Após a vitória do Exército Pacificador, a Câmara de Vereadores de Salvador, tendo na Presidência LUIZ PAULO ARAÚJO BASTOS, Juiz do Crime, que seria nomeado Desembargador, reuniu-se a 03 de julho de 1823, em sessão extraordinária, a fim de restabelecer a legalidade, com o reconhecimento da autoridade de Pedro I, designando uma celebração para o dia 16 daquele mês.
Os recursos da Fazenda Pública eram parcos, em decorrência dos empréstimos que custearam a guerra pela libertação. Com o esgotamento das finanças, o Batalhão do Imperador e os contingentes das outras Províncias deveriam deixar a Bahia, inclusive o de Minas Gerais, que chegou depois do término do conflito e estava em Cachoeira.
Celebrou-se uma Missa na Igreja de São Bartolomeu, em Pirajá, homenageando-se os que tombaram no local.
O DESEMBARGADOR AGOSTINHO PETRA DE BETTENCOURT passou a exercer, interinamente, a presidência do Tribunal da Relação da Bahia, com o retorno do Chanceler CARLOS MANOEL DE MACEDO MUITO-NOBRE, aliado de Madeira de Mello, para Portugal.
Em 02 de agosto, finalmente, a Junta Provisória do Governo da Bahia, nomeada por Pedro I desde dezembro de 1822, assumiu as funções, sendo integrada por: Francisco Elesbão Pires de Carvalho e Albuquerque (Presidente); Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos (Secretário); Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão; José Joaquim Moniz Barreto e Aragão; DESEMBARGADOR ANTÔNIO AUGUSTO DA SILVA; Manuel Gonçalves de Bittencourt; e o Coronel Felisberto Gomes Caldeira.
A perda do Brasil abalou os lusitanos, que temiam um agravamento da crise econômica. Os trinta e nove navios, sob o comando de Madeira de Mello, só aportariam em Lisboa a partir de 22 de agosto.
Houve atritos entre os Soldados do Batalhão do Imperador e de outros Regimentos, nas imediações do Carmo. O Coronel José Joaquim de Lima e Silva aproveitou o entrevero e, no dia 05 de setembro, pediu demissão, oficiando a Junta de Governo, que não aceitou e propôs a pacificação das tropas.
Madeira de Mello foi preso ao desembarcar, a 16 de setembro, permanecendo recolhido na Torre de São Julião da Barra, tendo sido transferido para o Castelo de São Jorge; respondeu a um processo pela derrota na Bahia.
Coincidentemente, Labatut, três dias depois, seria conduzido para o Rio de Janeiro, onde se submeteria a um Conselho de Guerra.
O ímpeto revolucionário não havia cessado. A 09 de outubro, surgiram notícias do desencadeamento, nas Vilas de Nazaré e Jaguaripe, de uma revolta republicana, no dia 12, aniversário de Pedro I, gerando uma reunião, no Palácio do Governo, entre os membros da Junta e os Comandantes dos Regimentos Militares, havendo Lima e Silva se antecipado e, mais uma vez, pedido afastamento. Estava cansado e desejava retornar ao convívio familiar. Os Oficiais do Batalhão do Imperador também requereram a dispensa. A Junta compreendeu e os liberou, nomeando o Coronel Felisberto Gomes Caldeira cono Governador das Armas. Entretanto, não irrompeu a insurreição no Recôncavo, e, sim, ocorreram festividades alusivas à data natalícia do Soberano e de sua aclamação no ano anterior.
Intencionando implementar reformas políticas centralizadoras, por intermédio da Lei Imperial, de 20 de outubro, Pedro I extinguiu as Juntas Governativas, criando o cargo de Presidente de Província, nomeado por ele e assistido por um Conselho.
Com o intuito de organizar o transporte do efetivo do Batalhão do Imperador da Bahia para o Rio de Janeiro, o Provedor da Alfândega, o DESEMBARGADOR ANTÔNIO DA SILVA TELES (havia retornado do Rio de Janeiro) apreendeu, nos dias 21 e 27 de outubro, respectivamente, os navios portugueses Vulcano e Paquete da Bahia, que ancoraram no Porto de Salvador.
