O escopo do presente artigo é refletir acerca da recente ampliação da competência da Comissão de Gestão de Memória do Tribunal de Justiça da Bahia, destacando a base normativa que impulsiona suas atividades.
A ideia central é demonstrar a importância da sua criação e a necessidade do aprimoramento das atividades desenvolvidas por seus membros, objetivando reconhecer a relevância do seu trabalho para o conhecimento do processo histórico-social vivenciado na esfera jurídica e dos meios de difusão das informações para a conformação e fortalecimento do Judiciário Baiano através da construção efetiva de um programa de gestão de memória.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 216, §§1º e 2º assim dispõe: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, cabendo ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger tal patrimônio por diversos meios de acautelamento e preservação e à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
Garantido constitucionalmente, ainda, o acesso à informação como direito fundamental, consoante dispõe o art. 5º, XIV e XXXIII, o ordenamento jurídico pátrio, buscando operacionalizar os comandos constitucionais, editou normas traçando a política nacional para análise e guarda documental, sendo interessante citar as Leis nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991 e nº 12.682, de 9 de julho de 2012 que dispõem, respectivamente, sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, e sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos, dentre outras, que passaram a promover uma movimentação legislativa capaz de trazer à esfera pública uma importante instrumentalização para o resgate da memória nacional.
Em 2008, o Conselho Nacional de Justiça firmou acordo de cooperação entre o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), tendo, em 2009, instituído através da Portaria nº 616/2009 o Comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) com o fito de propor normas e instrumentos para o Programa de Gestão Documental e da Memória do Poder Judiciário.
Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação nº 37 de 15.08.2011, alterada pela Recomendação nº 46 de 17.12.2013, reconhece a necessidade de fomentar as atividades de preservação, pesquisa e divulgação da história do Poder Judiciário, bem como das informações de caráter histórico contidas nos acervos judiciais, recomendando aos órgãos do Poder Judiciário, descritos no art. 92, II a VII da Constituição Federal, a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) e de seus instrumentos.
Ainda em 2011, foi editada a Portaria CNJ nº 113/2011, instituindo o Manual de Gestão Documental do Poder Judiciário. Entretanto, mostrando-se premente a atualização da Recomendação CNJ nº 37/2011, em 2020 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução CNJ 324 de 30.06.2020, que reconhece a necessidade de aperfeiçoamento da Recomendação CNJ no 37/2011 e institui diretrizes e normas de Gestão de Memória e de Gestão Documental, dispondo, ainda, sobre o Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname.
A mencionada Resolução, em seu art. 2º, define a Gestão de Memória: “como o conjunto de ações e práticas de preservação, valorização e divulgação da história contida nos documentos, processos, arquivos, bibliotecas, museus, memoriais, personalidades, objetos e imóveis do Poder Judiciário, abarcando iniciativas direcionadas à pesquisa, à conservação, à restauração, à reserva técnica, à comunicação, à ação cultural e educativa”, apontando em seu art. 5º, incisos VIII e IX, como um dos principais instrumentos o Manual de Gestão Documental e o Manual de Gestão da Memória do Poder Judiciário.
Publicado em 2021, o Manual de Gestão Documental e o Manual de Gestão da Memória do Poder Judiciário, segundo se extrai do seu próprio texto, é o resultado da contribuição de profissionais atuantes na área da Memória dos vários ramos da Justiça de todo o país, por meio de projeto de escrita colaborativa, o que lhe confere caráter participativo, representando importante inovação para tratamento do assunto no âmbito do Poder Judiciário.
Tomando como marco temporal para traçar estas breves linhas o ano de 2008, diante do acordo de cooperação firmado pelo Conselho Nacional de Justiça, que aponta um novo rumo para a Gestão da Memória do Judiciário Nacional, cita-se a publicação do Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, no ano de 2008, que previa em seu art. 111 a Comissão de Memória, dentre o rol de comissões permanentes, competindo-lhe, de acordo com o art. 114 vigente à época: “promover a divulgação dos fatos históricos alusivos ao Poder Judiciário da Bahia e sugerir a realização de sessões magnas para a celebração de datas festivas ou de homenagem às suas figuras representativas do passado”; além de “realizar pesquisas e propor a publicação ou republicação de obras que permitam o conhecimento do Tribunal, como instituição, desde a sua criação no início do século XVII”.
O Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia passou por diversas alterações, mantendo a Comissão a sua competência.
Entretanto, com a Emenda Regimental nº 02, de 13 de outubro de 2021, publicada em face da necessidade de adequação do Regimento Interno ao quanto estatuído no art. 39 da Resolução CNJ nº 324/2020, verifica-se ampliação das competências da Comissão de Memória e da sua composição. Com a publicação, pelo Conselho Nacional de Justiça, do Manual de Gestão de Memória do Poder Judiciário, consolida-se a necessidade dos Tribunais, por meio de suas Comissões, apresentarem Programa de Gestão de Memória configurando um novo olhar para o papel dessa Comissão, cabendo significativo destaque aos caminhos a serem adotados pelo Judiciário Baiano.
