Em 20 de setembro de 1835, enquanto se desdobravam os julgamentos dos insurgentes da Revolta dos Malês, na Bahia, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, teve início a Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, que proclamou a independência da República Rio-Grandense. O conflito se estenderia por um decênio, representando verdadeira ameaça à integridade do Império. Nesse contexto de instabilidade, no dia 1º de agosto de 1836, retornando de Galápagos, Charles Darwin desembarcou, pela segunda vez, em Salvador, onde continuou com as suas pesquisas sobre a flora e a fauna. Em seu diário, lembrou-se de algumas mangueiras por ele avistadas na sua primeira visita, que teriam sido cortadas durante a “Revolta dos Negros” do ano anterior, referindo-se ao Movimento liderado pelos escravos muçulmanos. Elogiou as paisagens e a arquitetura das igrejas do atual Centro Histórico, fazendo alusão ao belo pôr do sol da Baía de Todos os Santos, com o reflexo sobre os templos e os casarões dos dois planos da capital baiana. Na tarde de 06 de agosto, o navio Beagle partiu em direção a Recife. Darwin deixou o Brasil a 17 de agosto e, em 1859, publicaria “A Origem das Espécies”.
Bento Gonçalves, general e líder da Revolução Farroupilha, preso no Rio Grande do Sul, foi transferido para Fernando de Noronha. O Brigue Constança, que o conduzia, zarpou do Rio de Janeiro em 11 de agosto de 1837, porém, por um problema na embarcação, aportou em Salvador, no dia 26 seguinte, tendo o gaúcho sido encarcerado no Forte do Mar (Forte de São Marcelo). Maçom, ele enviou uma carta à Loja Fidelidade e Beneficência, lida no dia 30, na qual reivindicou sua transferência, pois o local era insalubre. A Maçonaria respondeu, prontificando-se a ajudá-lo, e um Padre o visitou. Não tardou e elaborou-se um plano de fuga, pois Bento temia ser assassinado, havendo o republicano e maçom Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira participado do planejamento. Em 10 de setembro, às dez horas, o líder farroupilha pediu para banhar-se no mar, pois queria se exercitar, recebendo autorização. Naquela manhã, durante o café, escapara de ser envenenado. Nadou até um barco, que lhe aguardava nas proximidades da unidade prisional, e refugiou-se em Manguinho, na Ilha de Itaparica. Ali, permaneceu alguns dias, enquanto circulava boato de que fugira a bordo de um navio estrangeiro. Os responsáveis pela sua guarda foram punidos. Bento retornou a Salvador, desembarcando no atracadouro do Bonfim, em Itapagipe, encontrando-se com dois homens, que o aguardavam no adro da Igreja, quando lhe foi disponibilizado um cavalo. Dali partiram em direção ao Desterro, onde o fugitivo permaneceu escondido. Nas diversas reuniões organizadas pelos correligionários baianos, houve compartilhamento de ideais e experiências, e Bento disse: “convinha que a Bahia fizesse o mesmo que tinha feito o Rio Grande”. Com a ajuda dos companheiros, a 07 de outubro, ele conseguiu embarcar pelos fundos da Igreja da Vitória, alcançando uma embarcação que transportaria carne seca para Santa Catarina.
Sabino era Médico desde 1817 e Professor da Faculdade de Medicina. Sua biblioteca possuía cerca de mil volumes, muitos deles com as teorias de Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Tocqueville, Locke e Achiles Murat. Na sede da Santa Casa de Misericórdia, havia um nosocômio, também hospital-escola, onde Sabino atuava como preparador anatômico e cirurgião. Viúvo, detinha um imóvel no Carmo, utilizado como base para as reuniões dos republicanos, malgrado permanecesse na casa de uma mulher tida como sua concubina. Ele servira no Exército Pacificador (1823), assistindo os feridos e ajudando o comando da Fortaleza de São Lourenço, em Itaparica. Labatut o prendera, por insubordinação. Participou da Revolta dos Periquitos (1824). Em razão disso, não obteve o cargo de Cirurgião-mor do Hospital Militar.
Em julho de 1837, Sabino fundou o jornal “Novo Diário da Bahia”, no qual criticava a Regência do Padre Feijó, que relegava o desenvolvimento das Províncias. A assunção do Regente Araújo Lima, no mês de setembro, não arrefeceu os ânimos. Outro republicano, João Carneiro Rego da Silva Filho, Advogado, lançou o periódico “A Luz Bahiana”.
A residência do ourives Manoel Gomes, na Piedade, também servia de ponto de encontro para discussões políticas dos republicanos.
No dia 27 de outubro, seguindo velha tática, boletins surgiram em Salvador. A mobilização ganharia a adesão de militares, intelectuais, jornalistas, professores, profissionais liberais, comerciantes, funcionários públicos, forros e escravos, muitos deles veteranos das Batalhas da Independência (1823) e das Revoltas Federalistas (1831-1833).
No dia 1º de novembro, o Movimento foi delatado por Antônio de Souza Vieira, que comunicou os preparativos ao Juiz de Direito e Chefe de Polícia, Francisco Gonçalves Martins. Este se deslocou até a casa do ourives Manoel e, subindo a escada externa, pôde ouvir as conversas sem ser visto, reconhecendo as vozes de Sabino, José Nunes Bahiense e Daniel Freitas. Consequentemente, procurou o Presidente da Província, Francisco de Sousa Paraíso, que requisitou relato escrito, mas Gonçalves Martins esquivou-se, com receio de haver se enganado. Não convencido, o Presidente o orientou a prosseguir na investigação. Por sua vez, o Comandante das Armas, Luiz da França Pinto Garcês, tranquilizou as autoridades, asseverando que os quartéis estavam calmos, contudo, no dia 04, José Marcelino dos Santos informou a Gonçalves Martins a iminência da insurreição, e o Tenente-Coronel Manoel Rocha Galvão, simpatizante da causa, alertou sobre a convulsão das tropas.
