Ir para o conteúdo
Buscar
NAVEGUE EM NOSSO SITE
Encontre o que deseja
Você está no perfil:

Mudar Perfil

Agência de Notícias

Buscar
BUSCA DE NOTÍCIAS
O CASO DO RECOLHIMENTO DO PERDÕES – AS EXCOMUNHÕES DOS  DESEMBARGADORES – ESTADO NOVO – CONSTITUIÇÃO DE 1937 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – TRIBUNAL DE APELAÇÃO – ADALÍCIO NOGUEIRA COMO PREFEITO DE SALVADOR
27 de novembro de 2023 às 9:39
O CASO DO RECOLHIMENTO DO PERDÕES - AS EXCOMUNHÕES DOS  DESEMBARGADORES - ESTADO NOVO - CONSTITUIÇÃO DE 1937 – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – TRIBUNAL DE APELAÇÃO – ADALÍCIO NOGUEIRA COMO PREFEITO DE SALVADOR

Na terça-feira da Semana Santa de 1936, no dia 07 de abril, uma visita do Arcebispo de Salvador, Dom Augusto Álvaro da Silva, ao Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdões, localizado nas imediações do Santo Antônio Além do Carmo, iria gerar grande polêmica na imprensa,  ações judiciais e uma crise entre a Arquidiocese  e a Corte de Apelação da Bahia.

O Recolhimento dos Perdões foi instituído no século XVIII, por Domingos do Rozário e Francisca das Chagas, que disponibilizaram três casas térreas, transformadas em uma capela dedicada à N. Sra. da Piedade, sendo as primeiras recolhidas a própria instituidora e sua irmã mais nova, Antônia de Jesus, objetivando a vida contemplativa e a caridade. Era uma organização secular, não conventual, embora houvesse tentativas de transformá-la em Convento. No ano de 1902, o Arcebispo Dom Jerônimo Tomé da Silva criou, no imóvel, o Educandário  do Sagrado Coração de Jesus.

Com a morte da Madre Regente do Recolhimento, Emília Magalhães, em 1932, deveria ser escolhida a sucessora entre as únicas três Irmãs recolhidas, Isaura Lessa, Beatriz Campello e Maria José de Senna, sendo esta última a indicada para a nomeação de Dom Augusto. Posteriormente, por motivo de doença, Isaura se licenciou, ali permanecendo, em 1933, as outras duas. A sociedade estava se transformando e, por não ser um Convento, de há muito inexistiam novas ingressas.

À época, o Arcebispo decidiu reorganizar os Recolhimentos existentes, pretendendo dar-lhes novos estatutos, de acordo com o Direito Canônico. Assim procedeu no tocante ao de Nossa Senhora dos Humildes, localizado em Santo Amaro da Purificação, e ao de São Raimundo, situado na capital baiana, tendo  as integrantes aderido à nova configuração.

No que tange ao Recolhimento dos Perdões, ocorreu intensa troca de correspondência com a Arquidiocese. Dom Augusto, em carta dirigida à Madre Regente, de 12 de novembro de 1933, asseverou que aquela unidade não poderia continuar funcionando com duas Irmãs, e, diante da ausência de vocações, propôs: arrendamento do educandário, permanecendo as Irmãs ali recolhidas; arrendamento do educandário e o retorno das Irmãs às suas residências, com o recebimento de pensão; e o arrendamento do educandário e a inclusão das Irmãs em outra comunidade religiosa.

Coincidentemente, logo depois, o Arcebispo solicitou a autorização para colocar o material oriundo da Igreja da Sé, recém demolida, em um sítio pertencente ao Recolhimento dos Perdões, denominado Quinta das Beatas, no bairro de Brotas, porquanto desejava construir o Seminário Diocesano naquele imóvel, considerando a precariedade das instalações do Convento de Santa Tereza, onde estava instalado. Ao responder, a Madre Regente concordou com o arrendamento do imóvel.

Entretanto, Dom Augusto encontrou resistência ao projeto de  subordinar o Recolhimento dos Perdões ao Recolhimento dos Humildes, que passaria a gerir o seu patrimônio, bem como o Educandário.

A Arquidiocese sustentava que o Recolhimento não prestava contas.  A Regente defendia-se, aduzindo que o Procurador da Instituição havia sido nomeado pelo Arcebispo. O desgaste seria inevitável. Diante da pressão, a Irmã Maria José, na audiência com Dom Augusto, em 06 de abril de 1936, não concordou com as mudanças. Ela já tinha enviado carta à Sagrada Congregação dos Religiosos, da Santa Sé, relatando o caso. O Núncio Apostólico, Dom Aloisi Mazela, pediu informações ao Arcebispo. Este, irritado, na reunião, taxou a Irmã de “atrevida”. Ele agilizaria a saída da Regente, assinando, naquela data,  duas  Portarias: a de demissão e a de nomeação da Irmã Maria Laura Barbuda, da Congregação de N. Sra. dos Humildes, para administrar o Recolhimento dos Perdões e o Educandário.

No dia seguinte, o Arcebispo, que havia anunciado a ida ao Recolhimento dos Perdões, compareceu acompanhado do Cônego Odilon de Freitas, que leu os textos das Portarias, e de freiras da Congregação de Nossa Senhora dos Humildes, inclusive a Irmã Maria Laura. A Regente recusou-se a entregar os livros da tesouraria e da secretaria, saindo bruscamente do parlatório, onde todos se encontravam. Para não ser desautorizado, Dom Augusto a segurou pelo braço, e seu anel agarrou-se à capa da Regente, com soltura de parte da manga direita e do colarinho,  informando que sua presença era necessária. A Irmã, ainda, relatou que o Arcebispo desferiu-lhe três murros nas costas e cuspiu-lhe o rosto.

