Procurador Geral da Justiça, Presidente do Tribunal de Justiça e Governador do Estado. Portanto, três dos quatro cargos mais elevados da organização do Estado da Bahia. Vale destacar que essa trajetória se fez entre os anos sessenta e oitenta do século passado. “Um feito para poucos”, diria o observador apressado. Sim, acrescentamos, “para pouquíssimos”, ainda mais se considerarmos que estamos falando de um negro, egresso dos bancos das escolas públicas, onde ganhou régua e compasso para abrir caminhos até posições de destaque na sociedade. Mais ainda. A despeito das posições ocupadas, não se deixou, ao que sabemos, ser tomado pela “vertigem das alturas”. Não mesmo. Manoel José Pereira da Silva manteve ao longo da vida funcional e dos cargos exercidos o jeito manso do conciliador nato que liderou, junto com alguns pares, o colegiado, mantendo na medida do possível a coesão dentro do Tribunal de Justiça.
“Chocolate”, como também era chamado, foi uma espécie rara de diplomata, capaz de apaziguar os mais exaltados, contornar situações delicadas e até modificar entendimentos. Importava, sim, manter o clima de harmonia, dissipando ânimos acirrados e garantindo que as discussões fossem pautadas pelo respeito entre os pares, ainda que o resultado fossem decisões divergentes ou contrárias ao seu entendimento. Um seu colega, que também ocupou a presidência do Tribunal, em conversa informal o acoimou de “Acrobata Mental” graças, segundo ele, aos incríveis contorcionismos que era capaz de fazer, modificando ou substituindo argumentos, sempre na persecução da solução mais consentânea, evitando que ânimos se acirrassem.
Nesse deambular pelos delicados caminhos do poder, deve ter ganhado alguns desafetos e outros tantos insatisfeitos. É assim. Quem toma decisões assume automaticamente o risco de contrariar uma das partes, quando não as duas. Disso só escapam os omissos ou os desprovidos da coragem suficiente para tomar a decisão e assumir o ônus de desagradar. Com nosso personagem não poderia ser diferente. Daí as inúmeras “estórias” circulantes no meio tendo ele como personagem. Narrativas de todos os tipos, diga-se, inclusive algumas pouco canônicas. Se verdadeiras ou não, é irrelevante. Afinal de contas, significam que, de uma forma ou de outra, marcou positivamente a sua passagem pelos cargos exercidos ao longo da vida. Para os curiosos, pode-se dizer somente que algumas dessas “estórias” são hilariantes.
Óbvio que não se pode falar de Manoel Pereira sem lembrar aqueles que com ele cuidavam de manter a harmonia e a paz dentro do Judiciário baiano, mesmo quando divergiam ou tinham entendimentos díspares. Mas nesses casos, tinham o cuidado de não deixar transparecer, talvez em nome da imagem de coesão que fizeram nascer e vicejar. Salvo alguma falha de memória, dentre os muitos colegas que com ele conviveram, cabe destacar Mário Albiani e Cícero Britto, adeptos como ele da ideia de um tribunal respeitado e coeso.
Os tempos são outros, é verdade, o colegiado agora é formado por um número bem maior de membros efetivos e não se pode pretender, em sã consciência, que dois ou três dos seus pares conduzam a orientação das decisões tomadas, especialmente no âmbito administrativo. Mas também não se pode, até para ciência dos mais novos, esquecer as personagens que marcaram época na vida da instituição, granjeando respeito e admiração tanto do público interno como dos jurisdicionados.
Pois bem, no próximo dia 12 de janeiro, Manoel Pereira, já sob os efeitos da idade provecta, sem a verve de outrora, completa seu centenário de vida, guardando consigo um sem-número de fatos e entreveros. Agora o tempo é de festejar o centenário, sem esquecer as homenagens àquele que é o último representante de um tempo já findo.