Sabino teve a ousada iniciativa de pedir a Manoel Rocha Galvão, seu amigo, que cedesse sua casa, no Gravatá, para uma reunião, e convidasse Gonçalves Martins, e, assim, a 06 de novembro, este foi instado a aderir à revolta, porém recusou a proposta, veementemente. A omissão do Chefe de Polícia, que não prendeu o proponente, lhe traria sérios problemas.
Diante da tentativa infrutífera, decidiu-se pelo imediato desencadeamento da insurreição, no entardecer daquele dia. Sabino, Daniel, Bahiense, João Carneiro da Silva Rego e Manoel se dirigiram ao Forte de São Pedro e anunciaram o início da rebelião, com um toque de corneta. O Major Sérgio Velloso prendeu o Comandante da Fortaleza, Tenente-Coronel Pedro Luís de Menezes. O Comandante das Armas ordenou seu ajudante, Tenente José Balthazar da Silveira, a verificar o ocorrido, mas este foi, também, detido pelos revolucionários, que avançaram sobre as Mercês e os Aflitos. Gonçalves Martins, atônito, queria reagir imediatamente, todavia o Comandante das Armas optou pelo ataque no dia seguinte. Na madrugada, quando as tropas se encontraram, as legalistas aderiram à rebelião, bem como parte da Polícia. O Presidente da Província e o Comandante das Armas se refugiaram nos navios Três de Maio e Vinte e Nove de Agosto, respectivamente, na Baía de Todos os Santos.
Os insurgentes ocuparam a Câmara de Vereadores de Salvador, por volta das onze horas, no dia 07 de novembro, e o sino do prédio convocou a população. No local, proclamou-se a República Bahiense, livre e independente, cujo Manifesto foi lido pelo Advogado José Duarte da Silva. O Presidente seria Inocêncio da Rocha Galvão, companheiro de Sabino na Revolta dos Periquitos, que se encontrava exilado nos EUA, e a Vice-Presidência caberia a João Carneiro da Silva Rego. Através dos primeiros atos, vários Oficiais foram promovidos e os soldos tiveram reajuste, havendo equiparação com a remuneração da Polícia.
O Vice-Presidente criou um Ministério Revolucionário, no dia 19 de janeiro, nomeando, inclusive, seu próprio descendente: João Carneiro da Silva Rego Filho (Justiça); Francisco Sabino (Negócios Estrangeiros); Silva Freire (Fazenda); Daniel Gomes de Freitas (Guerra); e Manoel Pedro de Freitas Guimarães (Marinha) – aquele que tinha sido Comandante das Armas, pivô da disputa do cargo com Bandeira de Mello, em 1822.
Dentre os insurretos, renomados civis: João Francisco de Almeida (Professor da Faculdade de Medicina), o jurista Augusto Teixeira de Freitas, Ladislau dos Santos Titara (autor da letra do Hino ao Dois de Julho), João José Barbosa de Oliveira (Médico, Jornalista e pai de Ruy Barbosa), além de Luiz Antônio Barbosa de Almeida (Advogado, Vereador e tio de Ruy Barbosa).
Depois da Independência da Bahia, nenhuma outra insurreição teve a adesão de tantos militares.
Primeiro, Gonçalves Martins instalou-se no Engenho Cajahyba, do Tenente-Coronel Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, de onde ordenou que os militares se apresentassem em São Francisco do Conde. No Engenho, encontrou-se com o Presidente da Província. No dia 09 de novembro, este se deslocou para Santo Amaro, em cuja Igreja Matriz o Arcebispo Romualdo Antônio Seixas criticou a República. Dali o Presidente seguiu em direção a Cachoeira (local da sede do Governo e do Tribunal da Relação), mas também permaneceu a bordo da Corveta 07 de Abril.
Gonçalves Martins, percorreu várias Comarcas (Santo Amaro, São Francisco do Conde e Cachoeira). Na sequência, uniu-se às tropas legalistas em Pirajá, com o apoio dos proprietários dos canaviais e do Visconde da Torre Garcia D´ávila. Providenciou-se o bloqueio da passagem do gado do sertão para Salvador, que seria sitiada. Mais uma vez, os soteropolitanos estariam no meio de conflitos.
Já na primeira semana, a revolução revelava significativo impasse: um bloco queria a separação definitiva do Brasil e outro desejava uma solução conciliatória, com a República vigendo até a maioridade de D. Pedro. A Ata da Câmara de Vereadores, de 07 de novembro, foi retificada, prevalecendo a segunda tese, em uma sessão realizada no dia 11, presidida por Luiz Antônio Barbosa de Almeida, Secretário da Casa Legislativa, em virtude da ausência do dirigente.
Naquela data, houve uma reunião da Câmara de Santo Amaro, com a presença de Gonçalves Martins, que recebeu o Tesoureiro-Geral Manoel José de Almeida Couto portando todo o dinheiro (450 contos de réis) retirado da Tesouraria da Província (localizada no térreo do sobrado do Tribunal da Relação).
O Presidente Paraíso, desgastado com a Revolta dos Malês e alegando doença, já havia requerido a sua substituição. Em 14 de novembro, avisou ao DESEMBARGADOR HONORATO JOSÉ BARROS PAIM, Segundo Vice-Presidente (estava em Santo Amaro), que deveria assumir o cargo, diante da impossibilidade do Primeiro Vice-Presidente, DESEMBARGADOR LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS, também enfermo, o que ocorreu. Expediram-se comunicações legalistas e rebeldes, exortando a população a seguir os respectivos princípios. Cinco dias depois, desembarcaria, em Itaparica, o novo Presidente da Província, Antônio Pereira Barreto Pedroso, que, após primeiras instruções, foi para Cachoeira.
Os sediciosos não encontraram dificuldade na conquista de Salvador e o Comandante das Armas seria exonerado no dia 27.
