Na contemporaneidade societária, sempre é tempo de comemorar a condição do consumidor como sujeito de direitos e protagonista das relações jurídicas cada vez mais massificadas.

Se, por um lado, o mercado de consumo denota desenvolvimento econômico, por outro, é preciso que, diante da vulnerabilidade do consumidor, se faça a discriminação positiva, protegendo-se, através de normas cogentes, a parte mais frágil das relações de consumo.

Nesse cenário, é imperativo o fornecimento e o consumo sustentáveis, responsáveis e racionais, que preservem a eticidade, a alteridade e, sobretudo, o meio ambiente.

A construção da proteção dos consumidores nos países de primeiro mundo foi um processo lento, iniciando-se no começo do século XX, e ganhando impulso após a Segunda Guerra Mundial, com a explosão da chamada sociedade de consumo, consolidando-se nas décadas de 70 e 80.

Os primeiros movimentos consumeristas deram-se na Europa e nos Estados Unidos da América. Percebe-se que, em 1890, Josephine Lowell criou o NY CONSUMER LEAGUE, que, objetivando melhores condições de trabalho e menor exploração do trabalho feminino, deu ensejo às chamadas “listas brancas” de produtos, aqueles que os consumidores deviam consumir, na medida em que os fabricantes e comerciantes respeitavam os direitos trabalhistas.

Nessa senda construtiva, em 1899, Florence Kelley criou o NATIONAL CONSUMER LEAGUE e, em 1906, Upton Sanclair publicou o livro A SELVA, em cujo bojo trouxe à lume a precariedade das condições de higiene e perigos do consumo de embutidos.

No entanto, foi somente na década de 60, mais precisamente em 15.03.1962, que o consumidor passou a ser reconhecido como sujeito de direitos específicos, tutelados pelo Estado. O marco inicial foi a célebre mensagem do presidente John Kennedy, enviada ao Congresso Estadunidense, na qual afirmava sermos todos consumidores, pertencente, assim, ao mais importante grupo na economia.

Nesse marco histórico, o Presidente enunciou como direitos básicos do consumidor: saúde, segurança, informação, escolha e serem ouvidos na formulação de políticas fundamentais.

Vale salientar, que, em 1973, a Comissão de Direitos Humanos da ONU reconheceu, na 29ª Sessão, serem direitos básicos do consumidor a segurança, a integridade física, a intimidade, a honra, a informação e a dignidade humana. No mesmo ano, a Assembleia Consultiva do Conselho da Europa formulou a Carta de Proteção ao Consumidor (Resolução nº 543) e, em 1975, uma Resolução do Conselho da Comunidade Europeia dividiu o direito do consumidor em 5 categorias: da proteção à saúde e segurança; da proteção dos interesses econômicos; da reparação de prejuízos; da informação e educação e, por fim, da representação.

Embora reconhecidos esses avanços, somente em 1985 a Assembleia Geral da ONU, através da Resolução nº39/248, estabeleceu normas internacionais para proteção do consumidor, instituindo diretrizes para implantação da defesa do consumidor.

Sob inspiração dos movimentos consumeristas que aconteciam no mundo, no Brasil, em 1974, foi criada a primeira associação civil de consumidores no Rio de Janeiro, surgindo, assim, o Conselho de Defesa do Consumidor (CODECON). Em 1976, criou-se, em Curitiba, a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor (ADOC) e, no mesmo ano, a Associação de Proteção ao Consumidor de Porto Alegre (APC), bem assim, em São Paulo, o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor (atual Fundação Procon/SP).

O Poder Constituinte de 1988, percebendo as mudanças nas relações de consumo, atento aos movimentos consumeristas e a vulnerabilidade do sujeito consumidor, atendendo ao anseio da sociedade, estabeleceu a defesa do consumidor como direito fundamental e princípio geral da Economia, determinando ao legislador infraconstitucional de um Código de proteção do consumidor.

A defesa do consumidor, como sujeito de direito, portanto, é, antes de tudo, o reconhecimento de uma posição jurídica de debilidade da pessoa e subordinação estrutural, em relação ao produto ou serviço numa determinada relação de consumo (favor debilis), e a sua tutela realiza, no fundo, a tutela da necessidade humana básica de consumo, que se operacionaliza a partir da definição de liberdade, de modo a garantir à pessoa humana a igualdade no exercício das suas liberdades.

O pensamento social aponta para a certeza de que as pessoas são livres, apenas e quando elas detenham reais condições de dispor sobre o desenvolvimento da sua liberdade, e, portanto, da sua personalidade, de modo que, se o consumidor tiver seus direitos fundamentais violados ou não lhes forem garantidos os pressupostos mínimos de uma atuação livre, ele jamais se encontrará plenamente inserido nas relações de consumo.

Nessa senda, justifica-se o Código de Defesa do Consumidor para tutelar a parte vulnerável ou desigual, de fato, na relação de consumo, até porque a defesa do consumidor concretiza a máxima de Boaventura de Sousa Santos, no sentido de que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.

Portanto, numa sociedade em que o desenvolvimento tecnológico trouxe à lume a despersonalização, desmaterialização e desterritorialização das relações de consumo, aumentando-se o risco para o consumidor, sobretudo das práticas contratuais abusivas, do déficit informacional e da utilização da psicologia do consumo para capturar consumidores, a intervenção estatal deve ser assegurada, através da tutela jurídica dos direitos do consumidor, realizando-se, desse modo, os princípios caros à sociedade.

 

Coordenadora dos Juizados Especiais