A decepção popular com o Monarca aumentou quando, a 12 de novembro, ele dissolveu a Assembleia Constituinte. No mesmo mês, no dia 20, nomeou Francisco Vicente Viana como Presidente da Província da Bahia. Idoso, ele já tinha exercido a presidência da Junta Governativa, durante o período do Reino Unido.. Os Deputados baianos retornaram, temendo o recrudescimento do autoritarismo e, a 13 de dezembro, a Câmara de Vereadores se reuniu, propondo a designação de uma sessão no dia 17 seguinte, no Palácio do Governo, e, ali, escolheu-se Comissão para o enfrentamento sobre possível agitação nas ruas. Na ocasião, constaram da pauta de reivindicações: o preeenchimento dos cargos públicos, inclusive a nomeação do Chanceler e de três Desembargadores Agravistas da Relação, Ouvidores das Comarcas, além de Juízes de Fora das Vilas, com a escolha de brasileiros; o restabelecimento do Tribunal dos Jurados, criado em 1822, para o julgamento dos abusos da imprensa; a punição dos empregados públicos da Justiça e da Fazenda, por prevaricação; e o reaparelhamento das fortificações, pois havia receio de uma investida das forças lusitanas, tentando reconquistar a Bahia. Um dos integrantes da Comissão era o DESEMBARGADOR ANTÔNIO DA SILVA TELLES,
Na cerimônia de posse do Presidente da Província, no dia 19 de janeiro de 1824, com desfile pelo centro de Salvador, os Desembargadores do Tribunal da Relação vinham logo após o empossado.
O Imperador outorgou a primeira Constituição Brasileira, em 25 de março, instituindo o regime monárquico parlamentarista, acrescentando o Poder Moderador ao sistema tripartite (Executivo, Legislativo e Judiciário), mantendo o sistema escravagista e prevendo o Catolicismo como religião oficial. No art. 163, havia previsão de criação de Tribunal da Relação nas demais Províncias, bem como do Supremo Tribunal de Justiça, localizado no Rio de Janeiro, que só seria instalado em 1828, permanecendo até lá, como última instância, a Casa de Suplicação.
Por ato de 06 de abril, Pedro I removeu o DESEMBARGADOR LUIZ JOAQUIM DUQUE ESTRADA FURTADO DE MENDONÇA, então Chanceler da Relação de Pernambuco, para assumir a Presidência da Corte baiana, pois o DESEMBARGADOR AGOSTINHO PETRA DE BITENCOURT, iria atuar na Casa de Suplicação. O Capelão do Tribunal seria o Padre José Maria Bryner, nomeado por Carta Régia de 21 daquele mês.
Portugal ainda alimentava a esperança de recuperar a ex-Colônia. Navios estrangeiros, que aportavam em Salvador, alardeavam que havia concentração de naus de guerra em Lisboa, o que acirrava discussões e até agressões entre brasileiros e portugueses que aqui permaneceram em diversas atividades. A 14 de junho, uma reunião, com a participação das principais autoridades, convocada pelo Presidente Francisco Vicente Viana, trataria do tema. Decidiu-se constituir outra Comissão, integrada por sete membros, dentre eles os DESEMBARGADORES LUIS PAULO DE ARAÚJO BASTOS, ANTÔNIO DA SILVA TELES e JOAQUIM INÁCIO SILVEIRA DA MOTA. Aos poucos, os boatos de uma invasão lusitana esmoreceram.
Exatamente um ano após a libertação da Bahia, os pernambucanos deflagaram a Confederação do Equador, movimento revolucionário republicano.
Na Bahia, as autoridades não aceitaram, tranquilamente, a permanência maciça dos pretos e pardos forros nas tropas do Exército, mormente no 3º Batalhão (Batalhão dos Periquitos). Houve quem defendesse a reescravização. O Imperador publicou ato, determinando que os proprietários facilitassem a libertação dos escravizados que participaram das lutas pela Independência, prevendo indenização, todavia os escravagistas resistiram e dificultaram.
Visando conter a Confederação do Equador, em Pernambuco, a 21 de outubro, o Comandante Felisberto decidiu enviar o Batalhão dos Periquitos, mas sem o seu líder, Major José Antônio da Silva Castro, avô de Castro Alves, republicano e simpatizante da Revolução, que deveria seguir para o Rio de Janeiro, gerando descontentamento. Circularam panfletos nas ruas de Salvador, insuflando os militares à desobediência.
