O catolicismo era a religião oficial em Portugal e, consequentemente, as principais ordens religiosas (jesuítas, beneditinos, franciscanos, carmelitas calçados, carmelitas descalços, capuchinhos, agostinhos e dominicanos) foram se instalando na Capital da Colônia, construindo igrejas, conventos e mosteiros.
O guindaste com roldanas representava o meio utilizado no transporte do pesado material para as edificações, unindo a Cidade Baixa à Cidade Alta, O principal e mais antigo estava instalado ao lado do imóvel da Relação, onde séculos depois seria erguido o Elevador Lacerda. Pelo menos, as áreas de dois guindastes foram aproveitadas na implantação dos planos inclinados, também conhecidos, na atualidade, como bondinhos ou “charriots”: o dos jesuítas, onde hoje existe o Plano Inclinado Gonçalves (atrás da Catedral); e o dos carmelitas calçados, no qual se encontra o Plano Inclinado do Pilar, nas proximidades do Convento do Carmo. Funcionaram outros dois, nas imediações da Igreja da Conceição, que serviam aos beneditinos do Mosteiro de São Bento e aos carmelitas descalços do Convento de Santa Tereza, há muito tempo desativados.
Anualmente, a Corte de Justiça organizava a missa, na Festa do Divino Espírito Santo, no dia 31 de maio, na Igreja do Carmo, com a participação de autoridades. A homilia sempre girava em torno da justiça, divina ou humana, tendo sido preservado o texto de 1672.
Registre-se que, no interior da sede do Tribunal, havia uma capela, e, antes das sessões, o Capelão celebrava a eucaristia. Os Desembargadores, quando faleciam, eram sepultados no interior dos templos ou nos cemitérios situados nos conventos e mosteiros.
No dia 22 de novembro de 1676, a Diocese de São Salvador da Bahia de Todos os Santos foi elevada à categoria de Arquidiocese, tornando-se a maior do mundo e assim permaneceu até 1892. O primeiro Arcebispo, Gaspar Barata de Mendonça, estando doente, assumiu por procuração, em Portugal. Mesmo distante, no ano de 1677, autorizou a fundação do Convento de Santa Clara do Desterro, o primeiro de uma ordem feminina na Colônia, gerido pelas clarissas, bem como a criação da Relação Eclesiástica, com três especialistas em Direito Canônico, surgindo, a partir daí, conflitos de competência envolvendo a Corte de Justiça. Ele morreu depois de se afastar da Arquidiocese Primaz do Brasil, sem nunca ter aqui desembarcado.
Gregório de Matos, em 1679, retornou à Capital, firmando-se como escritor, poeta satírico e burlesco, advogado e cronista de costumes. Atuou no Tribunal e conviveu com seus integrantes, elogiando-os ou criticando-os. O “Boca do Inferno”, no poema “Epílogos – Que falta nesta cidade?,,,”, asseverou que a justiça era “bastarda”, “vendida” e “injusta”. Em uma de suas publicações, no capítulo denominado “Juízes de Iguaraçu”, reuniu doze poemas abordando os julgamentos da Relação e o cotidiano de seus membros, inclusive a condenação à forca e ao esquartejamento de três homens pardos que teriam ameaçado alguns Desembargadores.
A participação de brasileiros no Tribunal da Relação ainda era diminuta, o que levou a Câmara Municipal a debater a ampliação do número de Desembargadores nascidos na Colônia. O terceiro Desembargador baiano, Joao da Rocha Pita, assumiu no ano de 1678. Solteiro, não adquiriu propriedades, vivendo da remuneração e recebendo elogios pela sua lisura, tendo recusado cargos em Lisboa.
Por sua vez, o primeiro Desembargador baiano, Cristóvão de Burgos Contreiras, em 1680, seguiu para Portugal, a fim de atuar na Casa de Suplicação (a Suprema Corte). Ele havia sido Chanceler (Presidente – 1654) e Provedor da Santa Casa de Misericórdia (1665).
Ainda no ano de 1680, o Governador-Geral, Roque da Costa Barreto, reclamou do comportamento de quatro Desembargadores, o que resultou na transferência dos Magistrados para a capital portuguesa.
Num caso atípico, alguns Julgadores foram obrigados a indenizar Domingos da Costa Guimarães, açoitado injustamente.
Já o Padre Vieira retornou a Salvador em 1681, bastante idoso. Ele que, desde a infância, acompanhou a trajetória da Corte de Justiça, no ano de 1683, iria ser envolvido, com seu irmão Bernardo, numa investigação criminal conduzida pelo próprio Tribunal, sobre a morte, por emboscada, de Francisco Telles de Menezes, amigo do Governador Antônio de Sousa de Menezes, desafeto dos Vieira. Alguns que atuaram na empreitada criminosa, inclusive o principal suspeito, Antônio de Brito de Castro, esconderam-se no Colégio dos Jesuítas, objeto do cerco de militares. Bernardo estava preso na Cadeia da Relação, localizada no porão da Câmara Municipal, enquanto o Padre Vieira era apontado como cúmplice. O Desembargador Manoel da Costa Palma presidiu, inicialmente, o apuratório, tendo sido substituído por João da Rocha Pita, diante da acusação de parcialidade. Ao final, Antônio de Brito de Castro obteve o perdão e os membros da família Vieira, que alegavam perseguição política, foram inocentados.
Desembargador Lidivaldo Reaiche*
Fontes de pesquisa:
Burocracia e Sociedade Colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – Stuart Schwartz – Ed. Companhia Das Letras
Crônica do Viver Baiano Seiscentista – Obras Completas de Gregório de Matos – O Boca do Inferno – Ed. Janaína
História do Brasil – 1500-1627 – Frei Vicente do Salvador
Carta Ânua – Antônio Vieira
A Relação da Bahia – Affonso Ruy
História Geral do Brasil – Visconde de Porto Seguro
Memória da Justiça Brasileira, volume 1 – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia – Anotações de Braz do Amaral – Inácio Accioli de Cerqueira Silva
Dicionário dos Desembargadores – 160-1834 – José Subtil
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – 410 anos fazendo história
*O Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto retrata a História do Tribunal da Bahia, desde a época que funcionou como o Tribunal da Relação. Estudioso e pesquisador do tema, o Desembargador Lidivaldo é Presidente da Comissão Temporária de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis) e membro da Comissão Permanente de Memória.