O desenvolvimento de Salvador avançava, através das concessões de atividades aos empresários, permitindo o aumento da arrecadação. O cobiçado cargo de Provedor-mor da Fazenda passou a ser exercido por um funcionário do serviço real, Sebastião Borges, a partir de 1611, cujas decisões, em alguns momentos, foram revistas pela Corte de Justiça, provocando um posicionamento de Portugal, que tudo fazia para incrementar as receitas. A situação tornou-se insustentável em 1616, tendo o baiano Pedro Gouvea de Melo assumido o referido encargo. Ainda assim, os embates não findaram, tanto que o Chanceler (Presidente) Ruy Mendes de Abreu se aborreceu com a demora no pagamento da remuneração dos Desembargadores e determinou a prisão de um servidor do Tesouro, em 1617.
Por sua importância, a Capital da Colônia, com excelente localização no Atlântico Sul, sempre despertou os interesses das nações estrangeiras.
A Holanda, que se tornara independente da Espanha em 1581, e com a qual haveria de guerrear até 1648, aproveitou-se da União Ibérica para se apossar de terras portuguesas, forçando o poderio espanhol a concentrar esforços na reconquista e desviar-se do conflito com os holandeses. Estes tentaram ocupar Salvador, nos anos de 1599 e 1604, mas as aventuras restringiram-se à pilhagem de açúcar de engenhos do Recôncavo. Além disso, vários navios que partiam dos portos brasileiros, utilizados no transporte do valioso produto para a Europa, eram atacados.
Em 1621, criou-se a Companhia das Índias Ocidentais, sociedade anônima holandesa, reunindo capital público e investidores privados, mirando o vasto mercado espanhol-português, na Europa, África e América.
Surgiram notícias de provável ataque holandês, e, no início de 1624, Madri informou ao Governador-Geral do Brasil, Diogo de Mendonça Furtado, que uma esquadra holandesa havia deixado Amsterdã, objetivando invadir Salvador. Consequentemente, as sete fortificações da Baía de Todos os Santos, que funcionavam como um cinturão de fogo, prepararam-se com obras e munições. Os populares foram convocados e se apresentaram para a defesa, inclusive índios flecheiros e negros escravizados.
A frota holandesa, composta de sete navios, estacionou nas proximidades do Morro de São Paulo e ali permaneceu por alguns dias. Tal fato foi informado ao Governo Geral, que reforçou a retaguarda. Aos poucos, outras embarcações se juntaram às naus estrangeiras.
Entretanto, o Bispo Dom Marcos Teixeira de Mendonça, que disputava o poder com o Governador Diogo de Mendonça Furtado, não aceitou a fuga dos fiéis dos templos, em razão da vigília na extensa costa litorânea da Capital, e ordenou a desmobilização, cometendo um erro terrível.
Não demorou muito e a esquadra de vinte e seis navios, com 3.300 homens, comandada por Jacob Willekens, trazendo o futuro Governador-ocupante, Coronel Johan van Dorth, pôs-se em movimento e avançou, rapidamente, em direção a Salvador. As fortificações responderam e bombardearam a frota, todavia os invasores tinham o mapa da Cidade e algumas naus desviaram-se e alcançaram o Porto da Barra (a partir de então nominado Porto dos Holandeses), em razão do desembarque, no dia 09 de maio de 1624.
A intenção era cercar a Praça do Palácio, pois os inimigos utilizaram o trajeto atual da Avenida Sete de Setembro. Contudo, encontraram a heroica resistência nas imediações do Mosteiro de São Bento, onde ocorreram os primeiros conflitos. Ali, houve baixas de ambos os lados, porém os estrangeiros optaram por cessar, momentaneamente, as investidas, e, à noite, atacaram o Forte de São Marcelo, resultando na retirada dos militares que o guarneciam.
No dia 10 de maio, os holandeses, vencedores, transformaram o Mosteiro de São Bento num quartel-general.
No Palácio, o Governador Diogo de Mendonça Furtado, mesmo rendido, foi aprisionado com seu filho, Antônio de Mendonça, o Desembargador Pedro Casqueiro da Rocha (Ouvidor-Geral), o Sargento-mor Francisco de Almeida Brito, além de comerciantes, quatro padres beneditinos e doze jesuítas, incluindo o Provincial da Companhia de Jesus, Domingos da Cunha. Todos seguiram para Amsterdã, como reféns.
O Tribunal da Relação, com a morte do Chanceler Manoel Pinto da Rocha em 1621, substituto de Ruy Mendes de Abreu, que havia se aposentado em 1620, estava sendo dirigido pelo Desembargador Antão de Mesquita de Oliveira. Este se tornou o Capitão-mor e organizou a resistência à Invasão Holandesa, deslocando-se com as tropas em direção ao Litoral Norte. Grande parte da população fugiu para o Recôncavo.
A queda de Salvador causou grande impacto entre os demais impérios. O Governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, foi nomeado Governador-Geral interino. Enquanto isso, o Bispo Marcos Teixeira de Mendonça minou a liderança de Antão de Mesquita de Oliveira, atribuindo-lhe a ausência de capacidade bélica, buscando o protagonismo. Há controvérsias sobre a renúncia do Desembargador como líder das operações, mas, provavelmente, decorreu de sua idade avançada. A Câmara de Vereadores, instalada, provisoriamente, na Vila de Abrantes, elegeu o religioso como comandante das armas, tendo ele transferido o contingente militar para o Rio Vermelho. Em setembro, Francisco Nunes Marinho, enviado por Matias de Albuquerque, substituiu o Bispo, que faleceria no dia 08 de outubro de 1624. Fala-se de um possível envenenamento, no entanto deve ter sido acometido por doença fatal, em virtude das condições insalubres do local do acampamento.
Os moradores da Capital lutaram utilizando emboscada e guerrilha. Em 17 de julho de 1624, mataram o Governador Van Dorth, quando este inspecionava o Forte de São Felipe (atual Nossa Senhora do Mont Serrat), e, posteriormente, seu sucessor, o Coronel Alberto Schouten. Os holandeses construíram um represamento de rios e córregos, que serviria de fosso (Dique do Tororó). De nada adiantou, pois foram sitiados. Com a ajuda de tropas vindas de outras áreas da Colônia, bem como do auxílio da esquadra luso-espanhola, composta de 58 navios, sob o comando do Almirante Dom Fadrique de Toledo Osório, enviada por Felipe IV (III em Portugal), os invasores não conseguiram resistir e assinaram o Termo de Rendição, no dia 1º de maio de 1625, no Convento do Carmo.
O Padre Antônio Vieira e o Frei Vicente do Salvador, historiador, testemunhas oculares, escreveram sobre a Invasão Holandesa.
O Desembargador Pedro Casqueiro da Rocha e os outros prisioneiros, somente, seriam libertados em 1626.
Alguns bravos militares baianos, que tombaram nos confrontos, estão sepultados no Mosteiro de São Bento, havendo ali um monumento com seus nomes.
A dinâmica da guerra atraiu a atenção de artistas estrangeiros, que deixaram para a posteridade, em museus europeus, o sofrimento dos soteropolitanos.
O pintor Andries van Eertvelt imortalizou a batalha naval travada na Baía de Todos os Santos, quando da chegada dos holandeses, no quadro “Ataque de Salvador”, exposto no National Maritime Museum, em Greenwich.
Por sua vez, Claes Jansz Visscher registrou, em gravura, exibida no British Museum, em Londres, o momento da rendição do Governador Diogo de Mendonça Furtado, na qual estão o Desembargador Pedro Casqueiro da Rocha, à esquerda, e os demais enviados para Amsterdã, sendo, talvez, a mais antiga imagem conhecida de um membro da Relação da Bahia.
A imensa tela “La Recuperacion de Bahia de Todos los Santos”, tendo como inspiração a retomada de Salvador, de Juan Batista Maino, integra o acervo do Museu do Prado, em Madri.
Ao término do conflito, a Capital da Colônia estava arrasada; os holandeses incendiaram prédios públicos, residências, profanando e saqueando os templos católicos.
O Desembargador Francisco Mendes Marrecos perdeu inúmeros documentos, contudo seus descendentes conseguiram reunir grande parte dos que se encontravam nos arquivos portugueses e, atualmente, a coleção pode ser pesquisada na Biblioteca da Universidade de Coimbra.
Durante o período da ocupação estrangeira, o Tribunal da Relação, que já tinha um médico (Diogo Pereira) em seu quadro de funcionários, ainda se reunia no Palácio do Governo e não funcionou. A Invasão Holandesa traria consequências inevitáveis para a Corte de Justiça.
Desembargador Lidivaldo Reaiche*
Referências bibliográficas:
História do Brasil – 1500-1627 – Frei Vicente do Salvador
Carta Ânua – Antônio Vieira
A Relação da Bahia – Affonso Ruy
Burocracia e Sociedade Colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – Stuart Schwartz
História Geral do Brasil – Visconde de Porto Seguro
Memória da Justiça Brasileira, volume 1 – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia – Anotações de Braz do Amaral – Inácio Accioli de Cerqueira Silva
Site do Exército Brasileiro – Guerra Holandesa – Primeiro Período – Invasão da Bahia
Site do Guia Geográfico Histórico da Bahia – Invasão Holandesa na Bahia
*O Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto retrata a História do Tribunal da Bahia, desde a época que funcionou como o Tribunal da Relação. Estudioso e pesquisador do tema, o Desembargador Lidivaldo é Presidente da Comissão Temporária de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis) e membro da Comissão Permanente de Memória.