Na noite de 24 de outubro, Oficiais e subalternos, inclusive de outros Batalhões, reuniram-se na residência do Advogado Inocêncio da Rocha Galvão (este tinha um filho alistado), nas Mercês. O Forte de São Pedro já estava amotinado. Às 05:00 horas do dia seguinte, o Solar Berquó, que abrigou Madeira de Mello, sede do Comando das Armas e moradia do Comandante, foi cercado por aproximadamente cem homens, sob as ordens do Capitão Francisco Macário Leopoldo. Em virtude da movimentação, a companheira de Felisberto o acordou. Ao abrir a janela do andar superior, ele questionou a presença da tropa, que exigiu o acompanhamento do Major Silva Castro, na viagem rumo ao Recife. Explicando que este havia sido convocado por Pedro I, para se apresentar na Corte, surpreendeu-se, então, com os gritos de “morra” e uma saraivada de tiros, um dos quais feriu-lhe a cabeça. Ocorreu a invasão do imóvel e acirrada discussão, no andar superior, com os Alferes Jacinto Soares de Mello e João Pio de Aguiar Gurgel, que, embriagados, tentaram prendê-lo. Existem várias versões para o ocorrido no interior do casarão. Uma delas, reporta que, no meio do impasse, Felisberto, cambaleando, num rompante, investiu contra Gurgel e o derrubou, tendo sido alvejado na virilha, caindo no saguão, na base da escada, e recebendo um tiro mortal no peito, disparado pelo Cadete Francisco Peixoto Miranda Veras, de dezesseis anos. Outra narrativa sustenta que a arma do jovem falhou. Em seguida, os insurgentes atiraram muitas vezes. O rosto da vítima ficou desfigurado. O corpo, com catorze perfurações, vilipendiado, permaneceu no local, até que, à noite, escravos o levaram para a Igreja de São Pedro Velho (demolida na construção da Avenida Sete de Setembro). Quando o cadáver passou em frente ao Mosteiro de São Bento, alojamento do Batalhão dos Periquitos, os militares soltaram fogos e assacaram imprecações contra o morto. O Solar Berquó (ali morou o Desembargador Francisco Antônio Berquó da Silveira, a partir de 1760), palco do assassinato, localizado no Centro Histórico de Salvador, atualmente, sedia a Superintendência Regional do IPHAN.
O Major Silva Castro, ao ter ciência da morte do Comandante Felisberto, por volta das 06:00 horas do dia do crime, apressou-se em se dirigir à residência do Presidente da Província e expressar o seu repúdio à revolta, havendo recebido ordem para reassumir a direção do Batalhão sublevado.
A primeira reunião do Conselho Provincial, que cuidaria da crise, ocorreu ainda na manhã de 25 de outubro, na casa do Presidente da Província, nas imediações da Igreja de São Pedro Velho, cuja segurança foi reforçada, e dela participaram os DESEMBARGADORES FRANCISCO JOSÉ DE FREITAS, LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS e ANTÕNIO DA SILVA TELES. Curiosamente, também ali estiveram o Major Silva Castro e o Major Joaquim Sátiro da Cunha (este Comandante do Regimento de Artilharia, que seria severamente punido). Interinamente, o Brigadeiro Luiz Antônio Fonseca Machado assumiu o Comando das Armas, com o aval dos Oficiais.
A fim de acalmar os ânimos, no turno matutino do dia seguinte, nova reunião do Conselho Provincial analisou o pleito dos militares amotinados, que indicaram Inocêncio da Rocha Galvão como Secretário, tendo sido deliberado que a escolha caberia ao novo Governador das Armas, que não atendeu à reivindicação dos revoltosos. Estiveram presentes os DESEMBARGADORES LUIZ JOAQUIM DUQUE ESTRADA FURTADO DE MENDONÇA (Chanceler da Relação da Bahia), LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS, ANTÕNIO DA SILVA TELES, LUIZ ANTÔNIO BARBOSA DE OLIVEIRA e ANTÕNIO AUGUSTO DA SILVA. Na ocasião, José Lino Coutinho foi designado para comunicar, pessoalmente, o acontecido ao Imperador.
A tentativa de apaziguamento revelou-se infrutífera. O 4º Batalhão (conhecido como Batalhão dos Pitangas) e o Regimento de Artilharia juntaram-se aos insurretos. Os 1º e o 2º Batalhões, unidades dos brancos, permaneceram obedientes ao Governo da Província e se retiraram para Abrantes, organizando a resistência, sob o comando do Coronel Antero José Ferreira de Brito, tendo sido apoiados por proprietários de engenhos do Recôncavo e pelo Barão da Torre, Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque. Era identificada como a Divisão Pacificadora. Em Salvador, o caos abalou a população já exausta pelas lutas constantes.