Os revoltosos continuaram recebendo armas e munição produzidas pelos estabelecimentos oficiais sob o domínio da República, permitindo que alguns comerciantes negociassem gêneros alimentícios e os encaminhassem às tropas revolucionárias, aumentando a escassez na capital baiana. Os mantimentos do navio inglês Visard foram saqueados.
A contenda era vista como a luta dos brancos contra os pardos/negros, estes no campo rebelde. A abolição do cativeiro não constava do programa do Movimento. Formou-se um batalhão com escravizados crioulos denominado “Libertos da Pátria”, por ato de 03 de janeiro de 1838, e, em 19 de fevereiro, garantiu-se a alforria dos cativos brasileiros que aderissem à revolta, gerando preocupação, pois poderia ser imputada a prática de insurreição ou de organização de levante de escravos, o que previa a pena de morte.
Os revolucionários editaram o jornal “O Novo Sete de Novembro”, que difundia as ideias republicanas; o periódico de Sabino, também, ganhou outro título, “O Novo Diário da Bahia”.
A Federação já não importava, afinal a Província fora declarada país soberano. Algumas embarcações inglesas estavam na Baía de Todos os Santos, mas o Cônsul da Inglaterra, comunicado da proclamação da República, não expressou apoio a nenhum dos lados. O governo revolucionário permitiu o comércio de cabotagem pelos estrangeiros, o que estava proibido, e determinou que estes utilizassem identificação de sua nacionalidade. Muitos ganharam com o contrabando. O comércio não aceitava o novo dinheiro emitido. Permitiu-se a saída de mulheres, idosos e crianças. O Presidente da Província determinou a convocação de escravos, com indenização aos proprietários. Até presos sentenciados viram-se obrigados a defender o Império.
Os insurgentes tentaram, por duas vezes, tomar a Ilha de Itaparica, lugar estratégico e para onde havia sido transferida a Alfândega, mas foram rechaçados. No dia 30 de novembro, atacaram as forças legais estacionadas em Cabrito e Campinas, com perdas de ambos os lados, provocando o recuo dos insurretos. Outros ataques seriam repelidos. Faltava experiência. A tripulação do navio Trovão refluiu e retornou às hostes dos legalistas.
Atendendo ao pedido, Pernambuco e Sergipe enviaram efetivos, bem como outras partes da Província, para a defesa da legalidade.
O Ministro de Guerra do Império, Sebastião do Rego Barros, do Rio de Janeiro, acompanhava o desempenho das tropas que contavam 4.000 homens, embora as revolucionárias reunissem 5.000 integrantes. A Regência se incomodou com a demora da rendição, resultando na designação do Comandante Militar João Chrisóstomo Callado, que havia enfrentado os Federalistas de 1831.
O bloqueio naval dos Portos da Província, decretado em 02 de janeiro de 1838, pela Regência, não funcionava. Houve troca na direção da Marinha (Rodrigo Theodoro de Freitas substituiu o francês Theodoro Alexandre Beaurepaire) e envio de reforços, inclusive a Fragata Regeneração, comandada por Joaquim Marques Lisboa, o futuro Almirante Tamandaré, que participara das lutas pela Independência da Bahia, em 1823. O cerco não foi exitoso, redundando no confronto direto.
Os rebeldes se apossaram de dois navios: Conceição Oliveira – rebatizado de “07 de novembro”) e o Brasília, porém não dispunham de pessoal preparado para conduzir as embarcações, que permaneceram no porto.
As forças legais organizaram um Exército Restaurador, com tropas das Vilas do Recôncavo, tendo à frente o Tenente-Coronel Alexandre Gomes de Argollo Ferrão, denominado General em Chefe.
Por intermédio do Decreto nº 09, de 20 de janeiro de 1838, o Ministro da Justiça da República Bahiense, João Carneiro da Silva Rego Filho, nomeou Augusto Teixeira de Freitas para o cargo de Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Salvador. Ele havia se graduado em Olinda, aos 21 anos, a 06 de outubro do ano anterior. No dia 31, seriam nomeados Antônio José de Sá Freire Mattos e Francisco Liberato de Mattos, como Titulares da 1ª Vara Crime e 2ª Vara Crime, respectivamente.
Os revolucionários assustaram com as investidas, nos dias 17 e 18 de fevereiro, e o Presidente da Província exigiu reação do Comandante Callado, que preferia continuar sitiando Salvador. Por outro lado, Sabino, desejando assumir a Vice-Presidência, desentendeu-se com João Carneiro. A 08 de março, os revoltosos tentaram furar o cerco naval e, em outra frente, avançaram para Feira de Santana, onde os Juízes de Paz Manoel Simões Victório e Manoel Simplício Rodrigues apoiavam a República.
Callado e suas tropas ingressaram em Salvador, pela Lapinha, o que lembrava 1823. Na noite de 11 de março, ele ocupou o Arsenal da Marinha. Os insurgentes, entricheirados nos Fortes de São Pedro, da Gamboa e de São Marcelo, resistiram. A partir de 13 de março, as forças legalistas, divididas em quatro brigadas, iniciaram uma grande ofensiva, travando batalhas de Itapoã a Pirajá, incluindo São Caetano, Canabrava e Calçada, recuperando os Fortes de São Bartolomeu e do Mont Serrat, ambos em Itapagipe.
O Presidente da Província, com o conflito quase encerrado, no dia 16, retornou de Itaparica, onde havia fixado sua base, e, na tarde de18, foi içada uma bandeira branca no Forte de São Pedro, mas as tropas de Callado não aceitaram os termos da rendição, a qual deveria ser incondicional. Vencidos, cerca de 610 prisioneiros percorreram as ruas do centro de Salvador. Em seguida, renderam-se os revoltosos dos Fortes de São Marcelo e da Gamboa.
Inúmeros prédios da Capital foram incendiados. Segundo Luiz Viana, que se debruçou sobre o tema, “a Sabinada agonizava num brazeiro infernal”.
Revoltosos foram sendo mortos, executados onde se encontravam. Alguns líderes da insurreição já tinham fugido. As autoridades efetuaram buscas por cerca de oito dias. Os indivíduos Juvêncio José de Sant´anna e José Antônio Leitão delataram os foragidos, visando à obtenção de recompensa.