O Regimento Interno continua a prever a Memória como Comissão Permanente, ajustando, entretanto, a sua nomenclatura no art. 111, inciso III, para: Comissão de Gestão de Memória, sendo ampliada a sua competência. Cita-se in literis:
Art. 114 – Compete à Comissão de Gestão de Memória:
I – promover a divulgação dos fatos históricos alusivos ao Poder Judiciário da Bahia e sugerir a realização de sessões magnas para a celebração de datas festivas ou de homenagem às suas figuras representativas do passado; (ALTERADO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
II – realizar pesquisas e propor a publicação ou republicação de obras que permitam o conhecimento do Tribunal, como instituição, desde a sua
criação no início do século XVII. (ALTERADO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
III – coordenar a política de Gestão da Memória da instituição de acordo com a presente Resolução e em conformidade com os Manuais de Gestão da Memória e Documental do Poder Judiciário; (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
IV – fomentar a interlocução e a cooperação entre as áreas de Arquivo, Museu, Memorial, Biblioteca e Gestão Documental do respectivo órgão; (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
V – aprovar critérios de seleção, organização, preservação e exposição de objetos, processos e documentos museológicos, arquivísticos ou bibliográficos, que comporão o acervo histórico permanente do órgão; (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
VI – promover intercâmbio do conhecimento científico e cultural com outras instituições e programas similares; e (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
VII – coordenar a identificação e o recebimento de material que comporá os acervos físico e virtual de preservação, bem como a divulgação de informações relativas à Memória institucional. (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
§ 1º A comissão será integrada por 4 (quatro) desembargadores titulares, 3 (três) desembargadores suplentes, 4 (quatro) juízes de direito titulares, 3 (três) juízes de direito suplentes e 4 (quatro) servidores. (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021)
§ 2º A Comissão de Gestão da Memória poderá requisitar servidores e o auxílio da Comissão Permanente de Avaliação Documental para o exercício de suas atribuições.” (NR) (INSERIDO CONFORME EMENDA REGIMENTAL N. 02/2021, DE 13 DE OUTUBRO DE 2021).
Em data recente se consolidou o quanto disposto no §1º do art. 114 através do Decreto Judiciário nº 266 de 22 de março de 2022, disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico do dia 23 de março de 2022, que designa Juízes de Direito para compor a Comissão Permanente de Gestão de Memória, o que por certo viabilizará a construção de um plano de trabalho mais robusto, democratizando o acesso à memória do Judiciário baiano para além dos círculos intelectuais compostos por estudiosos da matéria, consolidando a transmissão dos dados que compõem a história do Tribunal e, em última análise, do próprio Direito brasileiro.
Passos importantes foram dados pela Comissão e seus membros nas gestões que antecederam a formação atual, quando se revisitou momentos históricos em diversos trabalhos já desenvolvidos e disponibilizados no acervo da Corte. Atualmente, metas foram delineadas pela Comissão, constatando-se a busca do Tribunal de Justiça para manter-se alinhado com os objetivos traçados pelo Conselho Nacional de Justiça para implementação, em âmbito nacional, das diretrizes relativas à memória do Judiciário.
Como bem observa Luiz Carlos Azevedo, ao destacar a importância da História do Direito, transcrevendo as palavras do Professor Waldemar Ferreira: “Nenhum Jurista pode dispensar o contingente do passado a fim de bem compreender as instituições jurídicas dos dias atuais. Ninguém é capaz de dar um passo à vanguarda, adiantando um, sem deixar o outro pé na retaguarda. Diferentemente não se realizam caminhadas”
Destarte, compreender a importância da Comissão de Gestão de Memória e traçar caminhos para construção de um eficiente programa de gestão de memória é de suma importância para o Tribunal de Justiça da Bahia, o mais antigo das Américas, Corte de Justiça que guarda em sua história interessantes marcos da própria memória do País.
Referências:
Azevedo, Luiz Carlos de. Introdução à História do direito. 2ª edição revista e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 04 maio. 2022.
BRASIL. Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8159.htm. Acesso em: 04 maio. 2022
BRASIL. Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012. Dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12682.htm. Acesso em: 04 maio. 2022
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução nº 324, de 30 de junho 2020. Dispõe sobre as diretrizes e normas de gestão de memória e de gestão documental e dispõe sobre o programa nacional de gestão documental e memória do poder judiciário (Proname). Brasília: CNJ, 2020a. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3376. Acesso em: 4 maio. 2022.
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Manual de Gestão de Memória do Poder Judiciário / Conselho Nacional de Justiça. Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname) – Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/02/Manual_de_Gestao_de_Memoria.pdf Acesso em: 4 maio. 2022.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA (Brasil). Regimento Interno. Dispõe sobre o funcionamento do Tribunal de Justiça, estabelece a competência de seus Órgãos, regula a instrução e julgamento dos processos originários e dos recursos que lhes são atribuídos e institui a disciplina de seus serviços. Disponível em: https://www.tjba.jus.br/portal/wp-content/uploads/2017/10/regimento_interno_com_alteracao_03_2012_publicada_em_23082012.pdf Acesso em: 4 maio. 2022
Rita de Cássia Machado Magalhães
Desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, Membro Suplente do Conselho da Magistratura no biênio 2014/2016 e no biênio 2016/2018, Membro Suplente da Comissão de Memória, no biênio 2018/2020 e Membro Titular da Comissão de Memória, no biênio 2020/2022.