Os rebeldes, a 30 de outubro, publicaram um manifesto, cuja autoria teria sido atribuída a Inocêncio da Rocha Galvão, figurando como signatários, dentre outros, o Capitão Francisco Macário Leopoldo (o primeiro da lista), o Major Joaquim Sátiro da Cunha e o Tenente Gaspar Lopes Vilas Boas, justificando o homicídio do Coronel Felisberto, imputando-lhe tirania. Por sua vez, no dia imediato, as tropas estacionada em Abrantes, fieis à legalidade, contrapondo, divulgaram outro manifesto.
Ciente da gravidade dos fatos noticiados por Lino Coutinho, enviado pelo Presidente da Província da Bahia, Pedro I reuniu o Conselho de Estado, e, no dia 16 de novembro, suspendeu as formalidades da apuração da morte do Comandante Felisberto, incluindo as garantias constitucionais dos cidadãos baianos, a fim de que os responsáveis pela sedição fossem identificados e exemplarmente julgados. Ademais, dissolveu o Batalhão dos Periquitos e determinou a instalação de uma Comissão Militar, subordinada ao novo Comandante das Armas, Brigadeiro José Egídio Gordilho de Barbuda (nascido em Portugal, que se deslocaria do Rio de Janeiro para a Bahia), composta pelos quatro Coronéis mais antigos e por um Magistrado, que seria o Relator.
O Presidente da Província, por segurança, abrigou-se na corveta Maria da Glória, na Baía de Todos os Santos, sob a custódia da Marinha, e dali despachava. A tensão se estendeu até 01 de dezembro, quando as tropas estacionadas em Abrantes retornaram e a insurgência perdeu força, havendo o Batalhão dos Periquitos sido desmembrado (parte seguiu para Pernambuco e os demais militares foram desligados). Entretanto, proibiu-se o desembarque dos baianos no Recife, cujo navio foi compelido a conduzir vários insurgentes da Confederação do Equador ao Rio de Janeiro. As autoridades da Corte, também, impediram a saída dos embarcados. Grande parte seguiu para a guerra da Província Cisplatina (Montevidéu).
O Comandante das Armas interino, Luís Antônio da Fonseca Machado, renunciou, e foi substituído pelo Coronel Antero, que, em seguida, transmitiu o cargo, no dia 15 de dezembro, a José Egídio Gordilho de Barbuda, recém chegado. Este escolheu os membros da Comissão Militar, que julgaria os assassinos de Felisberto: o DESEMBARGADOR LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS, como Relator, e os Coronéis Nicolau Carneiro da Rocha, Antônio Manoel de Mello e Castro, Braz Baltazar da Silveira e Silvestre José da Silva, que substituiu Ignácio Antunes Guimarães, à época, enfermo. O Palácio do Governo sediou as reuniões.
A 22 de dezembro, Felisberto foi homenageado com grande cerimônia fúnebre, celebrada pelo Frei Joaquim das Mercês, na Igreja de São Pedro Velho. Muitos envolvidos no homicídio desertaram e alguns receberam ajuda financeira para fugir, diante do encarceramento iminente.
A primeira audiência da Comissão Militar ocorreu no dia 03 de janeiro de 1825, tendo sido ordenada a prisão dos principais líderes, todavia somente se localizou o Major Joaquim Sátiro da Cunha, que ficou recolhido na Cadeia do Tribunal da Relação, situada no subsolo da Câmara de Vereadores.
O DESEMBARGADOR LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS já havia instaurado a devassa (investigação). Contudo, José Egidio, por meio de ofício de 10 de janeiro, solicitou ao Presidente da Província o encaminhamento dos autos da apuração, no prazo de quarenta e oito horas.
O enquadramento seria nos crimes estatuídos nos arts. 1, 8, 15 e 16 do Regulamento de Gerra (correspondentes a motim, desobediência, lesões e morte de companheiros, além de difamação de superiores), com previsão de pena capital. Após julgamento sumário verbal, José Egídio, a 13 de janeiro, informou ao Presidente da Província que o Major Joaquim Sátiro da Cunha seria enforcado no dia 15 seguinte, num sábado, às 08:00 horas. O destinatário da comunicação, tentou demover o Comandante da execução, pois o réu era um herói das lutas pela Independência, porém este foi fuzilado, no pátio do Fortim da Casa da Pólvora (nas imediações do Campo da Pólvora), pois o algoz se negou a utilizar a forca, recebendo punição por isso.
