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RUY BARBOSA E O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DA BAHIA – A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
14 de agosto de 2023 às 14:04
RUY BARBOSA E O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DA BAHIA – A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

A família Barbosa, portuguesa, oriunda do Porto, se dedicava às atividades forenses no Brasil. O patriarca, o Sargento-mor de ordenanças, Antônio Barbosa de Oliveira, exercera a titularidade de um cartório de ofício, em Salvador. O tio avô de Ruy, José Barbosa de Oliveira, foi o combativo e corajoso defensor dos quatro integrantes da Revolução dos Alfaiates (Revolta dos Búzios), enforcados na Praça da Piedade, em 08 de novembro de 1799. Graduado em Coimbra,  foi disponibilizado pela Santa Casa de Misericórdia, que atuava na defesa dos réus pobres. Ele interpôs todos os recursos até a véspera da execução. Bacharel também formado em Coimbra, Albino José Barbosa de Oliveira, primo de João José Barbosa de Oliveira,  pai de Ruy, seria Desembargador no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, a partir de 1842.

O genitor de Ruy revelava a vocação familiar, mormente na oratória, mas, na capital baiana, só havia a Faculdade de Medicina, e sua mãe, viúva com prole de oito filhos, não dispunha de condições financeiras para enviá-lo a Recife, onde poderia cursar Direito. Restou-lhe a carreira médica. Ainda estudante, com vinte anos,  aderiu à Sabinada, em 1837. Foi preso, processado e absolvido, no ano de 1838, bem como seu primo, Luiz Antônio Barbosa de Almeida,  Advogado, irmão de sua futura esposa, Maria Adélia Barbosa de Almeida.

O casamento ocorreu em 29 de julho de 1848, celebrado pelo Arcebispo D. Romualdo Antônio de Seixas. Luiz Antônio inseriu o cunhado, João José,  na política, como membro do Partido Liberal.

Ruy nasceu no dia 5 de novembro de 1849, na antiga Rua dos Capitães, Freguesia da Sé, no Centro de Salvador (atual Rua Ruy Barbosa).  Seu pai havia concluído o mandato de Deputado Provincial,   todavia não conseguiu reeleger-se.  A 31 de julho de 1851, nasceu Brites. A família enfrentou dificuldades financeiras e a mãe iniciou a venda de doces sob encomenda, para ajudar no orçamento doméstico.

Alfabetizado pelo genitor, exigente nas cobranças, aos cinco anos, Ruy, com a sua inteligência, surpreendeu o Prof. Antônio Gentil Ibirapitanga. João José,  exímio  tribuno, treinava oratória com o filho, que passou a declamar trechos dos clássicos.

João José viu frustrado seu desejo de ser professor da Faculdade de Medicina e foi nomeado para dirigir um Posto Sanitário entre a Ladeira de São Bento e a Rua dos Capitães. Na sequência, assumiu o cargo de Diretor-Geral do Ensino Provincial (equivalente a Secretário de Educação). Ele iria entabular uma grande reforma na instrução pública. No ano de 1859, representou o Partido Liberal, saudando o Imperador Pedro II, em visita a Salvador, que lhe outorgou a Comenda da Rosa.

Ruy ingressou no Ginásio Baiano, do famoso educador Abílio César Borges, em 1860, e, ali, conheceria Antônio Frederico de Castro Alves. No estabelecimento educacional, este se destacava nos saraus literários, recitando versos próprios. A Ruy, sem chance de competir, cabia a admiração pelo jovem e alegre poeta.

João José se elegeu Deputado Geral, em 1863. No Rio de Janeiro,  hospedava-se na casa de Albino. Contudo, no ano seguinte, um racha no Partido Liberal iria agastar a amizade entre João José e Luiz Antônio, pois o primeiro aderiu à nova ala progressista dissidente e o segundo permaneceu fiel à antiga agremiação partidária.