As alunas do Educandário protegeram a Regente e começaram a gritar, instalando-se grande confusão. A Polícia e a imprensa foram avisadas, além  do Advogado contratado pela Irmã Maria José, Jayme Junqueira Ayres, que se achava na Faculdade de Direito, onde lecionava, e ao receber um telefonema do Recolhimento dos Perdões, para lá se deslocou.

O Advogado ainda encontrou o Arcebispo e com ele dialogou, sobre os direitos da Irmã Maria José, porém Dom Augusto asseverou que a questão estava afeita ao Direito Canônico e não ao Direito Civil. Na saída do Recolhimento, o Prelado recebeu vaias e apupos, tendo os populares batido no veículo que o conduzia.  A Regente foi levada para a Delegacia de Polícia, tendo o Delegado Ivan Americano da Costa colhido suas declarações e a submetido ao exame de corpo de delito, que não identificou lesões. Oito alunas do Educandário e uma Professora visitaram a redação do Jornal A Tarde, que, no dia posterior,  publicou uma foto das jovens e a matéria: “A substituição da regente dos Perdões – Factos que surgem a luz da publicidade – As alumnas solidarias com a regente destituída” (redação original).

Várias versões sensacionalistas e escandalosas acerca do ocorrido tiveram destaque na imprensa soteropolitana, com repercussão nacional.

A Regente, por meio de seus Causídicos (Jayme Junqueira Ayres, Alfredo Gonçalves de Amorim e o então Presidente da OAB – Seção Bahia, Ernesto de Sá Bittencourt Câmara ), no dia 15 de abril, ajuizou  Ação de Interdito Proibitório, “para se garantir contra ameaça de perturbação e esbulho de posse do Convento e prédios e bens que constituem o patrimonio do aludido Recolhimento e do Educandario” – redação original –  com espeque nos arts. 385 e seguintes da Lei nº 1.121/1915 (Código de Processo Civil do Estado da Bahia), contra o Arcebispo, bem como as Irmãs Maria José Mendes e Maria Laura Barbuda, da Congregação de N. Sra. dos Humildes, sob pena de multa equivalente a 20:000$000 (vinte contos de réis), tendo sido arroladas seis testemunhas.

Na inicial, os Patronos aduziram que o Recolhimento dos Perdões era “uma pessoa jurídica nos termos doCódigo Civil, com patrimônio  próprio, abrangendo, ainda o Educandário anexo, que possuía, também, personalidade jurídica, não estando vinculados à Arquidiocese. Alegaram que o Arcebispo e as Freiras da Congregação de N. Sra. dos Humildes, ao adentrarem o imóvel, naquela fatídica manhã, exigindo a entrega de livros e a transmissão da posse, tendo as religiosas ali permanecido durante  toda a tarde, configuraram condutas que constituem “grave ameaça de perturbação e mesmo de esbulho”, razão pela qual deveria ser expedido o mandado proibitório, para que eles se abstivessem de praticar quaisquer atos contrários ao direito possessório da Regente.

A lide foi apreciada pelo Pretor da Vara Cível,  Honorato J. Pereira Maltez, que estava na jurisdição plena, pois o Juiz Julio José de Brito fora convocado para atuar no Tribunal. Aquele deferiu o mandado proibitório provisório, na mesma data do ajuizamento, determinando a intimação do Arcebispo e das Freiras, para que se abstivessem “de quaesquer actos de turbação ou esbulho da posse de todos os bens e direitos do Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdões e Educandario do S. Coração de Jesus, sob pena de pagarem a multa de vinte contos de réis, perdas, danos e interesses e de ver restituída a posse à requerente” – redação original. A Secretaria de Educação, ainda, tentou garantir a assunção da nova diretoria do Educandário, mas, diante da decisão judicial, recuou.

O Diário de Notícias, cujo Diretor era o jornalista Altamirando Requião, publicou matérias seguidamente sobre o “Caso dos Perdões”, inclusive peças processuais. No dia 18 seguinte, estampou o abaixo assinado das alunas do Educandário, em apoio à Irmã Maria José,  e a foto de um grupo de estudantes em visita à redação do periódico.

Os Advogados da Arquidiocese, Armando Mesquita e Waldélio Chagas de Oliveira, compareceram à audiência de justificação (o Arcebispo não se fez presente), para a ouvida de testemunhas, a 20 de abril, quando apresentaram a contestação, arguindo, preliminarmente, a exceção de ilegitimidade de parte, no tocante à Irmã Maria José para representar o Recolhimento, pois havia sido  destituída do cargo e sob ela recaiu a pena de excomunhão. Logo, não fazia mais parte da Instituição, nem da Igreja. Em razão disso, retiraram-se da sala e não formularam perguntas aos depoentes, o que sucedeu nos dias seguintes.

Na contraminuta, salientaram que a Regente não detinha a posse sobre o patrimônio do Recolhimento dos Perdões,  que estava submetido ao Direito Canônico e não ao Direito Civil. Além disso, indicaram irregularidades na administração do Educandário, e que deveria ser empossada a nova diretoria sob a responsabilidade da Congregação de N. Sra. dos Humildes.