Em 22 de março, Sabino e Alexandre Gueulette foram localizados na residência do Cônsul da França, no interior de um guarda-roupas. Na mesma data, João Carneiro e Carneiro Filho, em uma casa na Lapinha. José Nunes Bahiense e Higino Pires Gomes conseguiram escapar. Inúmeros cidadãos se viram aprisionados, por qualquer suspeita. As prisões ficaram abarrotadas. As autoridades enviaram muitos militares para o Sul do Brasil e Fernando de Noronha.
Callado apresentou relatório. Ao término da revolta, em 16 de março de 1838, haviam morrido1.258 rebeldes e 594 soldados legalistas. Cerca de 2.989 pessoas estavam nos cárceres, tendo sido deportados 1.520 revoltosos para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Negros livres foram expulsos e deixados na África. Não se incluiu no cômputo o número de mortes nos combates travados em Feira de Santana, até o mês de abril, pois Higino, desconhecendo a derrocada da República, persistiu, ali,com cerca de 50 homens.
Ao todo, 2.746 prisioneiros permaneceram encarcerados nos porões de embarcações (alguns dos quais surtaram), no Presiganga (navio presídio), nas naus de guerra, nos Fortes, na Cadeia da Relação (situada no subsolo da Câmara Municipal), no Quartel instalado no Mosteiro de São Bento e no Aljube (ex-unidade prisional do Clero, para os infratores do Direito Canônico, localizada nas imediações do atual Viaduto da Sé, esquina com a Ladeira da Praça).
Sabino ficou recolhido no Presiganga e na corveta Vinte de Abril. A chave de sua casa, situada no Carmo, foi entregue, pela companheira, ao Juiz de Paz do Primeiro Distrito da Sé, Evaristo Ladislau e Silva, que procedeu à busca e à apreensão de papéis, livros, móveis e objetos. Lavrou-se auto do inventário dos bens em 23 de março. O Juiz de Paz do Segundo Distrito da Freguesia da Sé, Vicente Ferreira Alves dos Santos, também inspecionou o local, figurando Antônio Paulo Netto como depositário.
Laudos de exame de corpo de delito confirmaram violações aos cofres das repartições públicas, inclusive o da Tesouraria Geral, situada no andar térreo do sobrado do Tribunal da Relação.
A 1º de abril, a pedido do Presidente da Província, o Arcebispo celebrou o Te Deum, na antiga Sé, em agradecimento “pelo triumpho das Armas da Legalidade”. No dia 20, o novo Presidente da Província, DESEMBARGADOR THOMÁS XAVIER GARCIA DE ALMEIDA, enviou ofício ao Chanceler do Tribunal da Relação, DESEMBARGADOR ANTÔNIO AUGUSTO DA SILVA, exortando-o a identificar os servidores da Justiça que deveriam ser suspensos, por terem trabalhado durante a breve República; no dia seguinte, os documentos encontrados no Palácio do Governo, deixados pelos republicanos, foram encaminhados ao Promotor Público.
A repressão teve guarida na Lei Provincial nº 65, de 30 de abril, que suspendeu as garantias constitucionais dos baianos, permitindo prisões sem a formação de culpa.
O processo contra os principais líderes teve início no dia 12 de maio, perante o Juiz de Paz do 2º Distrito da Freguesia da Sé, quando o Promotor Público José Vieira Rodrigues de Carvalho e Silva ofereceu a denúncia em face de 57 civis envolvidos na insurreição, tendo sido arroladas algumas testemunhas. No dia 18, na sala de audiências da Cadeia da Relação, interrogou-se Sabino, que protestou, pois estava incomunicável, algemado com ferros, a bordo da Corveta Sete de Abril. Disse que apresentaria sua defesa no Tribunal. Outros denunciados foram ouvidos até 24 de maio. Os militares seriam julgados pela Justiça Militar.
No dia 26 de maio, reuniu-se o júri de admissibilidade, que decidiu pela existência de materialidade do crime para a acusação, quando ocorreu a pronúncia de dezenas de revoltosos e, em seguida, oferecido o libelo pelo Promotor Público, tudo no mesmo dia.
Mesmo considerado pessoa caridosa, de alma generosa, no exercício da Medicina, com clientela expressiva, gozando de admiração de colegas e estudantes, pesava sobre Sabino ter se submetido a três júris. Havia sido absolvido pelo homicídio praticado contra Carlos Manoel de Lima, no final da década de 1820, e pela morte da esposa Joaquina Gonçalves, em 05 de outubro de 1833, vítima de violência doméstica a 18 de setembro, na queda da escada, que resultou em fratura do braço e evolução com tétano, na Rua da Castanheda, nº 126. O terceiro júri decorreu do assassinato do Alferes José Joaquim Ribeiro Moreira, que desejava vingar-se da agressão e da humilhação sofridas pelo irmão, Vicente Ribeiro Moreira, cometidas por Sabino, que o atacou com um chicote em 31 de outubro, depois de altercação causada por textos jornalísticos imputando ao médico a responsabilidade pela morte da mulher, mesmo depois da absolvição. Sabino era o redator do jornal “O “Investigador Brazileiro” e Vicente cuidava da publicação do “Jornal do Comércio”. Defendendo-se do militar, Sabino utilizou o bisturi, em um único golpe certeiro, em frente à Câmara de Vereadores, a 07 de novembro. Preso, no primeiro julgamento, em Salvador, no dia 10 de junho de 1834, foi condenado a doze anos de prisão. No novo júri, em Cachoeira, a 29 de julho, a pena foi reduzida à metade. Detido durante um ano, o sentenciado pediu o perdão à Regência, cujo despacho, de 03 de outubro, comutou a sanção para o degredo, em igual período, no Rio Grande do Sul. Suplicando para não deixar a Bahia, em 27 de novembro de 1834, obteve o perdão imperial.
Os líderes da insurreição foram submetidos ao “júri de julgação”, em Salvador, na Misericórdia, no dia 02 de junho de 1838, denominado o “juri de sangue”, presidido pelo Juiz de Direito Victor de Oliveira. O Promotor Público José Vieira Rodrigues de Carvalho e Silva apresentou o “plano da revolução” e acusou Sabino de ordenar o incêndio de diversos imóveis, ao fim da revolta. Além disso, asseverou, na sessão: “é preciso aplacar com o sangue dos revoltosos a poeira da revolução.” A defesa coube ao Advogado Manoel Pedro Moreira de Vasconcelos, indicado pela Santa Casa de Misericórdia, jovem de 26 anos, Professor de Retórica. Inexistiam regras de impedimento, pois o Patrono participou como testemunha e jurado no júri de admissibilidade. Sabino, João Carneiro e Carneiro Filho foram os únicos civis condenados ao enforcamento e os demais, à prisão, pela prática dos crimes estatuídos nos arts. 68, 85, 87, 89, 113, 192, 201, 202, 203, 204 e 205 do Código Penal.
O brigue Nova Aurora levou 200 presos para Fernando de Noronha; só na viagem, pereceram 11 rebeldes, tendo o navio aportado na Ilha, em 11 de agosto.
Os punidos com a pena capital protestaram por novos júris, realizados na Comarca de São Francisco do Conde, no Convento de Santo Antônio, dos Franciscanos. Em 07 de novembro, justamente, um ano após o início da revolta, Sabino foi julgado. O Juiz de Direito interino Francisco Manoel de Campos presidiu o julgamento, funcionando, na Promotoria Pública, Bernardino José de Andrade e Silva. O próprio réu se defendeu, pois a Santa Casa de Misericórdia deixou claro que a assistência jurídica se limitaria ao foro de Salvador. A sessão findou às 03:00 horas do dia seguinte, tendo os jurados mantido a pena capital.
Depois de um intervalo de descanso, foi julgado João Carneiro da Silva Rego, defendido por Luís Barbalho Muniz Ferrão Barreto, que interpôs um agravo retido, em razão da escolha dos jurados. Ao final, confirmaram a pena de morte. Já no dia 09, foi a vez de Carneiro Filho se submeter ao novo júri, atuando como Advogado Luiz Maria Alves Falcão Muniz Barreto. O acusado teve a sanção comutada para a pena de prisão de 14 anos e não apelou, mas o Promotor Público recorreu da sentença, por ter deixado de aplicar a indenização, sob a alegativa dos prejuízos causados à Fazenda Pública pela insurreição.
Outros julgamentos sucederam, em São Francisco do Conde, ao longo do mês de novembro. Todos os réus permaneceram a bordo da Barca nº 08, no atracadouro. Dali mesmo, interpuseram apelações para o Tribunal da Relação. A 18 de novembro, retornaram a Salvador. No dia 22 seguinte, o Presidente (Chanceler) do Tribunal, DESEMBARGADOR ANTÔNIO AUGUSTO DA SILVA, despachou nos autos. As razões do recurso de Sabino, elaboradas pelo Defensor Manoel Pedro Moreira de Vasconcelos, foram entregues em 06 de fevereiro de 1839 e as de João Carneiro da Silva Rego foram assinadas pelo Causídico Lúcio Pereira de Azevedo, no dia 21 do mesmo mês.
Além disso, Sabino peticionou, a 1º de março, denunciando a violência das forças militares em sua casa, na arrecadação dos pertences já avaliados.
Até o Clero foi atingido pela repressão. Os Padres José Antônio Neves, Manoel Ribeiro, Firmino Henrique Ribeiro, Antônio Thomaz de Aquino e Jacintho Theodoro Costa ficaram encarcerados por um ano, tendo sido absolvidos em 07 de março de 1839, bem como os funcionários da alfândega.
As autoridades suspenderam vários servidores públicos, pela permanência em Salvador, no período da República, inclusive as Professoras Cândida Mendes de Souza, Rosenda Adriana dos Santos e Faustina Adelaide Felisbela Umbelina de Barros Gense, pois descumpriram a ordem de retirada para o Recôncavo.
As atividades do Liceu Provincial da Bahia (atual Colégio Central), primeiro estabelecimento escolar de ensino secundário do Brasil, criado por Ato publicado em 07 de setembro de 1837, dois meses antes do início da sedição, foram interrompidas. Retomada a legalidade, restaram suspensos os Professores: Ignácio Aprígio da Fonseca Galvão (Geografia), Padre João Quirino Gomes (Filosofia), Antônio Gomes de Amorim (Comércio), Manoel José Estrella (Inglês), Padre Antônio Joaquim das Mercês (Gramática Filosófica), José Rodrigues Nunes (Desenho) e Domingos da Rocha Mussurunga (Música).
Os processos duraram cerca de dois anos e o carcereiro atestou que Sabino e outros presos, mesmo recolhidos, zombavam da Justiça e encenavam peças.
O Presidente da Província, diante do comportamento dos encarcerados, os transferiu para a Fragata “Príncipe Imperial”. O médico de bordo, Francisco de Macedo, atestou a frágil saúde de Sabino e os Professores da Faculdade de Medicina Vicente Ferreira de Magalhães, Antônio Polycarpo Cabral e José Vieira de Faria Aragão Ataliba confirmaram, em 21 de março, que o detento era portador de gastro-hepato-enterite crônica. Diante disso, o filho de Sabino, Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira Junior, requereu ao Imperador a transferência do pai para uma das cadeias de Salvador. Os demais presos, também, protestaram contra as condições insalubres e o diminuto espaço. Sabino diria: “cumprindo uma sentença de morte lenta e cruel, que lhe foi não, nem podia ser, imposta por algum Tribunal ou autoridade legítima”. O Barão de Uruguayana, Ângelo Ferraz, pediu a anistia dos revoltosos, na Assembleia Provincial. Os três líderes (Sabino, Carneiro e Carneiro Filho) requereram o perdão à Regência, mas só obtiveram a transferência para o Forte de São Marcelo e, por estar doutrinando os Soldados na causa republicana, o primeiro retornou à Fragata Príncipe Imperial no dia 02 de julho.
