Junot protegendo a Cidade de Lisboa.

Entrada de D. Pedro IV em Lisboa.

  Memória
da Justiça Brasileira - 3
Epílogo

D. Pedro IV, Soldado e Constituinte

Em 1826, D. Pedro IV, rei de Portugal e dos Algarves, encontrava-se numa situação muito difícil. Morando no Rio de Janeiro, sendo Imperador do Brasil e visto pelos portugueses como o principal causador da perda dos domínios ultramarinos, teria uma longa luta pela frente se quisesse cingir, também, a Coroa que D. João VI deixara vaga.

Abdicar à coroa do Brasil, nem pensar. Desvelos de mais já havia custado seu "riquissimo e fertilissimo" Império para ser agora obrigado a abrir mão dele. Mas, também, não estava disposto a deixar de lado seu legítimo direito hereditário à coroa do seu pai, que acabava de falecer.

Amparadas na forçada complacência de D. João VI, as Cortes de Lisboa tinham concluído a Constituição em 1822. Era uma carta radicalmente democrática, com o poder de decisão fortemente concentrado num parlamento unicameral de eleição direta. Mas esse triunfo teria curta duração. Em maio de 1823, o infante D. Miguel, segundo filho de D. João, liderou um movimento militar, dissolvendo o parlamento e restaurando a monarquia absoluta.

Existia, portanto, manifesta insatisfação na península, mas apenas os mais esclarecidos podiam atribuir os problemas que experimentavam à conculcação das liberdades democráticas. Na visão popular – aliás, bastante certeira, – a causa principal do empobrecimento geral era a independência das colônias ultramarinas, da qual o sucessor da coroa era visto como principal articulador.

Tornar a reunir ambas as coroas era igualmente impensável. Ao longo dos anos posteriores à Independência, todo e qualquer contato ou negociação entre o Império e as autoridades portuguesas era visto, no Brasil, com o receio permanente de estar ocultando uma conspiração para restaurar os vínculos coloniais.

Fechadas todas as possibilidades mais diretas, D. Pedro resolveu tentar uma articulação engenhosa. Não desistindo ele da coroa imperial, o candidato natural à sucessão de Portugal era seu irmão, Miguel – o mesmo da insurreição de 1823 –, atualmente residente em Viena. No melhor estilo das composições dinásticas européias, D. Pedro arranjou o matrimônio do infante com sua própria filha, Maria da Glória, então com sete anos. Com essa condição, abdicaria, na pessoa de sua filha, a coroa de Portugal, ficando D. Miguel efetivamente no governo na qualidade de regente.

Porém, para assegurar-se no controle da situação, D. Pedro impôs uma segunda condição. O seu último ato como rei de Portugal seria a outorga de uma Carta Constitucional – de corte liberal, o que lhe garantiria o apoio dos setores liberais na península – e o regente deveria jurá-la. Só não contou com a falsidade do seu irmão, que, mal chegou a Portugal, esqueceu dos seus votos, reuniu as Cortes, derrogou a Constituição, que acabava de jurar, e se fez proclamar rei absoluto.

O Rei Soldado

Dificilmente D. Pedro poderia reagir frente a essa traição. À frente do Império do Brasil, estava de mãos amarradas para tomar qualquer providência em Portugal. Aproveitando-se da sua impotência, D. Miguel consolidou seu reinado com base no terror político, reprimindo duramente as tentativas liberais de restaurar a Constituição de Lisboa ou a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro.

Essa situação prolongou-se até 1831, ano em que D. Pedro viu-se, finalmente, obrigado a abdicar ao Império do Brasil. Abandonando o Rio de Janeiro e impossibilitado de ir a Lisboa, conseguiu apoio financeiro em diversos lugares da Europa, comprou navios, armou mercenários e, à frente desse improvisado exército, dirigiu-se à Ilha Terceira dos Açores, única parcela do território português que se recusara a jurar vassalagem a D. Miguel.

Apresentando-se como regente – ainda em nome da sua filha, Maria da Glória – D. Pedro I – agora, simplesmente, Duque de Bragança – constituiu um verdadeiro governo alternativo, onde o liberal Mouzinho da Silveira, na qualidade de ministro, aproveitou para proclamar leis pioneiras, incluindo supressão dos privilégios, liberalização econômica, reforma administrativa, livre circulação de mercadorias, reforma impositiva etc.

Mais uma vez, D. Pedro confiara sua vitória a uma aposta incerta. Visto com agrado pelos liberais – ao contrário do que acontecia no Brasil – ele achava, certamente, que, mesmo em desvantagem numérica, uma incursão em território continental seria prontamente secundada por uma espontânea insurreição popular anti-absolutista. Em 1832, à frente de 7.500 homens, desembarcou em Mindelo e ocupou a cidade do Porto, que fora origem das tentativas liberais de 1817 e 1820.

Mas o apoio que esperava não aconteceu. Desiludida por longos anos de frustração, a população portuguesa resistia a embarcar numa nova aventura. Entrincheirado no Porto, o auto-proclamado regente passou um ano cercado pelas forças legalistas, enquanto seus apoios externos começavam também a esmorecer em vista das suas reduzidas possibilidades de sucesso.

Inesperadamente, já quase vencidos pela fome e a peste, os revoltados tentaram uma saída em direção do Algarve. O objetivo era modesto: apenas distrair as tropas de D. Miguel e aliviar o cerco do Porto. Porém, encontrando as províncias sulinas virtualmente desprevenidas, a ousada coluna avançou facilmente e, quase sem querer, o ex-imperador do Brasil – agora ostentando uma enorme barba negra – ocupou Lisboa, em 24 de julho de 1833.

Era o começo do fim. Repentinamente fortalecido, o governo rebelde conseguiu o reconhecimento da Inglaterra e da França. A tentativa miguelista de retomar Lisboa fracassou e as batalhas de Almoster e Asseiceira acabaram de decidir a questão. A capitulação foi assinada em Évora Monte, em 1834, concedendo os liberais anistia geral às forças monárquicas e comprometendo-se D. Miguel a nunca mais retornar à península.

Os Últimos Dias de D. Pedro IV

Mas as tribulações de D. Pedro não tinham acabado. Maria da Glória – a futura Maria II de Portugal – ainda estava com 14 anos e o seu pai, apesar do grande serviço prestado à causa liberal, ainda era visto por muitos portugueses como o causador da sua ruína.

Mesmo os liberais, estavam divididos. Enquanto os mais moderados optavam por servir-se da situação, voltando à Carta Constitucional de 1826, os radicais propugnavam a volta à Constituição de Lisboa, de fato, muito mais liberal e democrática. Isso gerou, virtualmente, dois partidos, os "cartistas" e os "vintistas".

A Carta Constitucional de 1826 voltou, efetivamente, a vigorar em 1834. Porém, dois anos depois, uma insurreição liberal em Lisboa forçou o retorno à Constituição de 1822. Em 1837, a "revolta dos marechais" tentou, sem sucesso, restabelecer à Carta. Em 1838, o governo preparou e fez votar uma nova Constituição, que tentava conciliar o espírito democrático dos vintistas com a disciplina monárquica e aristocrática da carta de D. Pedro. Foi esse diploma que imperou até 1842, em que a ditadura de Costa Cabral interrompeu novamente a ordem constitucional, restaurando, de quebra, a Carta de 1826.

A carta de D. Pedro sobreviveu à ditadura de Costa Cabral. Chegou, até, a ser objeto de um Ato Adicional que, em 1852, instituiu a eleição direta para a Câmara dos Deputados. Mas o Duque de Bragança não mais estava para ver essas mudanças. Falecera, em 1834, poucos meses depois de retomar o controle de Portugal. Por seus feitos, na Ilha Terceira e no Porto, iria passar à história como "D. Pedro IV, o Rei Soldado", porém, considerando que nos dois países que chegou a governar, ele implantou textos constitucionais, bem poderia ser também chamado "o Rei Constituinte".


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