No dia 3 de novembro, Luiz Antônio assumiu a Presidência da Província da Bahia, e, em dezembro, Ruy concluiu o ginásio, com quinze anos, recebendo uma Medalha de ouro do Arcebispo D. Manuel Joaquim da Silveira. Ele já poderia lecionar Matemática e Filosofia, mas teria de completar dezesseis anos para ingressar na Faculdade de Direito de Recife, onde já se encontrava Castro Alves. Enquanto isso,  dedicou-se à língua alemã.

Finalmente, aproveitando que o pai havia progredido  financeiramente, Ruy iniciou os estudos jurídicos, em 12 de março de 1865, indo residir no Mosteiro de São Bento de Olinda, quando pensou em abraçar a vida religiosa. Depois, mudou-se para Recife.

Na Faculdade, reviu Castro Alves e participou de uma associação acadêmica, a Sociedade Abolicionista, ao lado de seu conterrâneo.

Nos primeiros meses de 1866,  João José rompeu com seu cunhado Luiz Antônio. Ruy ficou ao lado do pai e escreveu uma carta contundente para o tio, tornando-se seu desafeto.

Maria Adélia, triste com a desunião familiar, não suportou o infortúnio e faleceu aos 49 anos, no dia 16 de junho de 1867. Ruy sofreu, imensamente, com a perda materna, principalmente, por não ter podido comparecer ao sepultamento. Deprimido, ele apresentou enfermidade não identificada. Nas férias, de volta à Bahia, encontrou a casa vazia.

Sentindo-se injustiçado por haver recebido uma nota R (regular), na disciplina do Professor Drummond, transferiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo. Após haver descansado em Salvador, seguiu em direção à capital paulista, no mês de março de 1868, antes desembarcando no Rio de Janeiro, a fim de conhecer o primo Albino, já Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Coincidentemente, no navio que o levaria ao Porto de Santos, ele encontrou Castro Alves, que acompanhava Eugênia Câmara nas apresentações cariocas da peça Gonzaga (já havia sido exibida no Theatro São João, em Salvador), e iria encená-la em São Paulo. Ali, o poeta resolveu retomar os estudos jurídicos.

Ruy aderiu ao Ateneu Paulistano, entidade acadêmica de incentivo às artes, que discutia os problemas sociais, presidida por Joaquim Nabuco, fundador do Jornal “A independência”, no qual iria escrever e, também, colaboraria com outros periódicos.

Em 1868, ao lado de Castro Alves, Ruy declamou poemas em homenagem ao Dois de Julho (Data Magna da Bahia). Além disso, iniciou-se na Maçonaria, frequentando a Loja América, presidida por Luiz Gama, e publicou a poesia  “A Humanidade”. Tinha 18 anos e participaria de muitos eventos, saudando os militares brasileiros que lutaram na Guerra do Paraguai.

Com a dissolução do Parlamento, João José perdeu o mandato de Deputado Geral e, em seguida, foi demitido do cargo de Diretor-Geral do Ensino Público na Bahia.  Para manter o filho em São Paulo, contou com ajuda de amigos.

Ruy discursou em homenagem a José Bonifácio, o Moço,  no dia 13 de agosto, com grande repercussão.  Assumiu a Presidência do Ateneu Paulistano e envolveu-se com a política. No final do ano, de férias, viajou para sua terra natal.

No ano de 1869,  João José instalou uma olaria no subúrbio de Plataforma, em Salvador.

De volta a São Paulo, considerando a escravidão uma abominação moral, Ruy, membro do Clube Radical, publicou no Radical Paulistano, o artigo “A Emancipação  Progride”, e,  naquela entidade,  ministraria a palestra “O Elemento Servil”, defendendo a libertação dos cativos a partir de 1831, quando sancionada a primeira Lei de Proibição do Tráfico.

Em 1870, de férias na capital baiana, publicou artigos no Diário da Bahia, do Conselheiro Manoel Dantas, íntimo da família, que havia sido Presidente da Província, genitor do melhor amigo de Ruy, Rodolfo Dantas.

João José, sem muitos recursos, mudou-se para Plataforma. Doente, Ruy requereu que sua graduação fosse antecipada para o mês de novembro. Ao retornar, já Bacharel, passou a residir naquele subúrbio.