Na apreciação da primeira leva de recursos interpostos por Sabino, João Carneiro da Silva Rego, Carneiro Filho, Florêncio da Silva Oliveira e Joaquim da Silva Freire, o Tribunal da Relação, no dia 20 de julho, negou provimento, mantendo as penas impostas nos júris da Comarca de São Francisco do Conde, reconhecendo a observância das “fórmulas substanciais do processo”, tendo participado da sessão os DESEMBARGADORES ANTÔNIO AUGUSTO DA SILVA (CHANCELER), CORNÉLIO FERREIRA FRANÇA, JOÃO JOSÉ DE OLIVEIRA JUNQUEIRA, JOAQUIM JOSÉ PINHEIRO DE VASCONCELOS, ADRIANO JOSÉ LEAL, MIGUEL JOAQUIM CASTRO MASCARENHAS e ANTÔNIO DE CERQUEIRA LIMA.
Sabino, através do Procurador Manoel Vieira da Fonseca, comunicou à Regência, no dia 20 de setembro de 1838, que se encontrava no porão da Corveta Sete de Abril, dividindo o minúsculo recinto com mais quatro rebeldes, em condições degradantes.
Irresignando-se contra o acórdão, Sabino (27/09), João Carneiro da Silva Rego (29/07), Florêncio da Silva Oliveira (30/07) e Joaquim da Silva Freire (30/07) interpuseram Recursos de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, no Rio de Janeiro, cujas razões foram apresentadas entre os meses de agosto e setembro. tendo o Promotor de Justiça José Antônio Magalhães Castro contra-arrazoado em 28/11. Depois das devidas intimações, o escrivão Francisco Ernesto Ribeiro, no dia 24 de dezembro de 1839, enviou os cinco volumes para aquela Corte.
No tocante aos militares, o Conselho de Guerra, reunido no dia 04 de julho de 1838, no Quartel da Mouraria, em sessão integrada pelo Juiz do Crime Antônio Simões da Silva (Auditor) e por seis Oficiais, utilizando o rito do processo verbal, condenou à morte diversos réus, aplicou outras punições e absolveu um acusado. Ao apreciar a apelação interposta, a Junta Militar da Bahia, no dia 13 de agosto, manteve as penas capitais de Sérgio Velloso, Inocêncio Eustachio, Alexandre Sucupira e José Joaquim Leite. Ademais, comutou as sanções de outros para a prisão perpétua ou 20 anos de reclusão, havendo absolvido alguns dos processados. Novos recursos foram manejados no Supremo Tribunal de Justiça, que declinou da competência e delegou o julgamento para o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, o qual decidiu, em 14 de janeiro de 1840, à unanimidade, ratificar as condenações e, violando o princípio reformatio in pejus, estender, por maioria, a pena capital para Ignácio Joaquim Pitombo, Manoel José de Azevedo Coutinho, João da Paixão, Marques Cardoso, Boaventura Ferraz, Pedro Barbosa Leal, Rodrigo Ardignac e Manoel Florêncio de Nascimento; os 12 deveriam ser fuzilados.
Mas civis e militares não seriam executados. A Regência optou pela antecipação da maioridade do Imperador Pedro II, que completaria 14 anos em 02 de dezembro de 1840. No entanto, no dia 23 de julho daquele ano, o herdeiro da Coroa prestou juramento e, em um gesto magnânimo, anistiou todos os criminosos políticos, mediante o Decreto Imperial de 22 de agosto. Pelo ato, os Presidentes das Províncias poderiam banir os condenados à morte para o interior do país. O Supremo Tribunal de Justiça, em 15 de janeiro de 1841, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação da Bahia. Os réus deveriam assinar termo, perante o Chefe de Polícia Francisco Gonçalves Martins, comprometendo-se a deixar Salvador. Os militares (Sérgio Veloso, José Leite, Alexandre Sucupira, José Bahiense, Tenente Daniel Gomes de Freitas e Inocêncio Eustáquio) embarcaram para o Rio de Janeiro, a 19 de novembro, na Corveta 7 de de Abril, e os civis, inclusive Sabino, no dia seguinte, na Corveta Regeneração.
João Carneiro, Carneiro Filho e Daniel Gomes de Freitas iriam para São Paulo. O Arcebispo tentou interceder junto ao Imperador, para que os dois primeiros permanecessem no RJ, elogiando Carneiro Filho por ter lançado o periódico “Pedro II e a Constituição”, mas não foi atendido. Em Ouro Preto ficariam Sérgio Velloso, José Leite, Alexandre Sucupira e Inocêncio Eustáquio.
Outros foram para o interior da Bahia: Santo Amaro (02) e Nazaré das Farinhas (03). Muitos já se encontravam em Recife e Fernando de Noronha.
O Presidente da Província da Bahia, Paulo de Mello Britto, escolheu Goiás para o banimento de Sabino. Em ofício de 17 março de 1841, o Presidente do Conselho de Estado do Império, Antônio Paulino Limpo de Abreu, comunicou ao Presidente da Província de Goyás, José de Mascarenhas, que o anistiado deixaria o Rio de Janeiro no dia 20 seguinte. A preocupação era imensa, tanto que o Ministro da Justiça, Paulino Soares de Sousa, informou, às autoridades de Minas Gerais, que o revolucionário passaria por Ouro Preto, com escolta. Não se registrou a data da chegada a Goiás. Foram cerca de 1.500 km a cavalo. A população ficou receosa, mas o médico devotado atendeu a inúmeros pacientes e ganhou a confiança. Casou-se com Rosa Joaquina Vieira (filha de um comerciante), nascendo um casal de filhos (Fábio e Eponina). Envolveu-se na política e editou o jornal “O Zumbi”, com 12 exemplares. Publicou a “Monografia sobre os tumores na cabeça”, na Revista Médica Brasileira, do RJ, em 1842. Entretanto, tornou-se chefe do Partido Liberal e adversário do Presidente da Província, que, mediante ofício de 19 de abril de 1844, noticiou ao Governo Imperial a necessidade de transferência de Sabino para o extremo-oeste do Brasil, o que foi autorizado em 10 de junho.
