Em Portugal, a Rainha Maria I estava afastada desde 1792, após desenvolver uma doença psiquiátrica, tendo sido substituída pelo Príncipe Regente, D. João.
O Chanceler (Presidente) do Tribunal da Relação da Bahia era Firmino de Magalhães Siqueira da Fonseca.
Luís Gonzaga foi o único dos revoltosos interrogado pelo Governador, D. Fernando José de Portugal e Castro. Escreveu textos próprios (Séries Temporais), criticando o Catolicismo, mencionando Lutero e Calvino, da Reforma Protestante, entretanto, no dia 22 de agosto de 1798, na véspera da prisão, provavelmente para pedir proteção à Revolta, assistiu à Missa da Igreja do Bonfim.
O Desembargador Manoel de Magalhães Pinto Avelar de Barbedo confrontou a caligrafia de Luís Gonzaga com a letra dos avisos e das duas cartas. Tabeliães e escrivães do Tribunal atuaram como peritos. Por haver negado a autoria dos escritos, atribuindo-os a João da Silva Norbona, o próprio Magistrado instaurou nova Devassa, somente para localizar o suspeito. Depois da oitiva de vinte e duas pessoas, sem êxito, arquivou a investigação.
Lucas Dantas, após a reunião no Dique, na noite de 25 de agosto, não retornou à sua casa. Dirigiu-se ao Solar do Unhão, com Manoel Faustino, e ali pernoitaram. Nas primeiras horas do dia imediato, ambos embarcaram numa canoa e, ato contínuo, num saveiro, para o Engenho Guaíba, no Recôncavo, pertencente a Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão. De lá foram visitar Felizarda, a mãe de Manoel Faustino, escrava no Engenho Calôji, de propriedade do Padre Antônio Francisco de Pinho. Voltaram para Guaíba e, a 04 de setembro, Lucas Dantas seguiu, sozinho, em direção à residência de seu irmão, no sertão, tendo sido encontrado na localidade de Água Fria, atual Irará, no dia 09 seguinte. Ele resistiu à prisão, o que lhe provocou grande ferimento na cabeça, produzido pela arma do militar.
Já Manuel Faustino escondeu-se no Engenho onde sua genitora era cativa, mas foi preso, em 14 de setembro, com a colaboração do religioso proprietário.
Dezenas de aprisionamentos, inclusive o de João de Deus, tiveram início em 26 de agosto, dia seguinte à reunião do Dique. Ele, a mulher (Luíza) e os cinco filhos, o maior com oito anos, foram levados para a Cadeia da Relação, situada no subsolo da Câmara Municipal de Salvador. O Desembargador Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto determinou a entrega das crianças aos parentes, no entanto a esposa ficou retida por mais de um mês. Com o insurgente, apreendeu-se certa quantidade de pólvora. No início, fingiu demência, porém, examinado pelos médicos, estes concluíram pela sua higidez mental. Somente, a 11 de setembro, admitiria a participação no Movimento.
Luis de França Pires foi o primeiro a confessar o envolvimento na Insurgência, no dia 29 de agosto. Irmão de Francisca, amante de Lucas Dantas, ele era escravo alfaiate de Maria Francisca da Conceição Aragão, madrinha de Manuel Faustino.
Em 30 de agosto, o Soldado Romão Pinheiro, que esteve na reunião do Dique, passou a ocupar um das celas (cubículos denominados “segredos”) da Cadeia do Tribunal.
O Tenente José Gomes de Oliveira Borges, um dos que acompanharam o Comandante Larcher, na sua estada em Salvador, ao ser interrogado a 06 de setembro, embora estivesse na Cadeia desde 26 de agosto, descreveu como os rebeldes se reconheciam: barba crescida até o meio do queixo; brinco na orelha; e búzio na corrente do relógio.
Dentre os encarcerados no dia 19 de setembro, achava-se Cipriano José Raimundo Barata de Almeida. Contestador emérito, era Cirurgião e graduado em Filosofia, na Universidade de Coimbra. Houve apreensão, na sua residência, de um caderno com anotações, além de trinta e cinco livros. Negou a vinculação à Conjuração.
Em 03 de outubro, José de Freitas Sá Couto, comerciante de ouro, já detido, delatou alguns integrantes da Revolta e recebeu, como prêmio, um passaporte para sair de Salvador.
Contudo, o Padre José da Fonseca Neves, português, enviou uma carta para Lisboa, informando acerca do acontecido e criticando a apuração, mormente no tocante à inação quanto aos ricos e poderosos. Outro denunciante, Manuel Antônio de Jesus, também encaminhou notícia, sobre os fatos, à Metrópole.
No dia 20 de dezembro, em Rio de Contas, as forças de segurança prenderam Francisco Muniz Barreto de Aragão, Professor de Gramática Latina. Trazido a Salvador, disse que possuía livros e textos, cujas cópias foram apreendidas nos domicílios dos revoltosos. Queria se casar com a madrinha de Manuel Faustino; este o delatou.
Diante da propalada desídia da apuração, uma Carta Régia, de 22 de dezembro, ordenou investigação rigorosa.
A última prisão deu-se a 04 de janeiro de 1799 e alcançou o Tenente Hermógenes Francisco de Aguillar, também designado para fiscalizar os passos do Comandante Larcher, e o que mais absorveu os ideais da Revolução Francesa. Até então, estava sendo protegido pelos superiores. Em sua casa, havia vinte e seis livros e cópias de manuscritos. O Desembargador Costa Pinto reconheceu sua letra. O militar negou o aliciamento de rebeldes, todavia foi contrariado por Lucas Dantas, que, depois de uma acareação, refluiu, alegando confusão mental, em virtude do ferimento na cabeça. O Magistrado desconfiou de conversas entre eles e determinou uma inspeção na Cadeia da Relação, através da Portaria de 16 de fevereiro de 1799. O Tenente se passou por louco, e os médicos que o examinaram manifestaram-se de forma discrepante. Ele não voltou a ser interrogado.
O próprio Ministro da Justiça de Portugal, Rodrigo de Souza Coutinho, no Ofício de 09 de janeiro de 1799, asseverou que “havia na Bahia muita frouxidão e falta de firmeza no seu governo, o qual seria responsabilizado pelos efeitos dessa negligência e de suas consequências perniciosas”. Pugnou pela união de todos em prol da Justiça, com punição severa.
O rico comerciante Francisco Agostinho Gomes, que oferecia banquetes, não foi recolhido ao cárcere, mas o Governador editou Portaria, de 14 de janeiro de 1799, determinando que o Desembargador Avelar de Barbedo instaurasse uma Devassa, a fim de apurar a sua simpatia pela República da França (o que era denominado “francezia”), bem como a organização de um jantar com carne em plena Sexta-feira Santa, conduta herética e criminosa. Portugal intercedeu por ele, pois era um culto poliglota. Ao final, o Magistrado arquivou o apuratório.
Na sequência, o Governador respondeu ao Ministro da Justiça português, a 12 de fevereiro de 1799, informando que a Conspiração configurava “associação sediciosa de mulatos, não tendo concorrido pessoas de consideração”, e, sim, “pessoas insignificantes”, “indivíduos quase todos de classe ordinária”.
Em março de 1799, editou-se uma nova Carta Régia. Portugal impôs maior rigor contra os “Partidistas Franceses”, “pessoas infectas de princípios jacobinos”.
Com o recrudescimento sobre os mais abastados, providenciou-se a ouvida de comerciantes, servidores do Reino, militares e donos de terras, suspeitos de colaboração. Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão, proprietário dos Engenhos Guaíba e Desterro, que escondeu fugitivos, prestou depoimento, bem como o intelectual Antônio Lisboa. Outros implicados deixaram Salvador, como José Borges de Barros, que viajou para Londres.
Concomitantemente, a pressão recaiu sobre alguns presos, para livrarem as pessoas ilustres. Lucas Dantas, em novo interrogatório, inocentou o Tenente Hermógenes e o Professor Muniz Barreto.
As duas Devassa resultaram em trinta e cinco processados (trinta e três presos e dois foragidos).
Dez escravos estavam incluídos entre os acusados. Um deles, Antônio José, morreu na Cadeia da Relação, em 29 de agosto, no dia seguinte ao seu recolhimento. Suspeitou-se de envenenamento, devido aos episódios de vômito, porém o exame médico descartou tal hipótese. Quatro eram menores de vinte e um anos, para os quais nomeou-se, como Curador, o Bacharel José Teixeira da Mata Bacelar,
Cinco mulheres apoiaram a Conjuração, entretanto não foram processadas: Luíza Francisca de Araújo, Lucrécia Maria Gercent, Domingas Maria do Nascimento, Ana Romana Lopes e Vicência.
O ourives Luís Pires e o comerciante Pedro Leão Aguillar, este irmão do Tenente Hermógenes, fugiram. A mãe do primeiro, Damásia, permaneceu privada de liberdade, como retaliação, vários meses.
De agosto de 1798 a março de 1799, os Desembargadores Avelar de Barbedo e Costa Pinto apuraram, respectivamente, a autoria dos avisos sediciosos e a ocorrência da reunião no Dique do Tororó, praticando os seguintes atos: reconhecimentos, interrogatórios, oitivas de testemunhas, perícias, buscas e apreensões, acareações, exames de sanidade mental, expedições de cartas precatórias, bloqueios de valores e confiscos de bens. Segundo as Ordenações Filipinas, as duas Devassas serviriam de base para o julgamento. Não haveria instrução no Tribunal, apenas complementação de diligências, a pedido da defesa, que só teria acesso aos autos após o relatório das investigações, com o enquadramento nos tipos penais.
Em 09 de março de 1799, o Tribunal da Relação se reuniu para examinar a pronúncia dos réus. Os trinta e três presos ainda cultivavam a esperança de absolvição ou aplicação de penas leves, considerando que a Revolução não havia sido desencadeada. Desconheciam que Portugal exigia castigo exemplar: a morte.
Desembargador Lidivaldo Reaiche*
Fontes de pesquisa:
Burocracia e Sociedade Colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – Stuart Schwartz – Ed. Companhia Das Letras
Crônica do Viver Baiano Seiscentista – Obras Completas de Gregório de Matos – O Boca do Inferno – Ed. Janaína
História do Brasil – 1500-1627 – Frei Vicente do Salvador
Carta Ânua – Antônio Vieira
A Relação da Bahia – Affonso Ruy
História Geral do Brasil – Visconde de Porto Seguro
Memória da Justiça Brasileira, volume 1 – Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia – Anotações de Braz do Amaral – Inácio Accioli de Cerqueira Silva
Dicionário dos Desembargadores – 160-1834 – José Subtil
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – 410 anos fazendo história
Notícia Geral desta Capitania da Bahia – José Antônio Caldas
História da Sedição Intentada na Bahia em 1798 – Luis Henrique Dias Tavares
Da Sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia – Luís Henrique Dias Tavares
Autos das Devassas da Conspiração dos Alfaiates – Arquivo Público do Estado da Bahia
Instituto Búzios – A Conjuração Baiana de 1798 – Revolta dos Búzios – Liberdade, Fraternidade e Igualdade.
*O Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto retrata a História do Tribunal da Bahia, desde a época que funcionou como o Tribunal da Relação. Estudioso e pesquisador do tema, o Desembargador Lidivaldo é Presidente da Comissão Temporária de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis) e membro da Comissão Permanente de Memória.