O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) realizou, nessa quarta-feira (17), a primeira reunião do Coletivo Esperança Garcia, iniciativa da Comissão Permanente de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (CIDIS), presidida pelo Desembargador Lidivaldo Reaiche. O grupo se estrutura como um espaço institucional de escuta, diálogo e construção coletiva de ações voltadas à equidade racial, aos direitos humanos e ao fortalecimento de uma cultura institucional antirracista no Judiciário baiano.
O nome do coletivo homenageia Esperança Garcia, mulher negra escravizada no século XVIII, reconhecida como a primeira advogada do Brasil. Em 1770, ela redigiu uma petição direcionada ao governador da capitania do Piauí, denunciando agressões, violações de direitos e a separação de famílias escravizadas. O documento, escrito com domínio da linguagem jurídica da época, tornou-se um marco da resistência negra e feminina e permanece como símbolo da luta por justiça, dignidade e acesso ao direito no Brasil.
A reunião inaugural foi conduzida pela servidora Denise Ferreira, doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA e integrante da CIDIS, que coordena a gestão técnica do Coletivo Esperança Garcia. O encontro marcou o início de um braço participativo da Comissão CIDIS, concebido para incluir servidores, estagiários, terceirizados e colaboradores do TJBA para a participação ativa nas políticas judiciárias de promoção da equidade racial, com ênfase no diálogo, na escuta qualificada e na construção coletiva.
A ampliação da participação e o caráter plural da iniciativa foram reforçados ao longo das discussões. “O coletivo é formado por pessoas que se identificam com as questões raciais e têm o propósito de criar uma sociedade verdadeiramente antirracista”, afirmou o juiz Guilherme Camilo, membro da CIDIS e da Comissão de Heteroidentificação do TJBA, ao destacar que o espaço é aberto a servidores, estagiários e terceirizados, tanto da capital quanto do interior, funcionando também como ambiente permanente de acolhimento e escuta para a servidores e colaboradores negros do Tribunal.
A proposta do Coletivo inclui construção de diretrizes em desenvolvimento voltadas à produção intelectual e à difusão de conhecimento, com foco em equidade racial e direitos humanos. Estão previstas ações formativas, rodas de diálogo, participação em eventos e, futuramente, a possibilidade de publicações e materiais educativos, que serão amadurecidos a partir do planejamento coletivo. A formatação institucional do Coletivo Esperança Garcia deverá ser socializada em 2026.



A programação do primeiro encontro também promoveu reflexões sobre ancestralidade, identidade e memória afro-diaspórica. O chef Anderson Lima, do restaurante Madiba, conduziu um diálogo sobre a culinária afro-diaspórica a partir do Arroz de Haussá, prato ancestral associado a povos africanos trazidos para a Bahia no período colonial. A abordagem da alimentação como expressão de memória e resistência estimulou discussões sobre pertencimento, herança cultural e práticas afrocentradas no contexto institucional.
Essas reflexões dialogaram com a exposição sobre a celebração da Kwanzaa, apresentada pela estagiária de Direito de pós-graduação do TJBA, Catarina Stéphanie Lima Guedes, lotada na Secretaria do Tribunal Pleno. A expositora coloca que a celebração foi criada em 1966, nos Estados Unidos, a Kwanzaa é uma celebração cultural afro-diaspórica que valoriza a herança africana espalhada pelo mundo e promove princípios como unidade, autodeterminação, trabalho coletivo, economia cooperativa, propósito, criatividade e fé, celebrados entre 26 de dezembro e 1º de janeiro, em sintonia com os valores que orientam o Coletivo Esperança Garcia.
Para os participantes, o primeiro encontro foi marcado pelo acolhimento e pelo senso de propósito coletivo. “Foi um momento importante de escuta, de acolhimento e de construção coletiva, e marcou o início de um espaço que nasce com o compromisso de promover diálogo qualificado, formação e reflexão sobre equidade e direitos humanos no âmbito do Tribunal de Justiça”, avaliou a servidora Rafaela Sinara, da 2ª Vara dos Juizados de Lauro de Freitas.
O sentimento de mobilização e compromisso com a implementação de práticas antirracistas com a presença ativa dos servidores e colaboradores do TJBA, também esteve presente entre os integrantes do Coletivo. “Vamos agora, de fato, contribuir com a implementação de ações voltadas realmente para práticas antirracistas dentro do nosso Tribunal e que, com certeza, vão reverberar por toda a sociedade”, afirmou a oficiala de Justiça Gésilda Reis, lotada na Central de Mandatos de Salvador e integrante do Grupo de Operações Especiais, ao destacar o caráter motivador do primeiro encontro.
Ao articular o legado histórico de Esperança Garcia com ações formativas, culturais e institucionais, o Coletivo reafirma o compromisso do Tribunal de Justiça da Bahia, por meio da CIDIS, com a promoção da equidade racial, dos direitos humanos e com a construção de um Judiciário mais diverso, democrático e comprometido com a justiça social.
Denise Ferreira, servidora e membro da CIDIS, destaca que o trabalho do Coletivo é aberto à diversidade de trabalhadores do TJBA, abrangendo diferentes vínculos, como servidores efetivos, terceirizados, estagiários e colaboradores, bem como dialogando com o meio acadêmico. Essa pluralidade é entendida como fundamental para o fortalecimento de uma política judiciária mais representativa, diversa, participativa e comprometida com a equidade racial e os direitos humanos.