Com os diagnósticos de seu estado de saúde imprecisos, Ruy não pôde atuar como Advogado, porém ingressou, em 1871, no Partido Liberal e apaixonou-se por Brasília Silva, irmã de um político, romance não aprovado por João José. Não demorou muito e ele terminou o namoro.

Para exercer a advocacia, Ruy se habilitou perante  o Tribunal da Relação da Bahia, que expedia a autorização, à vista do diploma. A sede da Corte de Justiça estava instalada em um casarão na Ladeira da Praça, pois o antigo sobrado havia sido demolido para a construção do Ascensor Hidráulico da Conceição (atual Elevador Lacerda).

No primeiro caso digno de registro, Ruy, em substituição ao Promotor Público José Ferreira da Silva (estava impedido de funcionar), a 20 de janeiro de 1872, foi nomeado Promotor Adjunto no processo cujos réus eram os autores de uma tentativa de roubo na Tesouraria-Geral da Província.

No dia 13 de fevereiro, o Jornal da Bahia publicou o seguinte anúncio: “ADVOGADOS – CONSELHEIRO DANTAS E BACHAREL LEÃO VELOSO – PODEM SER PROCURADOS EM SEU ESCRITÓRIO À RUA DOS COBERTOS GRANDES, Nº 48 – 1º ANDAR, ONDE TRABALHAM TAMBÉM OS BACHARÉIS RUI BARBOSA E CASTRO LOUREIRO”.

João José vendeu a propriedade de Plataforma e se mudou para o Centro, nas proximidades do Diário da Bahia, localizado no Solar Conde de Passé, no Largo do Theatro (atual Praça Castro Alves), o que atraiu Ruy, mais ainda, para o jornalismo. Com vinte e três anos, tornou-se redator-chefe, sem remuneração. Ali, participou da campanha pela reforma eleitoral e se opunha ao Governo da Província.

No mês de agosto, Ruy teve  a única experiência no Tribunal do Júri, como  auxiliar da acusação, no caso envolvendo o defloramento de uma jovem pobre, quando conseguiu a condenação, no grau máximo, de Antônio Tavares da Silva Godinho, pessoa rica. A imprensa deu grande destaque. Em um discurso no ano de 1897, no Theatro Politeama, de Salvador, ele se referiria ao caso: “ FOI AQUI, NA BAHIA, A DESAFRONTA DA HONRA DE UMA INOCENTE FILHA DO POVO CONTRA A LASCÍVIA OPULENTA DE UM MANDÃO”.

Ainda em 1872, o médico piauiense Pedro Alvarenga, que  havia estudado na Faculdade de Medicina da Bahia e clinicava em Lisboa, amigo de João José, de passagem por Salvador, examinou Ruy, identificando profunda anemia e subnutrição.

No ano de 1873, ingressou no Conservatório Dramático da Bahia, que reunia intelectuais. No mês de julho, viajou para a França, ao lado de Rodolfo, cujo genitor patrocinou a viagem e acompanhou ambos no tratamento em uma  estação de banhos.

Quando retornaram a Salvador, já encontraram uma nova reorganização judiciária, pois o Decreto nº 2.342, de 6 de agosto de 1873, criara mais sete Tribunais da Relação nas seguintes Províncias: Pará, Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. O da Bahia, com a composição elevada para onze membros, manteve a jurisdição sobre Sergipe. Ademais, a navegação nas proximidades de Salvador, estava mais segura, desde 07 de setembro, com o funcionamento do Farol de Itapuã, fabricado na Escócia.

Ruy  apaixonou-se por Maria Rosa da Cruz, filha de um Tenente-Coronel da Guarda Nacional; contudo, João José, mais uma vez, se opôs ao romance.