O Alferes Gaspar Lopes Vilas Boas retornou para Salvador, acorrentado, num navio. Integrante do 4º Batalhão (Batalhão das Pitangas), embora não houvesse participado do cerco ao Solar Berquó, havia assinado o manifesto justificando o assassinato de Felisberto.
Em 12 de fevereiro, a Comissão Militar inocentou o Major Silva Castro, recolhido no Forte de São Marcelo, e indiciou, à revelia, dez homens: Major Joaquim José Rodrigues, Capitão Francisco Macário Leopoldo, Alferes Jacinto Soares de Mello, Alferes João Pio de Aguiar Gurgel, Cirurgião José Políbio Paraguassu, Cabo Bento José da Costa, Cadete Francisco Peixoto Miranda Veras, Inocêncio da Rocha Galvão, bem como um Cadete e um Alferes do 4º Batalhão. Consequentemente, o Padre Antônio da Trindade Antunes Meira, Bacharel em Direito, foi nomeado Curador para a defesa de todos, havendo alegado que os acusados não eram os líderes, tendo agido por impulso e imaturidade. O Comandante das Armas, conservador, e o Presidente da Província, liberal, contrário às execuções, se desentenderam.
A 22 de março, o Alferes Gaspar Lopes Vilas Boas, filho de uma família influente, também foi fuzilado. Há uma versão de que teria ingerido veneno, no início da manhã daquela data, na Cadeia da Relação. No dia 26 seguinte, o Presidente da Província noticiou a execução ao Imperador, inclusive, informando que o DESEMBAGADOR LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS declarara sua suspeição, provavelmente por manter relações sociais com os familiares do morto, tendo sido substituído, naquele julgamento, pelo DESEMBARGADOR LUIZ BARBOSA DE OLIVEIRA.
Houve protestos e distribuição de um panfleto, sob o título “Reflexões sobre a Comissão Militar”, tida como ilegítima, pois não mais existia risco de convulsão popular que a justificasse, reivindicando a retomada das garantias constitucionais. Denunciava que o acusador também julgava, violando as regras básicas do Direito, dificultando a defesa. Em razão disso, a tipografia de Francisco José Corte Imperial foi destruída, por não ter ele revelado o autor da publicação, e o proprietário encarcerado na Fortaleza do Mar (Forte de São Marcelo). O Tribunal da Relação ordenou que o libertassem, mas José Egídio só o soltou em abril. Não satisfeito, no dia 27 daquele mês, mediante Edital, intimou os dez réus revéis condenados à morte.
O Presidente da Província ainda implorou, por ofício, clemência a Pedro I para os envolvidos, objetivando a pacificação, mas não foi atendido.
A 14 de maio, a Comissão Militar publicou a sentença dos réus revéis, com a assinatura do DESEMBARGADOR LUIZ PAULO DE ARAÚJO BASTOS, ocorrendo o encerramento das atividades no dia 30. Uma Corte Marcial seria encarregada de julgar 43 presos (35 Oficiais, 03 Cadetes e 03 Milicianos), que também estavam respondendo perante o Tribunal da Relação. As garantias constitucionais dos baianos foram restabelecidas. O Major Silva Castro, aproveitou a publicação da sentença, e divulgou, num panfleto, sua absolvição, gerando reação dos que o viam como cúmplice na morte do Comandante Felisberto.
Em junho, Francisco Viana, que já tinha pedido exoneração do cargo de Presidente da Província ao Soberano, foi substituído por João Severiano Maciel da Costa. Por precaução, o Major Silva Castro foi transferido para o Rio de Janeiro e só voltaria tempo depois, tornando-se fazendeiro no interior da Bahia.
A 02 de julho, dois anos após o fim dos conflitos em solo baiano, o Imperador instituiu uma condecoração especial para os militares brasileiros combatentes, denominada Restauração da Bahia – 1823.
Portugal somente assinaria o Tratado de Reconhecimento da Independência do Brasil (denominado Tratado de Paz, Amizade e Aliança), em 29 de agosto de 1825, documento intermediado pela Inglaterra.
No dia 27 de setembro, o Tribunal da Relação absolveu diversos militares envolvidos no episódio da Revolta dos Periquitos e outros só seriam soltos nos meses seguintes. Alguns foram excluídos do Exército e muitos negros viram-se obrigador a integrar a Marinha, e se afastariam de Salvador.