Seguiu para o Forte do Príncipe da Beira, na Província do Mato Grosso, cujo Presidente, Tenente-Coronel Ricardo José Gomes Jardim, teve ciência, pelo Ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho, da transferência ocorrida no dia 29 de agosto. Sabino percorreu a longa distância a pé e algemado, porém o médico Theodoro Rodrigues de Moraes cedeu-lhe um cavalo e o chamou de colega. Durante a viagem, o comandante da escolta ficou doente e o revolucionário o curou, razão pela qual lhe retiraram as algemas até a chegada em Cuiabá, em 16 de outubro, após 48 dias. Ali permaneceu até 25 daquele mês e, no período, trabalhou combatendo uma epidemia.
O Imperador não gostou da ida de Sabino para o Mato Grosso e determinou que retornasse a Goiás, malgrado ele já estivesse no Forte da Beira. O Presidente da Província de Mato Grosso alertou para o perigo do retorno. Sabino, no dia 05 de dezembro, escoltado, chegou à Cidade de Mato Grosso (havia uma cidade assim denominada), distante 600 km, onde ficou na sala do estado maior do quartel, por sete meses. Em julho de 1845, Pedro II, novamente, ordenou que ele voltasse para Goiás, pois fora informado que poderia divulgar ideias republicanas. Sabino sentia fortes dores, em decorrência dos longos deslocamentos percorridos a cavalo, e recusou-se a viajar. Na sequência, no dia 26 de julho, requereu ordem de habeas corpus ao Juiz Joaquim Antônio de Vasconcelos Pinto, para exercer sua liberdade, porque era um anistiado e, naquela noite, fugiu após ser libertado, tendo sido capturado a 13 de agosto. Levado a Cuiabá, no caminho para Goiás, a escolta parou em Paconé, nos primeiros dias de setembro. Ali começou a atender a pacientes, a ponto da Câmara de Vereadores encaminhar uma moção para a sua permanência, pois, no ano anterior, muitos cidadãos haviam morrido. Encontrava-se hospedado na casa do Delegado Manoel Nunes da Cunha, contudo, quando foi obrigado a continuar a viagem, evadiu-se no dia 14 de outubro. No Sítio Jacobina, conheceu o Major João Carlos Pereira Leite, que seria seu protetor. Sabino passou a conviver com uma mulher de nome Pontenciana, na cidade de Mato Grosso, com quem teve uma filha. O Major não permitiu que os Oficiais levassem o protegido e o acolheu com a nova família, tornando-se padrinho da menina.
Ali, passou a redigir o jornal “O Boror”e continuou acudindo os doentes, montado num cavalo. Já não mais propagava as ideias republicanas e publicou o artigo científico “Algumas notícias médicas e outras observações acerca da Província de Mato Grosso”, no Archivo Médico Brasileiro, em 1846. Mesmo anistiado, morreu como fugitivo, sendo ainda procurado pelas autoridades. Sem a extrema unção, foi sepultado na capela da Fazenda, do Major Leite, sob a invocação de Santo Antônio, no atual Município de São Luiz de Cárceres, no Mato Grosso. Em sua tumba, o militar escreveu: “tributo ao saber e à amizade. Aqui dorme o somno dos mortos o Dr. F. Sabino A da R. Vieira. Nascido na Província da Bahia. Falleceu aos 25 dias do mez de dezembro de 1846. Deixando após a sua morte saudosas recordações. Ao seu cmpe. e amigo J.C.P.Leite”.
A morte de Sabino foi comunicada às autoridades imperiais. O Padre registrou o óbito. Circulou boato sobre envenenamento, mas ele faleceu vítima de malária.
A mulher e a filha se mudaram para a cidade de Mato Grosso, onde morreram.
A sedição liderada por Sabino, verdadeira guerra civil na Bahia, posteriormente, recebeu a denominação de Novembrada ou Sabinada.
Naqueles quatro meses da República Bahiense, ficaria evidenciado o apoio do Cônsul da Inglaterra Dugrevil e do inglês, Alexandre Gueulette. O primeiro perderia o Consulado e seria suspenso de suas funções, por ato do Embaixador Rouen; o segundo foi preso, processado, anistiado e expulso do Império, abrigando-se em Montevidéu. O Ministro da Guerra enviou comunicado, alertando para o perigo dos estrangeiros, especialmente os italianos, famosos pelo ímpeto revolucionário. Coincidentemente, vários baianos que integraram a Sabinada aderiram à Revolução Farroupilha.
A maior parte dos envolvidos na insurreição não foi punida.
A perícia contabilizou 67 imóveis destruídos pelos incêndios. Atribuídos, inicialmente, à ordem emanada de Sabino; a autoria, hoje, recai sobre a soldadesca rebelde, insatisfeita com a derrota, tentando desviar a atenção, o que permitiria a fuga.