No meado de 1874, a Moreira & Cia fabricava o rapé denominado “Arêa Fina” e utilizou envólucros semelhantes aos da Meuron & Cia, que fabricava o rapé “Arêa Preta”, solidificada no mercado. Esta requereu à Polícia uma busca, assim como publicou notas no Diário da Bahia, alertando sobre o ilícito.   Apreenderam-se mercadorias na fábrica e nas lojas. Ruy foi contratado pela empresa prejudicada. O gerente ofereceu queixa-crime contra os sócios da Moreira & Cia, aduzindo a prática do delito tipificado no art. 167 do Código Criminal de 1830. O 1º Promotor de Justiça interino aditou a queixa. A Moreira contratou o primo de Ruy,  Antônio Euzébio Gonçalves de Almeida, também sobrinho de Luiz Antônio. Entretanto, o Promotor titular, ao reassumir as funções, requereu a despronúncia, arguindo a ausência de criminalidade, além da nulidade do processo, resultante de falta de poderes especiais do signatário (gerente) para oferecer a queixa-crime. O Juiz Francisco Liberato de Matos discordou e pronunciou os querelados. Houve apelação para o Tribunal da Relação. Os litigantes acostaram pareceres de juristas. Debates ocorreram por meio da imprensa. A Moreira & Cia alegou que a Meuron & Cia não tinha exclusividade, confessando a concorrência desleal. Queria desclassificar a conduta de falsificação para fraude, pois esta não se encontrava enquadrada no Código Criminal. Logo, a queixa não poderia prosperar.

No Tribunal, o Relator foi o tio e desafeto de Ruy, LUIZ ANTÔNIO BARBOZA D´ALMEIDA, já DESEMBARGADOR,  que não declarou seu impedimento, malgrado parente de ambos os Advogados e compadre de um dos sócios da Moreira. No dia 28 de julho, em um acórdão sucinto, a Corte de Justiça deu provimento ao recurso, anulando o processo. Eis os termos do julgado: “PELA ILEGITIMIDADE DE SUA INICIAÇÃO E PELO VÍCIO DO SUMÁRIO QUE O TORNAVA IMPRESTÁVEL, PELA FALTA DE BASE, VISTO QUE NEM O CÓDIGO CRIMINAL, NEM NEHUMA OUTRA LEI QUALIFICOU DE DELITO O FATO EM QUE ASSENTOU O PROCESSO”.
Participaram do julgamento, o Relator, bem como os DESEMBARGADORES ERMANO DOMINGOS DO COUTO, MANOEL FELIPE MONTEIRO E O PRESIDENTE DO TRIBUNAL JOÃO ANTÔNIO DE VASCONCELOS.   O pai de Ruy ficou indignado e comunicou o fato ao Ministro Albino, no Rio de Janeiro. Os sócios da Meuron e outros industriais baianos enviaram um manifesto à Câmara de Deputados, narrando o episódio. Mais tarde, já sem a participação de Ruy, o acórdão seria modificado.

Existia um debate sobre a reforma eleitoral e Ruy foi convidado para inúmeras palestras, inclusive no Theatro São João, onde defendeu a eleição direta.

No dia 29 de novembro de 1874, João José faleceu, deixando seis  escravos e muitos credores,  totalizando dívida de doze contos de réis. Antes de morrer, pediu a Ruy para avisar a Luiz Antônio que gostaria de reconciliar-se com o cunhado, o que ocorreu. Ruy permaneceu afastado do tio e assumiu as dívidas do pai, como se dele fossem. Tinha vinte e cinco anos.

Por influência do Conselheiro Manoel Dantas, Ruy substituiu o pai na Santa Casa de Misericórdia da Bahia, como Secretário e, no dia 28 de abril de 1875, prestou juramento como  inventariante dos bens e dívidas deixados por ele. Requereu: a adjudicação para pagamento do funeral; a cessão à irmã da escrava Rute; e a desistência como credor de Brites, pois iria quitar os débitos do falecido. Os autos originais estão no Arquivo Público do Estado, com petições elaboradas e assinadas por Ruy. Foram localizados pelo jurista e biógrafo Rubem Nogueira.