Uma moção de apoio ao Arcebispo, assinado pelos Desembargadores Demétrio Tourinho, Filinto Bastos (este já aposentado) e por diversas pessoas, foi publicada no Jornal A Tarde, de 05 de maio. Concomitantemente, uma campanha difamatória seria desencadeada por Dom Augusto contra a Regente, acusada de desídia com a administração do patrimônio do Recolhimento dos Perdões, embora fosse ela defendida por Professoras e alunas. Alguns homens que lecionavam no Educandário, afinados com a Arquidiocese, deixaram de ensinar no referido estabelecimento educacional, em solidariedade ou por pressão.

Por haver o Pretor, no dia 09 de maio, refutado a arguição de ilegitimidade e julgado a justificação, reiterando o mandado provisório proibitório, os  Causídicos da Arquidiocese interpuseram Agravo, na Corte de Justiça, tombado sob nº 3603.

Enquanto isso, a demanda da construção do novo Fórum teve um novo capítulo. A Lei nº 61, de 31 de julho de 1936, autorizou o Poder Executivo a abrir á subscripção publica um emprestimo interno de até R$ 20.000:000$ mediante a emissão de apolices do valor nominal de R$ 500$000 cada uma juros de ½ ao ano para atender á acquisição de ações da Companhia de Navegação Bahiana e construção de tres edificios publicos, e dá outras providencias (redação original). O art. 2º, § 3º  rezava: A série deste emprestimo destinada à construcção do “Forum Ruy Barbosa” terá, também, como fundo de amortização e de juros, as fontes de receita a que se refere o paragrapho único do art. 7º das Disposições Transitórias da Constituição Estadoal (redação original). O art. 6º estabelecia: O producto do emprestimo será destinado á aquisição de ações da Companhia de Navegação Bahiana e construção do Forum Ruy Barbosa , do Instituto de Educação, de um Theatro Moderno, e á liquidação ou consolidação da dívida fluctuante do  Estado (redação original). Já o art. 12 previa: Fica o Poder Executivo auctorizado a nomear uma comissão de cinco membros, presidida pelo Secretario da Fazenda, com o objetivo de regulamentar o recebimento de importâncias, de contribuições particulares, federaes e municipaes, que se destinem às homenagens a Ruy Barbosa. (redação original). Parágrafo único– As importancias recebidas terão escripturação no Tesouro e serão, conforme dispõe o paragrapho único do art.7º das Disposições Transitorias da Constituição, aplicadas na construcção do Forum Ruy Barbosa, destinando-se  o excedente delles á amortisação  das apolices emitidas com o mesmo fim.” (redação original). O Desembargador Pedro Ribeiro integraria a Comissão.

Na Corte de Apelação, o “Caso dos Perdões” era apreciado em sede de Agravo, manejado pela Arquidiocese. A Defesa da Regente alegou intempestividade, o que não foi acatado pela Turma Julgadora, integrada pelos DESEMBARGADORES LYDERICO SANTOS CRUZ (Relator), CYRILLO LEAL e SALLES MUNIZ, que, no mérito, negou provimento ao recurso, no dia 04 de agosto, entendendo que a legitimidade alegada se relacionava, intimamente, com o próprio objeto da demanda.

A repressão do Governo Vargas avançava sobre os participantes da “Intentona Comunista”. A 23 de setembro, a Corte Suprema negou o último habeas corpus a Olga Benário (esposa de Luís Carlos Prestes), impetrado pelo Advogado Sobral Pinto. Judia, estava grávida e temia pela sua vida. Os presos se mobilizaram para impedir a sua deportação. A Polícia, a pretexto de submetê-la a um exame médico, transportou-a, à força, para o navio La Coruna, fretado pelos alemães.  A embarcação aportou em Salvador, quatro dias depois, e o Porto foi cercado por forças de segurança, pois temia-se que os comunistas baianos resgatassem a companheira. Esta  pediu para que fossem comprados produtos de higiene pessoal e um par de chinelos. Da capital baiana, o navio, com a suástica nazista, seguiu direto para a Alemanha. Uma campanha internacional seria liderada por Leocádia Prestes, em favor da libertação da nora e da criança. Prestes não escaparia da condenação a dezesseis anos e oito meses de prisão.

Salvador sediou o 2º Congresso Afro-Brasileiro, de 11 a 19 de janeiro de 1937, na sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, organizado por Edson Carneiro, com o apoio de Juracy Magalhães. A Arquidiocese, por meio do Semanário Católico,  criticou a liberação da verba pela Assembleia Legislativa para o evento, tido sob influência comunista, não considerando civilizados os cultos de matriz africana. No conclave, aprovou-se uma Resolução pugnando pela liberdade religiosa, postulando o respeito ao Candomblé e o fim da exigência do registro das atividades das Casas de Santo, com o pagamento das respectivas taxas policiais. As reivindicações foram encaminhadas ao Governador.

Não demorou para que problemas surgissem no novo Fórum da Misericórdia, no qual o elevador não funcionava. O local era insalubre. O Diário de Notícias de 14 de abril cobrou a construção do prédio que, definitivamente, iria abrigar a Casa da Justiça. Coincidentemente, a Lei nº 157, de 19 de abril seguinte, redefiniu a emissão das apólices autorizadas pela Lei nº.61/36.

A 07 de junho daquele ano, o Diário de Notícias estampou na primeira página: “O Palácio da Justiça será, em breve, uma realidade – À Assembleia Legislativa foi enviada Mensagem do sr. Governador do Estado, solicitando o crédito para a respectiva construção”. Eis o teor:

“A condigna localisação dos servços da Justiça nesta Capital é uma das mais gritantes necessidades a que tão pronto quanto possível, deve attender o Governo do Estado. Uma grande maioria dos que compõem essa ilusstrada Assemblea conhece, por força de imperativos profissionaes, a precariedade lastimavel das installações de cartorios e juizos, bem como o desconforto que aos magistrados e ao publico offerece o nosso Forum. Não somente têm valor muito precario as adaptações e os concertos reptidamente feitos sem grandes resultados nesse prorpio do Estado, como é notoriamente exigua a sua capacidade em relação ao movimento judiciario do Estado.

Sobreleva, porém, a quaisquer outras razões faceis, de mencionar, em torno da necessidade de aparelharmos a Justiça com installações adequadas á magestade de sua missão e ao conforto dos seus representantes e servidores, um motivo de ordem moral insuperavel; a divida civica da Bahia com o maior dos seus filhos, consenso unanime dos nossos conterraneos já homologou a idéa de que nenhum monumento será mais digno de significar uma homenagem á memoria do grande Ruy do que o Palacio da Justiça.

Neste sentido varias têm sido as tentativas, todas frustadas, para  se converter em realidade a construção de um edificio de proporções ajustadas a seu fim e de caracter monumental.

Na actual administração o problema foi encarado com o carinho que merece. Assim é que já foi aberta concorrencia publica para os respectivos planos estando o Campo dos Martires, por uma commissão de technicos como o ponto mais apropriado para essa construção.

Coincidiu entretanto, que o local determinado já está destinado pela Prefeitura á construção de um theatro, conforme Acto nº 63, de 28 de Dezembro de 1935. Nos termos desse Acto fica a Prefeitura autorizada a desapropriar essa area podendo permuta-la com outra qualquer pertencente ao Estado caso a este interesse a construção do Palacio da Justiça no referido local.

Até a presente data não foi feita a desapropriação em apreço cabendo ao Estado promove-la, em face da clausula acima mencionada, para a construção do “Forum Ruy Barbosa” já autorisada pela Lei nº 61 de 31 de julho de 1936.

Como não conste da referida Lei a autorização para essa desapropriação, venho solicita-la dessa douta Assembléia, acompanhada do credito de novecentos contos de réis… (900:000$000) destinados ás despesas de acquisição, demolição e movimento de terras para essa obra grandiosa, com que a Bahia homenageará a memoria do maior dos seus filhos.

Valho-me desta opportunidade para reiterar a V.V. Exa. Os meus protestos da maior consideração e muito apreço.

Juracy Magalhães
Palacio do Governo do Estado da Bahia, em 4 de Junho de 1937” (redação original).

Na sequência, desapropriaram-se imóveis e determinou-se a realização de concurso público para a elaboração do projeto de construção do Fórum Ruy Barbosa, tendo a Companhia Construtora Nacional, filial da empresa alemã Wais-Fretag, se sagrado vencedora ante a concorrente Christiane Nielsen, resultando na assinatura do contrato no valor de 12:482:940$000 e na demolição das casas desapropriadas.

Regimes totalitários estavam se implantando mundo afora. Salazar (Portugal), Franco (Espanha), Mussolini (Itália), Hitler (Alemanha), Peron (Argentina), dentre outros. O Brasil vivia sob estado de sítio, embora as eleições estivessem programadas para o ano seguinte. Getúlio Vargas, em uma manobra golpista, implantou o Estado Novo, a 10 de novembro, sob alegação de risco, diante da iminência da tomada do poder pelos comunistas, por meio do Plano Cohen, farsa que serviu de  justificativa para a ruptura institucional, com o fechamento do Congresso Nacional. Uma nova Constituição Federal seria outorgada, no mesmo dia. O Governador Juracy Magalhães não concordou e renunciou naquela data, enviando um telegrama ao Ministério da Justiça. Assumiu o Governo baiano o Comandante da 6ª Região Militar, Coronel Fernandes Dantas. Livros de Jorge Amado e de autores considerados esquerdistas foram retirados das Bibliotecas Públicas e incinerados na Escola de Aprendizes-   Marinheiros. Diversos políticos, jornalistas, intelectuais, profissionais liberais e professores foram presos, inclusive Otávio Mangabeira, Orlando Gomes e Nestor Duarte. O Brasil teria uma nova ditadura.

Pela Constituiçãodo Estado Novo, não haveria parlamentos. Os interventores dirigiriam as unidades da Federação.  A Corte Suprema seria Supremo Tribunal Federal e, nos Estados, os Tribunais de Apelação substituiriam as Cortes de Apelação.

Com a nova sistemática do limite de idade do servidor público, o DESEMBARGADOR PEDRO RIBEIRO teve de se aposentar no dia 27 de novembro, pois já contava com setenta e um anos. Ingressou na Magistratura em 04 de julho de 1888, sendo nomeado para a Segunda Instância a 26 de maio de 1900. Exercia a Presidência do Sodalício desde 17 de dezembro de 1920, o mais longo mandato na história (dezessete anos), Despediu-se da Corte sem concretizar o sonho da construção do Fórum Ruy Barbosa.

Após a instrução processual, com a ouvida de testemunhas e autoridades, e na mesma trilha do parecer do Promotor de Resíduos, reputando  o Recolhimento dos  Perdões pessoa jurídica de direito privado e, como tal, sujeito à jurisdição civil, o Pretor  Honorato J. Pereira Maltez,  a 23 de maio de 1938, prolatou a sentença, julgando procedente o pleito da Regente Maria José de Sena, cujo sumário ressaltou: “A irmã, única remanescente de uma corporação religiosa com personalidade jurídica é, para todos os efeitos, a representante legal desta corporação, e a posse do patrimônio e dos direitos da mesma. A autoridade ecclesiastica não pode priva-la desta posse, para da-la a outrem. A mudança da direção de um estabelecimento equiparado á Escola Normal do Estado, depende de prévio assentimento do Governo, na forma do Art. 750 do dec. estadual nº 4.218, de 30 de Dezembro de 1925” (redação original). 

A Arquidiocese interpôs Apelo tombado sob nº 6508,  cujo relator foi o DESEMBARGADOR OSCAR DANTAS. Integrariam a Turma Julgadora os DESEMBARGADORES SOUZA SANTOS e DEMÉTRIO TOURINHO.

Lampião e vários integrantes do bando foram mortos em 28 de julho, pela volante da Polícia, na gruta de Angicos, em Sergipe, atual Município de Poço Redondo, resultando na extinção da punibilidade de vários processos, inclusive do referente à Chacina de Queimadas,

Os erros cometidos na I Grande Guerra não foram suficientes para que a humanidade vivenciasse um longo período de paz e prosperidade. O Tratado de Vesaillhes de 1919 humilhou a Alemanha, propiciando a ascensão de Adolf Hitler, que como Chanceler (Primeiro-Ministro) eleito pelo Partido Nacional Socialista, em 1933, iniciou a perseguição aos judeus, ciganos, esquerdistas e homossexuais, decretando restrições e iniciando a construção de  campos de detenção, depois transformados em campos de concentração e extermínio. Protagonizou  um golpe de estado e assumiu, também, o cargo de Presidente da República, com a complacência da maioria da sociedade. Descumprindo a proibição de militarização, desenvolveu a indústria bélica e passou a anexar territórios. Não satisfeito, comandou a invasão da Polônia, em 1º de setembro, quando ingleses e franceses declararam guerra aos alemães. O conflito europeu atrasaria, mais uma vez, a construção do Fórum Ruy Barbosa.

Nesse ínterim, o Procurador-Geral do Estado, Epaminondas Berbert de Castro, demoraria dois anos para exarar o parecer do “Caso dos Perdões”, levando a Arquidiocese, por meio da Nunciatura Apostólica, a se queixar ao Presidente Vargas. Em seu pronunciamento, no dia 10 de agosto de 1940, o Procurador finalizou:

“Entendo  que o Recolhimento dos Perdões é uma pessoa  jurídica brasileira e pela lei brasileira se rege. Tem posse sobre os bens do seu patrimônio, destinados pelo doador à sustentação e vestuários das recolhidas. E não há somente a posse, mas ainda o domínio.

Assim, e reportando-me, quanto ao mais, aos proprios fundamentos da sentença apelada, sou de parecer que se negue provimento ao recurso”. (redação original).

No dia 04 de junho de 1941, em uma terça-feira, às 13:00 h, a Câmara Cível se reuniu para julgar o mérito do recurso. Os Advogados não utilizaram a Tribuna. O Relator, DESEMBARGADOR OSCAR DANTAS, votou pelo improvimento do Apelo da Arquidiocese, apresentando o seguinte extrato:

“ – Sendo a requerente a única irmã sobrevivente  do Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdões e diretora do Educandario do Sagrado Coração de Jesus, a ela compete, nestas qualidades, como legítima representante dessas pessoas jurídicas, usar do interdito proibitorio facultado pela lei civil contra qualquer violência iminente, que ameace a posse dos bens dessas referidas pessoas jurídicas.

O assunto é regulado pela lei civil, e não pelo direito canônico, que ao caso não se aplica, por não se tratar de bens da Igreja, de um patrimônio desta, nem tão pouco de uma instituição religiosa, na acepção restrita e propria, com ereção canonica, mas simplesmente de pessoas jurídicas de direito privado, que não podem ser impedidas por autoridade eclesiástica  de exercer o poder físico sobre  os bens que possuem.

As associações religiosas, civilmente personificadas, regem-se nas suas relações de ordem temporal, pelo direito civil e por seus estatutos, estando sujeitas somente no espiritual, á autoridade da Igreja.” (redação original).

Por sua vez, o segundo Julgador, o DESEMBARGADOR  DEMÉTRIO TOURINHO, inaugurou a divergência já esperada, pois havia assinado uma moção de apoio ao Arcebispo, no calor do episódio. Não declarou sua suspeição e concluiu seu voto:

“Do exposto, impõem-se as seguintes conclusões:

a) que o Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdões é pessoa religiosa, com Estatutos aprovados e sujeito ás leis da Igreja:

b) que, além da personalidade eclesiastica, tem o Recolhimento personalidade juridica, dada pela lei civil, e uma não exclue a outra; ao contrario, completam-se, harmonizam-se;

c) que como pessoa religiosa, está debaixo da jurisdição do Prelado;

d) que a Regente não é possuidora dos bens do Recolhimento, porque tem a posse em nome de terceiro, e, assim, não pode usar do interdito proibitorio;

e)  que ainda quando posse tivesse dos ditos bens, o meio judicial de que lançou mão é inidôneo, porque o que está em jogo é um direito pessoal e não se protege este com interdito possessório” (redação original).

O judicioso voto de desempate do DESEMBARGADOR SANTOS CRUZ acompanhou o Relator:

“Pelos motivos expendidos foi que votei negando provimento ao recurso para confirmar a sentença apelada, que no meu entender  é rigorosamente jurídica e está em perfeita harmonia com a prova dos autos. Convém deixar salientado que as razões deste voto oriundas são de minha íntima convicção, conscio da responsabilidade que me pesa, com único e exclusivo interesse de bem servir a causa da Justiça e foram expostos de boa fé, da qual estou certo jamais duvidarão os honrados e eminentes Colegas deste Tribunal.” (redação original).

O Arcebispo telegrafou, no dia 07,  para o proprietário do Jornal do Brasil, Ernesto Pereira Carneiro, que o apoiava, narrando com detalhes a sessão de julgamento, utilizando a expressão “revoltante injustiça da nossa Corte”. Atribuiu ao Relator críticas à Igreja Católica. Indignou-se por terem os DESEMBARGADORES OSCAR DANTAS e SANTOS CRUZ se declarado católicos. Afirmou que era “perseguido pela maçonaria, espiritismo, fanatismo bonfinense, comunismo, etc.”   Comunicou que iria recorrer para o STF e pediu que fossem replicadas as matérias do Semanário Católico da Arquidiocese. Provavelmente, a referência ao “fanatismo bonfinense” deveu-se às restrições por ele impostas à Lavagem do Bonfim, que geraram protestos.

Na Europa, a Inglaterra resistia heroicamente, liderada por Winston Churchill, quando a Alemanha, no dia 22 de junho, resolveu invadir a União Soviética.

O acórdão do julgamento do “Caso dos Perdões só foi publicado no Diário da Justiça de 03 de setembro, após a devida conferência.

O Arcebispo era um homem conservador, autoritário e irascível, que não aceitava qualquer contestação. Pernambucano, já havia gerado descontentamento quando da demolição da antiga Sé e ao impor restrições à Lavagem do Bonfim. Ele ficou profundamente irritado com o entendimento do Tribunal de Apelação e excomungou os DESEMBARGADORES OSCAR DANTAS e SANTOS CRUZ, o Procurador-Geral do Estado, Epaminondas Berbert de Castro, os Patronos da Regente (Jayme Junqueira Ayres, Alfredo Gonçalves de Amorim e Ernesto de Sá Bittencourt Câmara ), além do Diretor do Diário de Notícias, Altamirando Requião, pois, segundo ele, enquanto católicos, rebelaram-se e violaram normas da  Igreja. A excomunhão latae sententiae é uma pena do Direito Canônico que incide automaticamente quando o católico comete a falta previamente condenada pela religião. Ele poupou, justamente, o DESEMBARGADOR DEMÉTRIO TOURINHO, único a votar contra o Interdito Proibitório requerido pela Irmã Maria José de Sena.

Dom Augusto, dizendo-se vítima de inverdades, editou uma Carta Pastoral, contendo transcrições de peças processuais do “Caso dos Perdões” e artigos de juristas favoráveis à tese da Arquidiocese, de submissão do Recolhimento ao Direito Canônico. Inconformado, ele ofendeu os membros da Corte de Justiça. Numa de suas observações, o Arcebispo ressaltou: “Quem dera que não fosse por vezes demais humana a justiça, isto é, que em sua balança sempre se pusessem “razões” em cada prato, e não tivesse sido algumas vezes a prata, em vez de prato que lhe movesse o fiel” (redação original).

A afirmativa provocou indignação no Tribunal de Apelação, que, reunido, em 19 de setembro, sob a presidência do DESEMBARGADOR SÁLVIO DE OLIVEIRA MARTINS, apresentou desagravo, bem como as manifestações de solidariedade da Diretoria da Faculdade de Direito, do Centro Acadêmico Ruy Barbosa e dos servidores do Poder Judiciário baiano. Na sessão referida, pronunciaram-se os Advogados Gilberto Valente e Carlito Onofre, além do Juiz Antônio Bensabath, representando os Magistrados da primeira instância.

O  contundente discurso do Presidente Sálvio, publicado no Diário de Justiça do dia seguinte, apontou que os Desembargadores ficaram “surpresos e estarrecidos”, com as “certas insinuações” assacadas contra os membros da Corte, inseridas num documento denominado de Carta Pastoral, que destoa da missão da Igreja,  razão pela qual a ofensa merecia “irrestrita  desaprovação”. Outras manifestações de solidariedade estiveram estampadas na edição de 23 de setembro.  Ressalte-se que, mesmo com o julgamento do Interdito, no primeiro grau, o Tribunal mantinha excelente relacionamento institucional com a Arquidiocese, com troca afável de correspondências, a exemplo do Ofício de 02 de janeiro daquele ano, quando foi comunicada a assunção da Mesa Diretora.

Já o Arcebispo recebeu o apoio de Bispos, Padres e Congregações. No prazo legal, interpôs Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, tendo a ordem de remessa dos autos sido publicada no Diário da Justiça de 01 de outubro.

Enquanto a guerra se expandia na Europa, em 07 de dezembro, o Japão atacou a base americana de Pearl Harbour, no Hawaí, resultando no ingresso dos EUA no conflito.

O dono do Jornal do Brasil presidiu evento em desagravo a Dom Augusto, sem a sua presença, reunindo personalidades do Rio de Janeiro.

Finalmente o “Caso dos Perdões”, que ganhou notoriedade nacional, seria examinado no Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário nº 5.342 foi apreciado pela Segunda Turma, na sessão de 30 de janeiro de 1942, figurando como Relator, Revisor e terceiro julgador os Ministros Waldemar Falcão, Bento de Faria, e Orosimbo Nonato, respectivamente. Os votos alteraram o acórdão da Corte baiana, julgando improcedente o Interdito Proibitório e reconhecendo a aplicação do Direito Canônico e a posse do Recolhimento pela Arquidiocese de Salvador, com a seguinte ementa:

“As corporações ou sociedades religiosas, como pessôas juridicas de direito privado, nos termos dos arts. 16, I e 18 do Codigo Civil, adquirem sua existencia legal pelo Registro de seus estatutos, onde se inscreve o alvo ou fim que colimam. Essa finalidade, inscrita por essa fórma em seu registro, disciplina-lhes a autonomia, dá a seu patrimõnio um destino fungivel e a seus administradores uma subordinação natural às autoridades hierarquicamente superiores da confissão religiosa a que pertencêrem tais organizações. Inteligencia dos textos dos arts. 16 e 17 do Codigo Civil, em função das Leis nº 119-A, de 07 de Janeiro de 1890, e nº 173, de 10 de Setembro de 1893.

Conhece-se do recurso extraordinario interposto da decisão definitiva do Tribunal estadual, que colide com a inteligencia dada pelo Supremo Tribunal Federal aos referidos textos legais, e dá-se-lhe provimento”. (redação original).

O Arcebispo, exultante,  celebrou Te Deum, na Catedral,  no dia 08 de fevereiro, tendo recebido congratulações por ter sido vitorioso na contenda jurídica que durou seis anos.

A Alemanha introduziu câmaras de gás nos campos de concentração, para matar milhões de judeus, com o objetivo de exterminá-los por meio da “solução final”. Olga Benário não escapou da morte, no dia 23 de abril, em Bernburg, após sua filha haver sido resgatada pela avó, Leocádia Prestes. 

No Brasil, a União Nacional dos Estudantes-UNE organizou diversas passeatas, inclusive na Bahia, a fim de pressionar o Governo Vargas a romper com o regime nazista e aderir ao conflito mundial. Professores, intelectuais, sindicalistas, operários e a imprensa defendiam a adesão aos aliados. No meado de agosto, vários navios brasileiros foram afundados, alguns na costa baiana, gerando protestos e revolta. Pressionado, em 22 de agosto, Vargas declarou guerra à Alemanha e à Itália.

A 23 de dezembro, o STF, em sessão presidida pelo Ministro Eduardo Espínola,  enfrentou os Embargos opostos quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 5.342, referente ao rumoroso “Caso dos Perdões”. O Relator, Ministro Laudo de Camargo, justificou a não intervenção do Procurador Geral da República, pela ausência de interesse da União. Realçou que “o trabalho dos advogados, dos membros do Ministério Público e dos juízes locais, em ambas as instâncias, honrou a cultura jurídica brasileira”. Reapreciou todas as questões analisadas, excusando-se diante do longo voto “exigido pela altura em que o debate judiciário se travou”. Anexando diversas decisões jurisprudenciais desde o início da República e o surgimento do estado laico (fim do Padroado), rejeitou os Declaratórios, no que foi acompanhado pelos Ministros Philadelpho Azevedo (Revisor) Waldemar Falcão, Orosimbo Nonato, Castro Nunes, Anníbal Freire, Bento de Faria. Ausentes os Ministros Barros Barreto e José Linhares.

Constou da ementa:

“Constitue ato legítimo e de autoridade eclesiastica que, agindo dentro de sua alçada e segundo os estatuos de uma ordem religiosa, destitue de suas funções o Regente dessa associação, sob a sua dependencia” (redação original).

Mais uma vez, Dom Augusto publicou uma Carta Pastoral,  no início de 1943, informando à comunidade católica sobre o desfecho do processo.

Na Europa, em 08 de setembro daquele ano, a Itália se rendeu, mas continuou ocupada pela Alemanha. A 06 de junho de 1944, os aliados desembarcaram na Normandia e, no mês de julho, os primeiros combatentes da Força Expedicionária Brasileira seguiram para lutar em solo italiano.

No Brasil, diante dos novos ares democráticos, Getúlio se antecipou e concedeu anistia aos presos políticos, por meio do Decreto-lei nº 7.474, de 18 de abril de 1945.  A Alemanha capitulou em 08 de maio e, vinte dias depois, Vargas convocou eleições (Decreto-lei nº 7.586), inclusive para Presidência da República, que deveriam ocorrer no final do ano.

O conflito na Ásia só teria fim com a explosão de duas bombas atômicas pelos EUA, nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nos dias 06 e 09 de agosto, respectivamente, provocando a rendição do Japão.

A pressão dos militares provocou a renúncia de Getúlio,  em 29 de outubro.  A Presidência da República passou a ser exercida pelo Ministro José Linhares, Presidente do STF, que substituiu os Interventores Federais e Prefeitos por membros do Poder Judiciário, período nominado  “Governo dos Magistrados”. Na Bahia, o General Renato Onofre Pinto Aleixo foi sucedido por João Vicente Bulcão Viana, baiano, que havia ocupado os cargos de Procurador-Geral da Justiça Militar e Ministro do Superior Tribunal Militar, encontrando-se aposentado. Assumiu a Governadoria em 08 de novembro. Para Prefeito de Salvador, a escolha recaiu sobre o DESEMBARGADOR ADALÍCIO NOGUEIRA, que geriu a Capital a partir de 12 daquele mês. Ambos deixariam as funções a 19 de fevereiro do ano seguinte. 

A 02 de dezembro de 1945, com a participação de todas as agremiações políticas (o Partido Comunista do Brasil pôde concorrer), e as mulheres votando pela primeira vez para o dirigente da Nação, o povo brasileiro foi às urnas, elegendo os constituintes da futura Carta Magna e o Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra (PSD-PTB), que venceu Eduardo Gomes (UDN).  Vargas elegeu-se Senador por SP e RS, assim como Deputado Constituinte pelo Distrito Federal e seis Estados (RS, SP, RJ, MG, BA e PR), o que era possível.

Depois da vitória do Arcebispo, no STF, a Irmã Maria José de Sena entregou o Recolhimento dos Perdões, e o Educandário, já decadente, encerrou as atividades no ano de 1942. O prédio, após cessão da Arquidiocese, seria ocupado pela Legião Brasileira de Assistência – LBA, e, anos depois, pela organização Cavaleiros de Malta.

Parte dos bens do Recolhimento (imagens, alfaias, pratarias) foi disponibilizada ao Estado.

Aquela Semana Santa de 1936 jamais seria esquecida. O “Caso dos Perdões e as excomunhões fortaleceram a independência do Tribunal de Justiça, pois dois Desembargadores e o Procurador-Geral do Estado mantiveram o entendimento jurídico, malgrado as pressões, pois, à época, a Igreja Católica era poderosa e muito influente na sociedade brasileira.

A Irmã Maria José alugou um imóvel e instalou pensionato  feminino, no bairro de Quintandinha do Capim. No decorrer dos anos, se mudaria, sucessivamente, para as seguintes localidades: Barbalho, Rua Direita de Santo Antônio, Cruz do Pascoal, Saúde, Barris, Ladeira da Barra  e Nazaré.

Os DESEMBARGADORES OSCAR DANTAS (excomungado) e DEMÉTRIO TOURINHO, que participaram do julgamento no Tribunal de Apelação, seriam Presidentes da Corte, nos períodos de 1944-1947 e 1950-1951, respectivamente.

O Arcebispo alcançou o Cardinalato em 12 de janeiro de 1953, tendo construído o Seminário Central, no bairro da Federação, onde criou a Universidade Católica de Salvador – UCSal. A Avenida Cardeal da Silva o homenageia.

Ao final, o perdão prevaleceu, porquanto Dom  Augusto  voltou a frequentar as solenidades do Poder Judiciário baiano, tomando assento na Mesa de Autoridades, com a pompa que gostava de usufruir. No leito de morte, no Hospital Português, ele pediu perdão à Irmã Maria José e revogou sua excomunhão. Faleceu a 14 de agosto de 1968, sendo sucedido por Dom Eugênio Sales, que não demorou (1968-1971), pois assumiu a Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Dom Avelar Brandão Vilela, quando Arcebispo de Salvador (1971-1986), cedeu uma das casas que pertenciam ao Recolhimento dos Perdões, situada ao lado do prédio, à Irmã Maria José, para onde  esta  transferiu seu pensionato. Em 20 de agosto de 1984, ele revogou as excomunhões,  considerando que a mentalidade da Igreja, após o Concílio Ecumênico Vaticano II, havia se modificado neste sentido e que os acontecimentos ocorridos no passado já tinham perdido o seu significado para os tempos atuais.

Dom Lucas Moreira Neves, no Arcebispado de 1987 a 1998,  cedeu o imóvel do Recolhimento dos Perdões à Congregação São João.

A corajosa Irmã Maria José de Sena, natural de Santo Amaro,  que nunca abandonou sua fé, recebia a comunhão solitária de Padres solidários, em templos com as portas fechadas.  Faleceu em 18 de março de 1990, aos 95 anos, lúcida, no Abrigo Mariana Magalhães, nos Barris, onde seu corpo foi velado, na presença de sobrinhas, ex-alunas, além de parentes e descendentes dos excomungados.

O fim da era Vargas e o término do conflito mundial, com a retomada do comércio internacional, serviriam de alento à almejada construção do Fórum Ruy Barbosa.

Desembargador Lidivaldo Reaiche
Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

BIBLIOGRAFIA

– Autos dos Processos Judiciais do “Caso dos Perdões” – 1936-1942

– Cartas Pastorais de Dom Augusto Álvaro da Silva, Arcebispo de Salvador – 1941 e 1943

– Governo Revolucionário na Bahia de 1930 – Consuelo Pondé – Universitas – Salvador – set/dez – 1981

– Volta Seca – o menino cangaceiro – Nertan Macedo – Thesaurus – Brasília – 1982

– História da Bahia – Luís Henrique Dias Tavares – Edufba – Unesp – Salvador – São Paulo – 2001

– A Igreja Católica na Bahia: Fé e Política – Solange de Santana Alves – Dissertação de Mestrado – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFBA – 2003

– Os primos – Crônica de uma família libanesa na Bahia – Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto – Salvador – 2004

– O Episódio dos Perdões e a Restauração Católica na Bahia – Patrícia Mota Sena – Dissertação de Mestrado – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFBA – 2005

– Memória da Sé – Fernando da Rocha Peres – Corrupio – Salvador – 2009

– De forasteiro à unanimidade: a ascensão política de Juracy Magalhães na Bahia, no período de 1931 a 1934 – Ana Luiza Araújo Caribé de Araújo Pinho – ANPUH – XX Simpósio Nacional de História – Fortaleza – 2009

– Lampião na Bahia – Oleone Coelho Fontes – Ponto e Vírgula – Lauro de Freitas – 2010

– Um século de jornalismo na Bahia 2012-1912 – Carlos Ribeiro – Solisluna – Salvador – 2012

– Getúlio – 1930-1945  – Do governo provisório à ditadura do Estado Novo –  Lira Neto – Companhia das Letras – São Paulo – 2013

– Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – 410 anos fazendo história – Tribunal de Justiça – Salvador – 2019

– Antecedentes Históricos do Fórum Ruy Barbosa – Carlos Alberto Carrillo – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – Salvador – 2023

– Diário da Justiça – Biblioteca do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

– CEDOC – Centro de Documentação do Jornal A Tarde

– Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador

– Jornal Diário de Notícias – 1936

Texto publicado: Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto