Pátio central e casa-grande de um engenho açucareiro.
(Detalhe de um mapa de autor desconhecido iluminado por Franz Post) |
|
Memória
da Justiça Brasileira - 1 |
Capítulo 8
O Brasil de 1609
|
Distante (como já foi apontado) da opulência
das colônias orientais, nem por isso o Brasil deixava de ser um território
em desenvolvimento, com grande potencial de produção. À economia inicial,
extrativa do pau brasil, seguiram-se, logo nas primeiras décadas do século
XVI e mesmo antes da outorga das capitanias, as primeiras experiências
na cultura da cana, encontrando-se menções a essa atividade já em 1516.
A instalação do Governo Geral encontrou cinco engenhos funcionando, sem
contar os já destruídos - dois deles na Bahia, durante a capitania de
Pereira Coutinho. 118 engenhos moíam em 1584, chegando a 350 em 1623.
Razão tinha a Coroa para destacar, no regimento da Relação, o problema
da falta de lenha. O açúcar era já a base da economia, sendo o Brasil
o principal fornecedor desse produto para a Europa ocidental. Mas esse
negócio florescente estava ameaçado pelas conseqüências de uma exploração
altamente predatória, que evaporava o caldo da cana a fogo aberto, consumindo
vorazmente matas que levavam vários séculos para crescer.
A jurisdição do primeiro tribunal chegava,
em tese, até a linha do tratado de Tordesilhas que, embora nunca tivesse
sido demarcado in situ, dividia teoricamente o continente, outorgando
a Portugal o domínio sobre a parte oriental, aproximadamente um terço
do atual território brasileiro. Essa linha vertical cruzava com outras,
horizontais, tão teóricas quanto a primeira, dividindo o mapa em capitanias,
a partir de pontos de referência marcados na costa atlântica. Essa geometria,
simples, contrastava com a real ocupação do território, limitada a uma
estreita faixa de engenhos e povoações distribuídos pelo litoral. As capitanias
da costa norte não tinham sido ainda ocupadas, o que facilitaria, pouco
depois, a invasão francesa do Maranhão.Tentativas existiam de penetrar
o interior do continente. Algumas, violentas e efêmeras, restritas à caça
do índio, não deixavam atrás de si mais que um rasto de morte e destruição.
Outras, principalmente as baseadas na pecuária, iniciaram atividades produtivas
e deixaram entrepostos de boiadeiros que seriam o início das primeiras
povoações interioranas. Mesmo assim, a jurisdição que o novo tribunal
pudesse exercitar sobre uma população tão dispersa era bastante duvidosa.
Um caso especial era o das minas, ainda uma
miragem estimulada pelas noticias de Potosi e outras possessões espanholas,
mas já suficiente para excitar a cobiça, não apenas de aventureiros isolados,
mas da própria Coroa. Francisco de Sousa, governador (1591 a 1602), pesquisava
a existência de jazidas no sul quando recebeu a notícia de sua substituição
por Diogo Botelho. Já em Lisboa, empenhou esforços junto à Coroa para
conseguir o controle completo da mineração. Com boas razões, chamado,
no Brasil, de Francisco das Manhas, pediu e obteve, além do privilégio
sobre as minas que descobrisse, o governo das três capitanias do sul,
que foram separadas das restantes para formar um segundo governo-geral.
Francisco de Sousa obteve, ainda, um alvará que ampliava a sua autoridade,
exclusivamente em assuntos de minas, a todas as capitanias do Brasil,
inclusive àquelas submetidas ao governo da Bahia.
Enquanto o Conselho das Índias avaliava a
idéia de recriar a Relação do Brasil, Sousa aproveitou para propor a instalação
de uma segunda Relação, complementando o novo governo, que estaria sediado
no Rio de Janeiro. Não faltando quem achasse excessiva a criação de um
tribunal no Brasil, a idéia de instalar dois tinha poucas esperanças de
vingar, mas o novo governador conseguiu, ao menos, a criação de uma segunda
ouvidoria-geral, concretizando, depois de várias décadas, o projeto de
Tomé de Sousa. A nova Ouvidoria não era totalmente independente. Embora
tivesse sobre as três capitanias a mesma autoridade que fora, até então,
conferida ao Ouvidor Geral da Bahia, era obrigada a dar recurso de suas
decisões à Relação e, a cada três anos, lhe seria tomada residência
por um desembargador desse Tribunal. Desta maneira, a divisão que, sob
os aspectos político, militar e administrativo, era completa, não o era
no judiciário, que continuaria sob o controle de Salvador.
O ouvidor de Pernambuco, nomeado pela Coroa
e instituído, como já vimos, pelo regimento da Relação, era apenas um
simples preposto, designado para atender mais de perto os assuntos da
mais rica e dinâmica capitania do Brasil. Já o do Maranhão era uma autoridade
absolutamente independente, constituindo a primeira redução oficial da
jurisdição da Relação do Brasil. Invadida em 1612 por La Ravardière e
recuperada sem a intervenção dos donatários, que já tinham fracassado
em colonizar os territórios recebidos, a capitania do Maranhão passou
à propriedade da Coroa e, entre 1619 e 1623, se processou a sua separação
do Brasil. Uniram-se a ela o Ceará, cujo reconhecimento começara durante
a guerra, e o Pará, origem da posterior expansão amazônica. A primeira
medida, antes mesmo da criação do Estado, foi a designação de um ouvidor
geral, com atribuições e alçada semelhantes às do seu similar do sul,
cujo regimento foi reformulado no mesmo ano. Porém, enquanto aquele continuava
"dando appellação para a Relação do Estado do Brazil", o novo ouvidor
a daria "para a Casa da Suplicação, pela maior facilidade de navegação
que ha nas ditas partes do Maranhão para este Reino, que para a Bahia,
onde está a Relação do Estado do Brazil".
O Brasil não era, em 1609, um território de
população tão instável quanto a África ou a Índia. Enquanto nessas colônias
a ambição pelo lucro rápido e fácil atraía uma multidão de aventureiros,
desejosos de voltar a Portugal com riquezas e honrarias no menor tempo
possível, o Brasil, sem especiarias, sem metais preciosos, sem porcelanas,
sem produção de escravos, só oferecia oportunidades para aqueles que trabalhassem
na terra ou na pecuária, atividades que dependiam de assentamentos estáveis
e levavam bastante tempo para dar lucros dignos de consideração. Mesmo
assim, essa população ainda se ressentia da falta de mulheres. Não que
as índias fossem poucas ou esquivas. Muito pelo contrário. Pero Borges,
ouvidor geral em 1550, informava, após a sua primeira correição, que muitos
dos moradores que encontrara nas capitanias estavam "amancebados com
hum par ao menos cada hum de gentias", e Nóbrega reafirmava: "Nesta
terra ha um grande peccado, que é terem os homens quasi todos suas negras
por mancebas [...] segundo o costume da terra, que é terem muitas
mulheres".
O problema era, no fundo, o do preconceito
racial. Os portugueses, que Nóbrega repreendia por concubinato, respondiam
"que não tem mulheres com que casem" e, no melhor dos casos, como
resultado da prédica "uns se casão com algumas mulheres, se as achão;
outros com as mesmas negras, e outros pedem tempo para venderem as negras
e se casarem". A solução, para Nóbrega, era o rei mandar algumas mulheres
"ainda que fossem erradas, [...] contanto que não sejam taes
que de todo tenhão perdido a vergonha." Que a sugestão foi aceita
o confirma a própria Coroa quando, já em 1620, manda, "para que nas
Ilhas de Cabo Verde e S. Thomé se extinguam, quanto fôr possivel, as castas
de mulatos, que nellas ha", enviar para elas as mulheres "que se
costumam degradar para o Brazil".
Aos aspectos racial e moral somava-se o efeito
dessas relações sobre o povoamento e a estabilidade do Estado. Assim,
Cardoso de Barros, o provedor-mor, afirmava que a cidade estava "muy
vazia asy de casas como de jente" e que "aproveita mais hu homem
casado que dez solteiros, porque os solteiros nam percurão senão como
se am dir e os casados como am de enobrecer a terra e sostenta la".
Assim, o fomento aos casamentos, nas colônias, virava problema de estado,
e a Coroa enfrentou-o, dentre outros meios, com a proibição, diversas
vezes reiterada, de fundar nelas conventos de freiras, o que levaria às
candidatas a eles a acabarem casando. Outro recurso, usado desde os primeiros
anos do Governo Geral, era o envio de "donzelas orphãs de bons paes".
O último destes envios de que se tenha conhecimento aconteceu, precisamente
em 1609, dando origem a um dos primeiros casos de que ocuparia a nova
Relação. O registro é de Rodolfo Garcia, que, citando um documento da
época, indica que "do mal que aconteceu as donzelas, pelo caminho,
foi tirada devassa, e os dois irmãos [Sebastião e Afonso Martins]
achados em culpa, foram presos e remetidos para a côrte, por ordem
do governador D. Diogo de Menezes." O mesmo Garcia acrescenta: "Qual
fosse esse mal, não se declara no documento citado, mas adivinha-se sem
maior despendio de argucia".
Fora o problema das índias, os índios, em
geral, eram motivo constante de preocupação, sendo, como já foi apontado,
outro dos aspectos destacados no regimento. Desde o descobrimento, a partilha
da América entre Espanha e Portugal foi negociada com a Santa Sé, na base
da missão divina dos seus reis, de evangelizar e proteger os povos das
terras por descobrir. No entanto, a prática diária evidenciava que esses
propósitos não se cumpriam senão de maneira muito limitada. Apenas os
jesuítas envidaram esforços sérios. Os colonos, pelo contrário, estavam
mais interessados em trazer os índios como escravos, como era costume
fazer com os negros da África. As próprias missões eram atacadas com freqüência,
por serem grandes reuniões de índios, já pacificados e treinados, prontos
para o trabalho. Lutando contra isso, e reclamando diante das autoridades,
os jesuítas eram um obstáculo aos interesses de grande parte da sociedade
colonial, e não poucas vezes foi solicitada a sua expulsão ou, no mínimo,
o seu afastamento do controle das missões. Assim, em abril de 1604, a
Coroa mandava consultar o bispo do Brasil a respeito de uma proposta do
governador "sobre se porem nas aldêas dos gentios, Clerigos que os
baptizem e doutrinem, tirando-se com isso a administração aos Religiosos".
Já os reis portugueses tinham tomado diversas
providências e os espanhóis as continuaram. Em 1609, Felipe III, baseado
em leis do seu pai e de D. Sebastião, declarou "todos os gentios d’aquelas
partes do Brazil por livres, conforme a Direito", fazendo diversas
reformas entre as que destacam a confirmação e estímulo às missões da
Companmhia de Jesus, a liberação de todos os índios cativos, "sem embargo
de os que delles estiverem de posse dizerem, que os compraram, e que por
captivos lhes foram julgados por sentenças" e a obrigação de todos
os que os empregassem - inclusive os jesuítas - de pagar pelo seu trabalho.
Para cuidar dos seus direitos, manda "que nas povoações onde estiverem,
aonde não houver Ouvidor dos Capitães, ou Governador, lhes ordene um Juiz
particular, que seja portuguez, christão velho, de satisfação, o qual
conhecerá das causas, que o gentio tiver com os mercadores, ou os mercadores
com elle". A mesma lei incumbe ao "Chanceller da Relação, que ora
vai ao Brazil, e ao diante fôr" de tirar devassa anual e proceder
contra os culpados "breve e summariamente, sem mais ordem nem figura
de Juizo que a que fôr necessaria para saber a verdade; e os despachará
em Relação, como fôr justiça, conforme o seu Regimento".
Esta sorte de lei áurea de 1609 não
demorou a levantar reclamações de todos os setores. Dois anos depois,
em 10 de novembro de 1611, uma segunda lei confirmaria, na teoria, as
declarações da anterior, mas estabelecendo sensíveis exceções e restrições
à sua aplicação prática. Em linhas gerais, essas alterações poderiam ser
resumidas nos seguintes termos:
a) Em caso de "guerra, rebellião e levantamento"
essa guerra poderia ser declarada "justa", o que seria avaliado
por uma junta composta pelo governador, o bispo, o chanceler, os desembargadores
da Relação e todos os prelados que estiverem presentes, precisando a declaração
ser confirmada pelo rei.
b) Sendo o perigo iminente, a guerra poderia
ser empreendida sem essa confirmação, mas o cativeiro dos índios ficaria
condicionado a posterior aprovação.
c) Admitia-se a escravidão de índios que fossem
comprados de outras tribos que planejassem sacrificá-los e comê-los. Conforme
o preço pago, a sua servidão seria perpétua ou temporária.
d) Instituia-se o cargo de "Capitães das
Aldêas", designados pelo governador com parecer do chanceler e do
provedor dos defuntos. Esses capitães ficariam encarregados de trazer
as tribos à civilização, onde o governador, atendendo aos mesmos pareceres,
os distribuiria em repartições "de até trezentos casaes [...] tão
distantes dos engenhos e matas de páu do Brazil, que não possam prejudicar
a uma cousa, nem a outra."
e) Os índios já cativos, que deveriam ser
liberados conforme a lei anterior, seriam também incorporados aos aldeamentos
e repartições.
f) Esses aldeamentos seriam administrados
pelos mesmos "Capitães das Aldêas", que acumulariam atribuições
judiciais com alçada até dez cruzados ou um mês de prisão, cabendo, acima
desse limite, recurso aos ouvidores das capitanias e ao provedor-mor dos
defuntos, que passava a ter competência específica em todas as causas
que envolvessem a população indígena. Esses capitães controlariam, também,
o serviço prestado pelos índios aos portugueses e o pagamento recebido.
g) Cada aldeia teria um "Cura, ou Vigario,
que seja Clerigo Portuguez" e apenas "em falta delles" poderiam
ser nomeados "Religiosos da Companhia". Os vigários seriam indicados
pelo rei ou pelo governador e confirmados pelo bispo.
h) Capitães e vigários agiriam de acordo com
o regimento a ser elaborado pelo governador, chanceler e provedor-mor
dos defuntos, e submetido à aprovação da Coroa.
i) A lei mantinha, finalmente, a devassa anual,
que deveria conduzir ao julgamento pela Relação de todos aqueles que a
quebrantassem.
Embora a expulsão definitiva dos jesuítas
só fosse acontecer mais de um século depois, a sua atuação ficava, a partir
dessa lei, consideravelmente limitada, sendo uma das causas da concentração
posterior dos seus esforços no território espanhol que, na época, incluía
a área das missões riograndenses. A primeira lei está datada "em Madrid,
a 30 de Julho de 1609". A segunda, "em Lisboa, a 10 de setembro.
Anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesu Christo de 1611". A mal disfarçada
contradição entre ambas leva a pensar que se processasse entre elas uma
luta entre o missionarismo espanhol e o pragmatismo português. As autoridades
de Lisboa, mais ligadas aos interesses concretos da colônia, teriam procurado
adaptá-los à lei de Felipe III, formalmente mantida, mas traída na sua
essência. A Relação do Brasil aparece, em ambas as versões, como órgão
assessor e executor, ficando, desde os primeiros anos da sua existência,
no foco do conflito.
Mesmo entre os europeus, não faltavam pontos
de fricção. Não parece ter havido muitos mouros. Os que deram nome ao
bairro da Mouraria foram, na verdade, ciganos chegados a Salvador no século
XVIII. Judeus, no entanto, abundavam. Não havia no Brasil tribunal do
Santo Oficio, o que deve ter favorecido a radicação de "cristãos novos"
que achavam melhores oportunidades que em Portugal. Não apenas comerciantes,
mas até abastados senhores de engenho, eram judeus conversos, mal disfarçando,
às vezes, a prática oculta de sua religião. Uma primeira "visitação"
tivera lugar em 1591, com a chegada do inquisidor Heitor Furtado de Mendonça.
Foram levantadas "denunciações" e diversas pessoas foram conduzidas
a Portugal, entre elas Ana Roiz, que fazia parte da nascente aristocracia
do açucar, e acabou queimada em auto de fé, em Lisboa. Outra visitação
viria a acontecer em 1618, a cargo de um Marcos Teixeira que, conforme
demonstrou conclusivamente Manoel de Aquino Barbosa, era apenas um homônimo
daquele que depois seria bispo do Brasil.
Provavelmente à raiz desta segunda visitação,
a Coroa começou a se preocupar com a necessidade de estabelecer um tribunal
permanente, como de tempo atrás já existia em Goa. Governava Portugal
uma junta integrada pelo bispo de Coimbra e inquisidor-geral do Reino,
D. Martinho Afonso Mexia. A ele se dirigiu Felipe III, obtemperando, "por
haver crescido muito a povoação do Estado do Brazil, e por a qualidade
da gente que vive n’aquelle Estado [...] que tratando com
os Deputados do Conselho Geral do Santo Officio se convirá introduzir
no Brazil Ministros delle que assistam n’aquelle Estado de continuo,
e quaes serão bastantes, ordenareis que, do que parecer, se faça consulta,
que com o vosso me enviareis". Em 1622, o Conselho de Estado sugeriu
o aproveitamento da Relação, já instalada, que seria, nessa função, presidida
pelo bispo. Agora sim, o bispo em questão era o nosso conhecido Marcos
Teixeira, depois chamado de "Bispo Soldado", que, coincidentemente,
já tinha sido deputado do Santo Ofício e inquisidor do distrito de Évora.
Não parece que a proposta tenha feito sucesso. Apenas o bispo foi confirmado
nessa função, como indica uma carta de 8 de junho de 1823, reiterando,
aliás, uma anterior, posto que o rei começa estranhando não haver sido
aquela ainda cumprida: "Havendo tanto tempo que se os avisou da resolução
que tomei, de que o Bispo do Brazil, D. Marcos Teixeira, tenha á sua conta
as materias da Inquisição d’aquelle Estado, tenho intendido que
até o presente, se lhe não tem enviado a Commissão necessaria". Em
vista dos acontecimentos de 1624, é provável que nunca a tenha recebido,
posto que o seu maior biógrafo, o já mencionado Manoel Barbosa, nada diz
a respeito.
Com exceção da ocupação do ainda não colonizado
Rio de Janeiro, por Villegaignon, entre 1555 e 1560, as incursões não
portuguesas no Brasil, até 1609, não passavam de ataques isolados de piratas
e aventureiros. Mesmo assim, as condições de defesa eram já motivo de
preocupação. O Livro que dá Rezão do Estado do Brazil, escrito
por um militar, fala dos fortes de Salvador, garantindo que "não defendem
nada [...] por sua fraqueza e má traça, e é de crer que por se
defender a qualquer delles, que estão uma legua da cidade, se aventure,
dividindo a gente, a perder a mesma cidade, pelo que se adelgaçarão as
forças". E acrescenta: "até o anno de 1611 foi acommetida quatro
vezes de armadas inimigas, e as duas se livrou mais por boa fortuna que
por razão de guerra".
Diante desta situação, a Justiça devia ser
rigorosa. Andrade e Silva anota: "Por Carta Regia de 26 de outubro
de 1613 foi determinado que os réos estrangeiros fossem sentenceados no
Brazil, e que não fossem, de modo algum, remettidos para o Reino".
Pouco depois, em 30 de julho de 1614, a Coroa estranhava uma consulta
do Conselho da Índia "sobre a sentença de morte que se deu na Relação
do Brazil, contra Joaquim e João Bret. Fel. francezes, e Guilherme e Thomaz
inglezes, que foram tomados [carregando clandestinamente pau brasil]
na Ilha Grande, limite da Capitania do Rio de Janeiro, e estão presos
na cadêa da Bahia, por irem àquelle Estado, contra a Lei, porque está
proibido aos estrangeiros". Manifestava, então, que "a minha Carta,
que os Desembargadores d’aquella Relação tomaram por fundamento
para sobrestar na execução da sentença, se não intende, nem póde intender,
no caso de que se trata" e mandava advertir aos magistrados, "estranhando-lhes
haverem dilatado a execução, e ordenando que para o diante se não faça
mais". Paradoxalmente, a carta conclui com a comutação da pena de
morte "em degredo para sempre para as galés", o que, de maneira
alguma, poderia ser feito se a Relação tivesse realizado logo a execução
por cujo adiamento era repreendida.

|