ênfase parece ter sido colocada no ensino, com a proposta de elaboração de um tratado de educação, a regulamentação do estudo e da formatura dos estudantes de medicina e cirurgia e, especialmente, com o projeto de Antônio Gonçalves Gomide, deputado por Minas Gerais, para se abrir uma subscrição destinada à criação de universidades em Olinda e São Paulo. Durante o período colonial, a Coroa resistira duramente ao estabelecimento de universidades fora do território continental português. Os deputados sabiam, por experiência própria, das dificuldades enfrentadas para obter formação superior em Évora ou Coimbra. Existia, ainda, a situação de beligerância com Portugal. Declarada a Independência, não havia razão que justificasse continuar enviando os filhos a estudar no país que até pouco tempo atrás era o opressor e ainda constituía um inimigo em potência.

Alguns desses projetos foram arquivados pela própria Assembléia. Outros continuaram em preparação, mas a dissolução interrompeu o seu tratamento. Apenas meia dúzia de leis chegaram a ser aprovadas. As votações ocorreram em 25 e 30 de agosto, 1º, 4 e 27 de setembro e 14 de outubro, sendo todas elas sancionadas conjuntamente pelo imperador em 20 de outubro de 1823.

São as seguintes:

  • Estabelecimento provisório da forma que deveria ser observada na promulgação dos Decretos da Assembléia.
  • Revogação do Decreto de 16 de fevereiro de 1822, que criara o Conselho de Procuradores de Província.
  • Proibição de os Deputados á Assembléia exercerem qualquer outro emprego durante a sua Deputação, ou pedirem e aceitarem para si ou para outrem qualquer graça ou emprego.
  • Revogação do Alvará de 30 de Março de 1818, sobre sociedades secretas.
  • Declaração de pleno vigor da legislação pela qual se regia o Brasil até 25 de Abril de 1821, bem como das leis promulgadas por D. Pedro, como Regente e Imperador, daquela data em diante, e de determinados decretos das Cortes Portuguesas, na lei especificados.
  • Estabelecimento provisório da forma de governo das Províncias, criando para cada uma delas um Presidente e um Conselho.

A Constituição Outorgada

Dissolvida a Constituinte, Antônio Carlos, Martim Francisco, Montezuma, José Joaquim da Rocha e Belchior Pinheiro de Oliveira, identificados pelo governo como os principais opositores, foram presos no local. José Bonifácio, que não estava presente na Assembléia, foi encontrado em casa e, a pretexto de uma audiência com o imperador, conduzido à prisão junto com sus irmãos. Oito dias depois, todos eles eram deportados para a França.

Antes, logo no dia seguinte ao da dissolução da Assembléia, o imperador publicara outro decreto providenciando sobre o "projecto de constituição" que, no dia anterior, prometera apresentar à nova Assembléia. Ele seria encomendado a um "Conselho de Estado" criado pelo mesmo decreto, o qual também iria tratar dos "negocios de maior monta". Esse Conselho, integrado por "homens probos, e amantes da dignidade imperial, e da liberdade dos povos", seria "composto de dez membros; os meus seis actuaes Ministros, que já são Conselheiros de Estado natos, pela Lei de 20 de Outubro proximo passado, o Desembargador do Paço Antonio Luiz Pereira da Cunha, e os Conselheiros da Fazenda Barão de Santo Amaro, José Joaquim Carneiro de Campos, e Manoel Jacinto Nogueira da Gama".

Ao tempo da assinatura do decreto, os ministros eram Francisco Villela Barbosa, Luiz José de Carvalho e Mello, Clemente Ferreira França, Pedro de Araújo Lima, Sebastião Luiz Tinoco da Silva e José Barbosa de Oliveira. Entretanto, durante os quatro dias que se seguiram à publicação, D. Pedro praticou uma drástica reorganização ministerial em que os três primeiros mudaram de pasta e os três últimos foram simplesmente substituídos. Nos seus lugares, entraram João Severiano Maciel da Costa, Mariano José Pereira da Fonseca e João Gomes da Silveira Mendonça, os que, efetivamente, participaram da elaboração e assinaram o projeto de Constituição.

A exemplo da Revolução Pernambucana, o decreto previa uma instância atípica. Antes de ser submetido à nova Assembléia, o projeto seria "remettido ás Camaras, para estas sobre elle fazerem as observações, que lhe parecerem justas". Podia passar como um controle a mais e uma forma de aperfeiçoar o texto, mas, certamente, era um recurso solapado para apresentar à Assembléia um projeto semi-acabado, com uma sorte de meia-sanção de toda a Nação. Com justas razões, D. Pedro não confiava em fazer uma boa eleição e não queria apresentar a uma Assembléia opositora um projeto que fosse somente seu.

O Conselho de Estado demorou menos de um mês para apresentar o novo projeto. De fato, pouco tinha de novo. O projeto da Assembléia estava em suas mãos e, apesar de apresentar sérias deficiências e ter apenas começado a ser discutido, era uma boa base para começar a trabalhar. Por outra parte, existia uma continuidade não declarada. Dos signatários do novo projeto, apenas três – Clemente Ferreira França, Mariano José Pereira da Fonseca e Francisco Villela Barbosa – não tinham participado da Constituinte. Os outros sete – Luiz José de Carvalho e Mello (Bahia), João Severiano Maciel da Costa e João Gomes da Silveira Mendonça (Minas Gerais), Antônio Luiz Pereira da Cunha, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, José Joaquim Carneiro de Campos e José Egidio Álvares de Almeida, Barão de Santo Amaro (Rio de Janeiro) – tinham sido deputados. Pereira da Cunha até participara da elaboração do projeto da Constituinte.

O novo projeto foi apresentado ao imperador em 11 de dezembro de 1823. Mas D. Pedro não chegou a cumprir a promessa de submetê-lo a uma nova Assembléia. "Se possível fosse – dissera o imperador em proclamação do mesmo 13 de novembro – eu estimaria, que elle se conformasse tanto com as vossas opiniões, que nos pudesse reger (ainda que provisoriamente) como Constituição". Enviado que foi, pela Câmara do Rio de Janeiro, a todas as câmaras do Império para emissão de sugestões, pela mesma Câmara foi criado um livro para que assinassem aquelas que desejassem o juramento imediato do projeto como Constituição do Império.

Como era de se esperar em matéria de interesse do imperador, muitas delas assinaram de imediato. Em 3 de janeiro de 1824, a Câmara do Rio de Janeiro encaminhou ofício ao imperador solicitando que o projeto do Conselho de Estado fosse adotado e jurado como Constituição. Logo no dia seguinte, o imperador deferiu o pedido. Em 11 de março, foi emitido decreto designando o dia 25 para ser jurada a Constituição do Império. Encerrava-se um ciclo da evolução política brasileira.


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