No XLIII Encontro de Corregedores Regionais Eleitorais do Brasil ocorrido em nossa capital, o desembargador Jatahy Junior, vice-presidente e corregedor do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE), disse em seu discurso de saudação que “Não é novidade para ninguém a grave crise política, moral, ética, social e econômica que se abateu sobre o Brasil nos últimos tempos, e que essa crise atingiu em cheio a classe política brasileira”. Ao chamar a atenção para o tamanho da crise, Jatahy afirmou que o “descrédito não se restringiu somente a essa classe, mas também a outras autoridades legalmente constituídas, o que é deveras preocupante”.
Responsável pela administração de um pleito que certamente ocorrerá num ambiente eleitoral bastante conturbado, o insigne corregedor reconheceu que o cenário é difícil, principalmente pela responsabilidade de “organizar, fiscalizar e garantir a lisura, o equilíbrio e a seriedade de um pleito para que o eleitor possa, livremente e em paz, escolher os seus candidatos, e que é de suma importância que surjam das urnas mandatários legitimados, fazendo retornar a esperança ao povo brasileiro”.
Em sua fala, o corregedor tocou num ponto extremamente sensível: a legitimidade dos nossos mandatários. Realmente, os protestos de rua demonstram que há uma crise de legitimidade em nosso atual sistema político. Como adverte o sociólogo espanhol Manuel Castels, existe uma rejeição aos partidos, e o clamor por transparência e participação demonstra que “a democracia atual deixou de ser democrática, segundo a maioria dos cidadãos do mundo”, e que “cabe às instituições encontrar novas formas de democracia, porque as que temos já estão esgotadas”.
Ora, uma nova forma de democracia exige nova forma de escolha, e isso passa pela necessidade de uma profunda reforma eleitoral. Poucos fatos integram o imaginário popular quanto o desinteresse político manifestado durante e após as eleições. Muitos eleitores sequer sabem em quem votou, e essa indiferença é, em si mesma, um sinal claro da crise de representatividade.
Tal problema, agudizado pelos inúmeros casos de corrupção, destrói por completo a já pequena credibilidade dos agentes do Estado, oferecendo enormes riscos à nossa democracia. Tenhamos em mente que o que constitui o ideal de um modelo representativo, concebido por autores como John Locke e vitorioso a partir da Revolução Francesa, é a legitimidade, base do equilíbrio da representação política e sustentáculo de inúmeras democracias no mundo, em particular no Ocidente.
Com efeito, a ideia de que o poder emana do povo implica que é na representatividade que os agentes políticos exercem suas prerrogativas, naturalmente por meio do consentimento do eleitor. A eleição de mandatários através do voto avulso seria o mecanismo por excelência da legitimidade da representação.
Essa realidade, admitida em teoria, não é vivenciada na prática. O povo, teoricamente soberano, só se envolve com a política de tempos e tempos, assim mesmo através de candidatos apresentados por partidos políticos. Assim, não é difícil perceber as razões da crise de representação. Na verdade, mantendo-se os mesmos meios de escolha, a situação só tende a piorar, pois uma concentração cada vez maior de poder nas mãos dos partidos em nada corresponde aos anseios popular.
A única saída possível consiste em impor uma nova ordem democrática, fortalecendo os mecanismos de escolha dos nossos representantes através das candidaturas avulsas, o que pode ser conseguido com o apoio da mídia, da sociedade e em encontros como esse, comandado pelo desembargador Jatahy Junior.
Com certeza, o XLIII Encontro de Corregedores da Justiça Eleitoral só não debateu o assunto devido às manifestações anteriores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, em várias oportunidades, afastou a possibilidade de candidaturas desvinculadas de agremiações partidárias sob o argumento de que só podem concorrer às eleições os filiados que tiverem sido escolhidos em convenção partidária (art. 7º ao 9º da Lei nº 9504/07).
Mas isso pode mudar: a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em parecer favorável, afirmou que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que não prevê a filiação a alguma legenda como requisito para ser votado, e, por isso, a Justiça Eleitoral deve permitir as candidaturas independentes.
Segundo o professor Roque Aras, já que as candidaturas dependem do atendimento de condições ou requisitos de elegibilidade (dentre elas a da filiação partidária do art. 14, § 3º, V da CF/88), basta que o STF, ao apreciar o Agravo em Recurso Extraordinário de nº 1.054.490-RJ, atenda ao parecer da procuradora, favorável às candidaturas independentes. Se isso acontecer, o eleitor terá a oportunidade de votar para presidente, nas próximas eleições, na provável candidatura de Ayres Brito, ex-ministro de nossa Suprema Corte e um dos melhores nomes da República. Só depende do Supremo.
Luiz Holanda é advogado e professor universitário