O Levante do Batalhão dos Periquitos está registrado num documento apócrifo, denominado “Memória Descritiva dos Atentados da Facção Demagógica da Província da Bahia”. Muitas informações podem ser obtidas nos autos do processo do Tribunal do Júri, que, em 1838, absolveu Francisco Peixoto de Miranda Veras, o jovem Cadete até então foragido e homiziado em Gilbratar, acusado de desferir o tiro mortal contra Felisberto.
Em outubro, desgastado, José Egídio deixou o Comando das Armas da Província da Bahia. Posteriormente, o rastro de morte das execuções dos dois heróis da Independência o alcançaria.
O ano de 1825 terminaria com o nascimento do herdeiro imperial do Brasil, Pedro de Alcântara, primeiro na linha sucessória, no dia 02 de dezembro.
As lutas travadas entre 1822 e 1823 marcaram indelevelmente o povo baiano, com importantes desdobramentos, havendo alguns heróis recebido inúmeras e significativas homenagens ao longo dos séculos, mormente nominando escolas por todo o Brasil.
Madeira de Mello, em Portugal, a 25 de setembro de 1824, foi absolvido na primeira instância, pela derrota na Bahia, veredito confirmado no Conselho de Justiça. Obteria a reabilitação, com honras, por ato de Dom João VI, no dia 05 de fevereiro de 1825, porém, somente publicado três anos depois, sinalizando certa insatisfação no meio militar. A 02 de janeiro de 1832, passou para a reserva e faleceria em 16 de junho de 1834.
Pedro Labatut foi absolvido, no dia 09 de fevereiro de 1824, pelo Conselho de Guerra, instalado no Rio de Janeiro, mesmo com ressalvas quanto à sua atuação no comando do Exército Pacificador da Bahia, inclusive no episódio do fuzilamento de cerca de cinquenta negros integrantes de um quilombo nas proximidades de Pirajá. O Conselho Supremo Militar de Justiça (atual STM), a 18 de março, referendou a absolvição. Permaneceu no Exército Brasileiro e, já promovido a Marechal de Campo, lutou na defesa do Império, na Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Passou para a reserva no ano de 1842 e decidiu residir em Salvador, a partir 1847, na antiga Rua dos Barris, atual Rua General Pedro Labatut, onde faleceria em 1849. Seus restos mortais encontram-se no Panteão de Pirajá, construído no ano de 1914, em sua homenagem, ao lado da Igreja de São Bartolomeu.
O Almirante Cocrhane, após a vitória na Bahia, foi para o Maranhão, apressar a retirada das reduzidas tropas portuguesas, o que ocorreu no dia 19 de julho de 1823, com o bloqueio do Porto. Foi acusado de arbitrariedades pelos maranhenses.
A Sóror Joana Angélica de Jesus está sepultada no Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, situado na grande avenida que a homenageia, sendo o túmulo muito visitado. Domenico Failutti, em 1920, utilizando-se de gravura existente, pintou seu rosto, quadro este exposto no Museu Paulista (Museu do Ipiranga). Desde 2001, a Congregação religiosa à qual pertencia está desenvolvendo pesquisa, objetivando instaurar o processo de sua beatificação.
Maria Quitéria de Jesus Medeiros foi recebida por Pedro I, no Rio de Janeiro, em 20 de agosto de 1823, que lhe condecorou com a Imperial Ordem do Cruzeiro, a primeira do Brasil (atual Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul) e lhe concedeu um soldo vitalício de Alferes, que seria pago pela Província da Bahia. Desfilou pelas ruas cariocas com o uniforme e o saiote, Os cronistas da Corte descreveram suas características, aproveitadas para inspirar o pintor Domenico Failutti, em 1920, encontrando-se a sua tela no Museu Paulista (Museu Ipiranga). É considerada a pioneira nas Forças Armadas do Brasil. Desde 1983, a localidade de São José de Itapororocas passou a ser denominada Distrito Maria Quitéria, pertencente ao Município de Feira de Santana. Neste, há uma imensa Avenida com seu nome. A partir de 1996, tornou-se a Patrona do Quadro Complementar do Exército. Faleceu em 21 de agosto de 1853 e está sepultada na Igreja de Santana, na capital baiana. No ano do cinquentenário de sua morte, erigiu-se uma estátua no Largo da Soledade, por onde passou no 2 de julho de 1823. A Câmara de Vereadores de Salvador reconhece a importância de mulheres, que se destacam na sociedade, outorgando-lhes a Medalha Maria Quitéria.
O heroísmo de João das Botas foi gravado: numa via soteropolitana do bairro do Canela, em Salvador; num navio da extinta Companhia de Navegação Bahiana; na famosa regata de saveiros da Baía de Todos os Santos; e na Ponte do Funil, que liga a Ilha de Itaparica ao continente, sobre o canal onde travou grande batalha.
O Corneteiro Lopes é reverenciado em artéria de Salvador, e, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, na esquina das ruas Dias D’ávila e Visconde de Pirajá, existe uma estátua revelando sua façanha, narrada no filme de Lázaro Faria, diretor baiano.
A participação da negra Maria Felipa só ganhou projeção, na história oficial, nas últimas décadas. Seu nome está em diversos logradouros brasileiros, inclusive nos bairros de Brotas, em Salvador, e de Jacarepaguá, na capital carioca.
O Soldado Ladislau Titara, fluente no francês e que, na função de auxiliar do General Labatut, esteve presente na Batalha de Pirajá, compôs o Hino ao 2 de Julho, cuja melodia coube a José dos Santos Barreto, consagrado como Hino da Bahia desde a vigência da Lei Estadual nº 11.901/2010.
Já no dia 2 de julho de 1824, houve comemoração alusiva à libertação da Bahia, com o desfile de um caboclo idoso sobre uma carroça. No ano de 1826, uma imagem esculpida, em madeira, pelo artista Manoel Ignácio da Costa, utilizou uma carroça com as rodas de canhões das batalhas, desagradando os portugueses aqui residentes, pois a tirania de Portugal era caracterizada pelo dragão ferido mortalmente. No ano de 1846, uma cabocla, representando Catarina Paraguçu, esculpida por Domingo Pereira Baião, uniu-se à outra alegoria. Os carros eram guardados na Rua Maciel de Baixo, no Centro Histórico. Em 1835, instituiu-se a Sociedade Dois de Julho, que organizava os festejos. Até 1860, os Caboclos eram conduzidos à residência de Pedro Labatut, nos Barris. O imponente Monumento, na Praça 2 de Julho, conhecida como Campo Grande, data de 1895 e foi trazido da Itália, em bronze e montado numa base de mármore de carrara, de autoria do italiano Carlo Nicoliy Manfredo (durante muito tempo figurou como o mais alto da América do Sul). Em 1917, o lendário Major Cosme de Farias transmitiu a organização dos festejos para o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia-IGHB, fundado em 1894, que recebeu as chaves do barracão precário localizado na Lapinha, abrigo das imagens. O IGHB lançou uma campanha de subscrição para a construção do Pavilhão 2 de Julho, inaugurado na data magna da Bahia, no ano de 1918, em cujas obras atuaram centenas de voluntários, onde há um busto de Labatut.
A Lei nº 43, de 13 de março de 1837, elevou as Vilas de Nossa Senhora do Porto de Cachoeira e Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, com os títulos de “Cidade Heróica e Cidade Leal”, respectivamente. Em 13 de janeiro de 1971, a primeira foi tombada como Monumento Nacional, pelo Decreto Federal nº 68.045.
A Constituição baiana de 1989, em seu art. 6º, § 3º, instituiu o Dois de Julho como data magna da Bahia e da consolidação da Independência do Brasil, estabelecendo feriado em todo o território estadual, formalizando o que a população sempre considerou. Além disso, o art. 52 reconheceu Cachoeira como centro da resistência histórica.. A partir de 2007, em razão da Lei nº 10.695, no dia 25 de junho, o Governo do Estado é para lá transferido.
A Assembleia Legislativa da Bahia, por meio da Resolução nº 1.277/99, instituiu a Comenda 2 de Julho, maior honraria daquele Parlamento.
O Congresso Nacional reconheceu a bravura e a coragem dos baianos, com a aprovação da Lei nº 13.697/2018, que inscreveu, no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria do Panteão da Pátria e da Liberdade, localizado em Brasília, os nomes de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Sóror Joana Angélica de Jesus, Maria Felipa de Oliveira e João Francisco de Oliveira (João das Botas).
Alguns Desembargadores atuaram em prol da Independência do Brasil, nas lutas travadas na Bahia, integrando o Conselho Interino de Governo de Cachoeira.
O DESEMBARGADOR ANTÔNIO JOSÉ DUARTE DE ARAÚJO GONDIM, que participou das primeiras reuniões de resistência e transmitiu informações sigilosas para José Bonifácio, por intermédio do emissário Vasconcelos Drumond, elegeu-se Deputado na Constituinte de 1823, por Pernambuco, onde nasceu. Nomeado para a Casa de Suplicação em 1824, faleceu no ano de 1826, logo depois de ter sido eleito Senador pelos seus conterrâneos.
O DESEMBARGADOR FRANCISCO AYRES DE ALMEIDA FREITAS, baiano, presidiu a Junta da Fazenda do Conselho Interino de Governo de Cachoeira. Permaneceria no Tribunal da Relação da Bahia, após o término dos conflitos, tornando-se indigenista, listando e descrevendo diversas tribos.
O DESEMBARGADOR ANTÔNIO AUGUSTO DA SILVA, após a libertação da Bahia, integrou a Junta de Governo, que já havia sido escolhida por Pedro I, antes do fim das batalhas. Em 1826, foi nomeado para a Casa de Suplicação, no Rio de Janeiro. Na sequência, elegeu-se Deputado da Assembleia Geral (1826-1829). Retornou à Relação da Bahia, onde exerceu o cargo de Chanceler em 1834, e, seis anos depois, tornou-se membro do Supremo Tribunal de Justiça. Faleceu no ano de 1846.
A Magistratura era um serviço real e eles tiveram a coragem de desafiar Portugal, o que poderia ser enquadrado no crime de lesa majestade.
Os três são os heróis do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia
Bibliografia
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A Santa Federação Imperial – Bahia – 1831-1833 – Lina Maria Brandão Aras – Tese de Doutorado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – 1995
Em outra coisa não falavam os pardos, cabras e crioulos: o “recrutamento” de escravos na guerra da Independência na Bahia – Hendrik Kraay – 2002
Os percursos, os fatos e os lugares – contribuição para a memória urbana da Cidade do Salvador – Ana Gomes Cordeiro – Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo – UFBA – 2003
Da sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia – Luís Henrique Dias Tavares – Edufba – Unesp – 2003
A Ação da Bahia na Obra da Independência Nacional – Braz do Amaral – Edufba – 2005
“The Tyrant is Dead” – The Revolt of the Periquitos in Bahia, 1824 – João José Reis and Hendrik Kraay – 2009
Dicionário dos Desembargadores (1640-1834) – José Subtil – Universidade Autônoma de Lisboa – 2009
O Ano da Independência – Senado Federal – 2010
Independência ou Morte em Salvador – O cotidiano da capital da Bahia no contexto do processo de independência brasileiro (1821-1823) – Marcelo Renato Siquara – Mestrado – UFBA – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Departamento de História – Programa de Pós-graduação em História Social – 2012
Maria Quitéria – Raymundo Pinto – Revista Direito – UNIFACS – 2013
Caridade, Política e Saúde: o Hospital São João de Deus e a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira, Bahia (1756-1872) – João Batista de Cerqueira – Doutorado – UFBA/UEFS – Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências – 2015
1822 – Laurentino Gomes – Globo Livros – 2015
Assembleia Nacional Constituinte – MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira – Dilma Cabral – 2016
História da Câmara Municipal da Cidade de Salvador – Affonso Ruy – Câmara Municipal de Salvador – 2017
Desembargadores da Justiça no Rio de Janeiro – Colônia e Império – Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro – 2018
410 anos fazendo história – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – 2019
Estratégias Políticas na Independência – Brasil, Portugal, Bahia e Cachoeira nos Oitocentos – Franklin Oliveira – Empresa Gráfica da Bahia – 2019
Bicentenário da Independência do Brasil – O papel do Exército no processo de Independência – Capitão de Infantaria Diego de Souza Moura – Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro – 2020
Quem foi Maria Quitéria, mulher que se vestiu de homem para lutar na Independência do Brasil – Guilherme Henrique – 2022
Mulheres Protagonizaram lutas pela independência – Priscila Dórea – Jornal A Tarde – 01/07/2022
Elites Políticas no Império – Bahia, 1828 -1834 – Nora de Cássia Gomes de Oliveira
Arquivo Nacional/COACE/COPED/Supervisão de Pesquisa – Comemorações do Bicentenário da Independência – Publicação Guerras de Independência no Brasil – 2022