Luiz Antônio Barbosa de Almeida, tio de Ruy Barbosa, Vereador, à época da sedição, no seu interrogatório, no dia 24 de maio de 1838, asseverou que sofrera pressão para secretariar e presidir as sessões da Câmara Municipal em 07 e 11 de novembro de 1837, respectivamente. Anos depois, em suas memórias políticas, admitiu, por escrito, que participou das reuniões na residência do ourives Manoel Gomes, na Piedade, onde se encontravam pessoas importantes da sociedade, contudo disse que não apoiou a revolta. Aduziu que refutou o convite dos republicanos, já instalados no Palácio do Governo, para ser o Chefe de Polícia. Receoso, deslocou-se em direção a Santo Amaro, onde foi recolhido em prisão domiciliar. Autorizado, visitou Paripe e teve de se apresentar em Pirajá, quando Gonçalves Martins determinou que retornasse a Santo Amaro, onde esteve na residência do Juiz de Paz, sem poder sair. Em seguida, apresentou-se no navio Presiganga, por determinação do Presidente da Província, mas conseguiu ser enviado à Fortaleza de São Lourenço, em Itaparica. Levado ao Presiganga, ficou preso quatro noites, até voltar para Itaparica, onde continuou detido até a derrota dos revolucionários. Aguardou o desfecho do processo, inicialmente, escondido na casa de um amigo, em Salvador, e, depois, no cárcere do Aljube. Pronunciado a 26 de maio de 1838 e reconhecida a materialidade no júri de admissibilidade, foi encaminhado ao júri de julgação, com outros Vereadores. Ali fez sua própria defesa e viu-se absolvido, por unanimidade de votos, com grande contentamento popular.
João José Barbosa de Oliveira, pai de Ruy Barbosa, era um jovem de 19 anos, estudante da Faculdade de Medicina, quando participou da Sabinada. Preso e pronunciado no mesmo júri de admissibilidade do seu primo Luiz Antônio (irmão de sua futura esposa, Maria Adélia), teve a materialidade delitiva reconhecida, também sendo absolvido no júri de julgação.
Augusto Teixeira de Freitas, acusado de servir à República, após nomeação para o cargo de Juiz de Direito, foi pronunciado, porém, no júri de admissibilidade, realizado no dia 25 de janeiro de 1839, não se reconheceu a materialidade para submetê-lo ao júri de julgação, tendo sido despronunciado. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1843.
O Comandante das Armas Luiz da França Pinto Garcês, que se refugiou com o Presidente da Província no Recôncavo, respondeu a um procedimento no Tribunal da Relação, por determinação do Ministro da Guerra Sebastião de Rego Barros, em 1838, em razão de sua omissão na defesa da ordem pública.
O Marechal Callado foi promovido a General; os militares feridos e inválidos receberam uma pensão do Império.
O Promotor Público da Capital denunciou o Chefe de Polícia Francisco Gonçalves Martins, por não haver prendido Sabino, após ser convidado a integrar o Movimento, havendo figurado em “procedimento de indagações judiciais”, pelo descumprimento do dever. A imputação sustentou “que a rebelião tornou-se pública, e que os seus authores eram bem conhecidos, não sendo presos por desleixo das autoridades”. Depois, na Assembleia Provincial, enfrentou uma representação. O Tenente José Balthazar da Silveira ouvira de Sabino que o então Chefe de Polícia só não aderiu à Sabinada, por não lhe ter sido oferecido o cargo de Presidente da República.
O DESEMBARGADOR HONORATO JOSÉ DE BARROS PAIM, depois de deixar o cargo interino de Presidente da Província, presidiu a Assembleia Provincial de 1837 a 1839.
As Atas de 07 e 11 de novembro de 1837, da Câmara de Vereadores de Salvador, estão registradas no Livro nº 39, fls. 272/276.
A Sabinada foi a última grande revolta em solo baiano, pois Pedro II imprimiu estabilidade política ao Império. O ideal republicano de Sabino só se concretizaria em 1889. Os baianos nunca o esqueceram, tampouco o abandonaram.
No dia 26 de janeiro de 1896, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia requisitou a exumação do corpo de Sabino, o que foi providenciado. A campa de madeira do túmulo e uma urna de madeira, contendo seus restos mortais, atualmente, encontram-se na Sala D. Pedro II, daquela Instituição.
No ano de 1896, o Historiador Braz do Amaral presidiu comissão que inspecionou o imóvel pertencente a Sabino, localizado na Rua da Castanheda, nº 126, com o intuito de procurar suposto esconderijo muito comentado. A casa possuía um grande quintal limítrofe com a horta do Mosteiro de São Bento. O relatório, apresentado no dia 21 de março de 1897, indicou espaço que permitia abrigar algumas pessoas.
Finalmente, em 26 de novembro de 1936, na gestão do Governador Juracy Magalhães, sancionou-se a Lei Estadual nº 136, prevendo as comemorações do centenário da “Revolução de 7 de novembro de 1837, que se estenderiam de outubro a dezembro de 1937, com diversos eventos, inclusive a publicação de um livro contendo artigos e cópias do documentos históricos, dos processos judiciais, guarnecidos no Arquivo Público do Estado da Bahia e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Des. Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB
Bibliografia
Autos dos processos judiciais da Sabinada – Arquivo Público do Estado da Bahia
Memórias Históricas e Políticas da Bahia – Inácio Accioli – Braz do Amaral – vol. IV – Imprensa Oficial da Bahia – 1931
A Revolução de 07 de novembro de 1837 – cinco volumes – publicação do Arquivo Público do Estado da Bahia – 1937-1948
A Sabinada – A República baiana de 1837 – Luiz Viana Filho – Editora José Olympio – 1938
Augusto Teixeira de Freitas – Washington de Barros Monteiro – Conferência proferida na Faculdade de Direito da USP – 07/12/1966
Sabinos e Diversos – emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837 – Douglas Guimarães Leite – Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia – 2006
Identidades Políticas e Raciais na Sabinada (Bahia – 1837-1838) – Juliana Serzedello Crespim Lopes – Dissertação de Pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP – 2008
A Sabinada, a Revolta Separatista da Bahia – 1837 – São Paulo –Paulo César de Souza – Companhia das Letras – 2009
Sob a mira da revolução: críticas ao estado imperial às vésperas da Sabinada – Juliana Serzedello Crespim Lopes – Internet – 2013
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – 410 anos fazendo história – 2019
Sabinada – Biblioteca Virtual Consuelo Pondé – Governo da Bahia
A Vida e a Obra de Teixeira de Freitas – Rodrigo da Costa Ratto Cavalheiro
Teixeira de Freitas – Edilton Meireles – Faculdade de Direito da UFBA