Outrossim,  funcionou, também, em 1875, na demanda de Eleutério Alves de Carvalho Mendes, que litigou com Francisco Leolino da Veiga e sua esposa, envolvendo uma questão de terras. Ruy sustentou a impropriedade da ação (fimium regundorum – demarcatória), em vez da reivindicatória. Não há notícias do julgamento.

Decepcionado com o foro baiano, em um dos seus desabafos,  declarou: “A ADVOCACIA DESTA PROVÍNCIA  MENDIGA, E DIA A DIA DECAI, DESANIMA DURAMENTE, COMO TUDO NESTA DESGRAÇADA BAHIA. VEJO-ME, PORTANTO, CONTINUAMENTE, NOS MAIORES APUROS E SE DELES ME TENHO SAÍDO, SABE À CUSTA DE  QUANTA SEIVA DE UMA VIDA, QUE NESTE ANO SÓ SE TEM ESGOTADO, COMO EM DEZ, VOU ARRASTANDO ESTE FARDO”.

Ele acrescentaria que ajuizava ações e produzia memoriais. Nos dois anos iniciais, a média era de quatro contos de réis, e foi diminuindo. Só se recuperou quando já pensava em deixar Salvador.

Ruy publicou um folhetim, no Diário da Bahia, de sua autoria, denominado “Pelos Escravos – Às senhoras Baianas”, e libertou Ananias.

Em 8 de dezembro, morreu a noiva Maria Rosa, de tuberculose, aos dezessete anos, o que representou um duro golpe contra Ruy, acolhido pelo amigo de seu pai, Conselheiro Salustiano Ferreira Souto, em cuja residência conheceu aquela que seria sua noiva, Maria Augusta Viana Bandeira (Cota), com vinte anos.  Brites ficou com a tia paterna Maria Leonor.

Ruy contraiu um empréstimo, avalizado por Manoel Dantas, para preparar o enxoval da irmã, que se casaria com o negociante João Januário da Silva Lopes.

A advocacia de Ruy, em Salvador, não era promissora. Seus detratores espalhavam que sua erudição prejudicava as causas que, de simples, viravam complexas.  Maria Augusta reconheceu que a vida do noivo se resumia a “combates estéreis, ódio, inveja e discussão com o tio Luiz Antônio, que dificultava o caminho de Ruy.” Incentivado por ela, que pediu dinheiro emprestado ao Conselheiro Salustiano para a viagem,  o Advogado tentaria a vida no Rio de Janeiro, buscando novas oportunidades. Tinha vinte e seis anos e partiu no dia 24 de maio de 1876. Escreveu muitas cartas, reunidas no livro “Cartas à Noiva”.  Residiu com o primo Albino e trabalhou no escritório de Antônio Alves de Sousa Carvalho, o Visconde de Sousa Carvalho. Os jornais liberais saudaram a chegada do baiano, como exímio tribuno. Gerou grande repercussão, quando discursou no jantar oferecido pelo Barão de Cotegipe ao Ministro do Chile, Guilherme Blest Gana. Em outro evento, na Loja Maçônica Grande Oriente, discorreu sobre “a Igreja e o Estado”.

Ruy enfrentaria boatos de que não casaria com Maria Augusta. Esta ouviu comentários que ele era muito intelectualizado. Em carta à amada,  atribuiu as aleivosias ao tio, DESEMBARGADOR LUIZ ANTÔNIO. Retornou a Salvador e casou no dia 23 de novembro de 1876, na residência do sogro. Iriam morar na rua Direita da Piedade. O casamento foi celebrado pelo Cônego José Félix Pereira d´Araújo. Passou a lua de mel em Nova Friburgo, quando contraiu tifo.

O casal retornou a Salvador, em junho de 1877,  tendo ele reassumido o cargo de Secretário da Santa Casa, bem como a direção do Diário da Bahia, melhorando a linguagem, menos prolixa.

Antes de casar, já tinha traduzido o livro “O Papa e o Concílio”, de Dollinger, cujo prefácio era maior do que o texto. Com receio de não encontrar sacerdote que celebrasse o enlace matrimonial (não havia casamento civil), pediu para que a publicação só ocorresse após a cerimônia. O lançamento, em julho, desagradou à Igreja Católica, pois criticava a infalibilidade do Papa

Na sequência, requereu demissão da Santa Casa e reabriu o escritório de advocacia.

Pedro II e a Imperatriz, no dia 23 de setembro de 1877, desembarcaram em Salvador, retornando de uma viagem à Europa e ao Oriente Médio, na qual visitaram o Líbano, a Síria e a Palestina. O  Imperador convidou os árabes, notórios comerciantes, a se instalarem no Brasil.

Ruy atuou na defesa do Guarda-Mor da Alfândega da Bahia, José Gonçalves Martins. O 1º Promotor Público do 2º Distrito Criminal, Eduardo Ramos,  imputou-lhe a responsabilidade pelo desaparecimento de alguns volumes de mercadorias (peças de couro), que deveriam ter sido embarcadas no vapor “Cornélia Abrahmina”. Só chegou, ao porto de Havre,  parte da carga de péssima qualidade. Os memoriais de Ruy são de 24 de setembro de 1877, no entanto, seu cliente e o capitão do navio holandês, Jan Stimer, foram condenados pelo acórdão publicado em 23 de maio de 1878.

Após o Partido Liberal recuperar o poder, Ruy elegeu-se  Deputado Provincial e, no dia 2 de junho, em Salvador, nasceu sua primeira filha, Maria Adélia. Rodolfo Dantas seria o padrinho.  A família, residia no primeiro andar de um casarão, sobre uma farmácia, na rua Direita da Piedade.

A crise do abastecimento da farinha, levou Ruy Barbosa e Antônio Euzébio, também Deputado pelo Partido Liberal, a debaterem na Assembleia Provincial. Ruy discursou no dia 27 de junho acerca da liberdade comercial, texto impresso e divulgado pela tipografia do Diário da Bahia. No pronunciamento, citou o tio, criticou a outra ala do Partido Liberal e foi aparteado pelo primo.

No calor da disputa política, a 15 de julho, houve a distribuição do apelo, referente ao caso do Guarda-Mor,  perante o Tribunal da Relação da Bahia, figurando como Relator o DESEMBARGADOR LEOVIGILDO FILGUEIRAS. Quatro dias depois, o recurso de Ruy foi julgado improvido. A rapidez causou estranheza. Três outros envolvidos obtiveram absolvição, mantida mesmo com a apelação interposta pelo Promotor.

O DESEMBARGADOR LUIZ ANTÔNIO continuava prejudicando Ruy na Corte de Justiça e na imprensa, apoiando Antônio Euzébio, com carta publicada no Jornal “O Monitor”, em 13 de agosto. Ruy respondeu, contundentemente, no dia seguinte, no Diário da Bahia, resposta veiculada  mediante o Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, a 23 de agosto. Houve reação da sociedade que não via, com bons olhos, a briga entre os parentes.

No mês de setembro, Ruy foi eleito Deputado Geral.  No final do ano, deixou Salvador com a família e na companhia do seu benfeitor, Conselheiro Salustiano.

Em 1879, veio ao mundo, no dia 10 de junho, Alfredo Ruy.  O casal ainda teria mais três filhos. De férias, na capital baiana, optaram por residir no Corredor da Vitória, nº 224.

A 13 de setembro, o Tribunal da Relação da Bahia mudou-se para um casarão alugado na antiga Rua do Palácio (atual Rua Chile), nº 17, onde, posteriormente, seria instalada a Loja Duas Américas.

Com o fim do mandato, Ruy retornou a Salvador e reabriu o escritório.

Na carta enviada a Antônio Jacobina, genro de Albino, asseverou: “PRECISO DE UM ANO DE ADVOCACIA, A FIM DE VER SE REPARO ALGUMAS AVARIAS DESTE CASCO TÃO ARROMBADO PELOS SACRIFÍCIOS QUE A POLÍTICA IMPÔS”.

Em outra missiva, realçou : “O FORO ESTE ANO TEM SIDO MISERÁVEL, E APESAR DE TERMOS CAUSAS, ALGUMAS DAS QUAIS PERMITEM RESULTADOS, AINDA NÃO COMEÇOU A PINGAR PARA O NOSSO ESCRITÓRIO. JUNTE TUDO ISSO E CALCULE O QUE NÃO DEVE TER SIDO AQUI A VIDA DO SEU POBRE AMIGO.”

Apesar da insatisfação, havia progredido.

No dia 6 de julho de 1881, no decenário da morte de Castro Alves, Ruy foi escolhido orador no Theatro São João, com o discurso “Elogio do Poeta”. Em  outra solenidade, no Ginásio São José, outrora Ginásio Baiano, no qual ambos estudaram, homenageou o amigo. Na ocasião, foi inaugurado um retrato do falecido. Os estudantes encenaram a peça “O Poeta dos Escravos” e o diretor, João Florêncio Gomes, lançou uma campanha, para que cada aluno convencesse a família a conceder a alforria de um cativo, até o fim daquele ano.

Na campanha eleitoral, no dia 10 de agosto,  dentre outros assuntos, Ruy pregou a reforma judiciária e a autonomia dos Municípios. No mês de  dezembro, em um segundo escrutínio (os candidatos não tinham alcançado o quorum mínimo), elegeu-se, mais uma vez, Deputado Geral e partiu com a família para o Rio de Janeiro.  Ali, integraria o escritório de advocacia de Rodolfo Dantas e Sancho Pimentel.

Na Câmara dos Deputados, no dia 13 de abril de 1882, como Relator do Projeto de Lei de Reforma do Ensino Secundário e Superior e, a 12 de setembro, do Projeto de Lei de Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições da Instrução Pública, Ruy apresentou seus pareceres com propostas avançadas, o que provocou debates e o interesse do próprio Imperador, que o agraciou com o Título de Conselheiro do Império, em 31 de maio de 1884, pelos relevantes serviços prestados à causa da educação. No mês de outubro,  Pedro II o convidou para explicar as suas ideias, quando teceu vários comentários, todos registrados.

Antes de quitar a última dívida deixada pelo genitor, Ruy libertou Lia, sua última cativa, a  1º de junho.  Ele redigiu o Projeto de Lei nº 48, de emancipação dos escravizados, com a colaboração do Imperador. No dia 15 de julho, o também Deputado Rodolfo Dantas, cujo pai, Manoel Dantas, era o Presidente do Conselho (espécie de Primeiro Ministro), apresentou a proposta, tendo Ruy sido designado Relator. Acusaram-lhe de comunista. Na votação, com 59 votos contrários e 52 favoráveis, o Projeto foi rejeitado.

Diante do novo Gabinete, Ruy perdeu a eleição como candidato ao Senado pela Bahia. Contra ele, a Igreja Católica e os fazendeiros escravocratas, ou seja, “Fé e escravidão”. Seria derrotado nos pleitos seguintes, no Império,  e continuaria lutando pela emancipação.

Em 1887, Antônio Afonso de Carvalho, Presidente da Província da Bahia, tentou transferir o Tribunal da Relação da sede localizada na Rua Chile para o Palácio do Governo, porém o Ministério da Justiça não autorizou.

Em junho, D. Pedro II viajou para a Europa, a fim de se submeter a tratamento de saúde. A Princesa Isabel, engajada na abolição da escravatura, permaneceu como Regente.

A luta abolicionista se intensificou e, a 29 de abril de 1888, em Salvador, Ruy discursou no Theatro São João, na solenidade promovida pela Sociedade Libertadora Baiana, pregando a Federação e criticando a centralização do governo imperial.

No dia 8 de maio, o Ministro da Agricultura, Rodrigo Silva, enviou à Camara o Projeto de Lei que emanciparia os escravizados. A partir da publicação da notícia nos jornais, alguns fazendeiros se anteciparam e libertaram os cativos, pois temiam o abandono da produção nas propriedades. Outros estavam céticos, afinal o Gabinete era chefiado pelo Barão de Cotegipe, baiano e ferrenho opositor à libertação. Na véspera da votação, as sociedades abolicionistas  estiveram nas ruas de Salvador, em vigília. Finalmente, no dia 13 de maio, foi sancionada a Lei nº 3.353 (Lei Áurea),  apenas com dois artigos, sem a previsão de nenhum benefício ou qualquer política pública em prol dos recém-libertos.  A informação foi transmitida por telégrafo.

Na capital baiana, a abolição foi recebida com júbilo. Populares retiraram os caros do Caboclo e da Cabocla, já na Lapinha, e os conduziram, em festa, até a Praça do Palácio. As lojas não funcionaram. Discursos sucediam nas instituições. Feriado festivo, não previsto, misto de Carnaval e comemoração do Dois de Julho. Não demorou muito para o racismo contra os negros se ampliar. Acusados de vadiagem e furtos, muitos foram presos ilegalmente. Conservadores pediam à Polícia rigor com os ex-escravizados, o que perduraria no tempo contra os seus descendentes.

D. Pedro II retornou ao Brasil em agosto e, sem o apoio dos proprietários de terras, viu o movimento republicano se fortalecer. A imprensa colaborou com divulgação de notícias que foram minando a credibilidade do sistema monárquico.

A 22 de maio, o meteorito Bendegó foi exposto em Salvador, por cinco dias. Desde 06 de setembro do ano anterior, uma Comissão de Engenheiros, liderada por José Carlos de Carvalho, havia desembarcado na região de Monte Santo para removê-lo. Encontrado pelo menino Domingos de Motta Botelho, no mês de junho de 1784, que pastoreava o gado,  permaneceu nas imediações da localização por 104 anos, após a frustrada tentativa de retirada, quando o carro de boi que o transportava virou no riacho Bendegó. Ao longo das décadas, cientistas ingleses e alemães examinaram o objeto e extraíram pequenos fragmentos, encaminhados para os Museus de Munique, Berlim, Petersburgo e Copenhague.  O Imperador só soube da existência do achado em 1886, ao visitar a Academia de Ciências de Paris. O meteorito passou por Gameleira, Cansanção e Jacurici (Itiúba), quando foi levado, de trem, à capital baiana. Chegou ao Rio de Janeiro em 15 de junho, sendo recebido pela Princesa Isabel. Instalado, inicialmente, no Arsenal da Marinha da Corte, passou a constar do acervo do Museu Nacional, atingido por um incêndio no dia 2 de setembro de 2018, que não destruiu o corpo celeste. Existia um monumento, no sítio onde foi encontrado, com os nomes do Imperador, da Princesa, dos Engenheiros, do Ministro da Agricultura, dentre outros; todavia, anos depois, durante uma terrível seca, os sertanejos o destruíram, atribuindo a privação a um castigo divino, pela retirada do objeto que caiu do céu.

Durante o período em que advogou, no foro baiano, Ruy enfrentou adversidades que se prolongariam no tempo. Mesmo atuando no Rio de Janeiro, acompanhava alguns processos em Salvador.

Dos seus familiares juristas, o primo Albino tornou-se Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no ano de 1880, e seu tio Luiz Antônio foi nomeado Ministro da Excelsa Corte, em 1886.

Para Ruy, o destino reservaria a importante missão de estruturar a República que estava por vir.

Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

– Rui Barbosa – Cronologia da vida e da obra – Ministério da Cultura – Casa de Rui  Barbosa – Rio de Janeiro – 1999

– Dom Pedro II – viagens pelo Brasil  – Bahia, Sergipe e Alagoas – 1859 – Editora Letras e Expressões – Rio de Janeiro – 2003

– O Advogado Rui Barbosa – Momentos culminantes de sua vida profissional – Rubem Nogueira – Nova Alvorada – Belo Horizonte – 1996

– A vida de Ruy Barbosa – Luiz Viana Filho – ALBA Cultural – Salvador – 2023

– A saga de um meteorito encantado – Luciene Carris

Texto publicado: Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto