Depois da Independência do Brasil, as feridas provocadas pelos três séculos de domínio português ainda estavam abertas. Havia quem pregasse, abertamente, a expulsão dos lusitanos, considerados privilegiados com o acúmulo de cargos públicos e patrimônio. Ademais, era intenso o intercâmbio dos ideais entre baianos e pernambucanos, embora estes defendessem a República e aqueles a Monarquia Federalista.
Até mesmo o Tribunal da Relação da Bahia era provocado para apreciar impugnação ante o exercício do cargo de Juiz de Paz por estrangeiro.
A 04 de abril, uma manifestação antilusitana, liderada pelo Coronel Antônio Lopes Tabira, marchou do Forte do Barbalho em direção à Praça do Palácio e seguiu para o Forte de São Pedro. Predominava o descontentamento com a presença de portugueses no oficialato, inclusive do Comandante das Armas, João Chrisóstemo Callado.
A partir da abdicação de Pedro I, em 07 de abril de 1831, o desalento e a decepção se apossaram de parte da população, que viu ruir o ideal de um novo tempo. Outros festejaram, pois o considerava tirano. O Brasil seria governado por uma Regência, primeiramente Trina e depois Una, até o herdeiro Pedro de Alcântara atingir a maioridade. Ceticismo e apreensão se faziam presentes.
Em Salvador, o periódico “O Federal pela Constituição”, editado pela Sociedade Federal, e o jornal “Sentinella da Liberdade”, do cirurgião Cipriano Barata, divulgavam o Federalismo. Os federalistas baianos sempre lutaram pela autonomia da Província, diante do centralismo conservador da Corte Imperial do Rio de Janeiro, defendido pelos “unitários”. A instabilidade política resultou em distúrbios e inquietações.
Consequentemente, alegando doença, o DESEMBARGADOR LUIS PAULO DE ARAÚJO BASTOS, Visconde de Fiaes e Presidente da Província, renunciou em 07 de abril, sem saber, ainda, da abdicação do Imperador. Em seguida, o Comandante das Armas deixou o cargo. Além disso, o assassinato do brasileiro Victor Pinto de Castro, pelo português Francisco Antônio de Souza Paranhos, no dia 13 de abril, acirrou os ânimos. O Arcebispo Romualdo Antônio de Seixas era contrário à expulsão dos lusitanos, que tiveram estabelecimentos comerciais depredados e eram chamados de marotos. O Vice-Presidente da Província, DESEMBARGADOR JOÃO GONÇALVES CEZIMBRA, assumiu interinamente, a 15 de abril, quando o Conselho de Governo aprovou, em ata, a deportação. Todavia, refluiu e desautorizou tal medida.
Em 25 de abril, o Capitão Bernardo Miguel Guanaes Mineiro, natural de Rio de Contas, comerciante, Juiz de Paz de São Felix e Vereador de Cachoeira, solicitou à Câmara Municipal a deportação de todos os portugueses, inclusive clérigos, cirurgiões e boticários, que prestavam serviços e participavam ativamente da sociedade cachoeirana.
Na capital baiana, Cipriano Barata, que se encontrava em sua residência nas imediações da Cruz do Pascoal, e outros federalistas foram presos, a 28 de abril, pelo novo Comandante das Armas, Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, o Visconde de Pirajá.
Motins ocorreram no meado do mês seguinte, no Forte de São Pedro, bem como nos Quartéis da Mouraria e da Palma. A população temeu pela guerra civil. O Presidente Cezimbra, sucumbindo à pressão popular, por intermédio de um edital, de 14 de maio, determinou ao DESEMBARGADOR OUVIDOR-GERAL DO CRIME, CAETANO FERRAZ PINTO E NÓBREGA, Chefe da Polícia, a expulsão dos lusitanos. Entretanto, os proprietários de terras do Recôncavo se insurgiram, aduzindo que eles eram importantes para o desenvolvimento agrário. Ainda assim, dezenas deles foram obrigados a rumar para Portugal.
Tudo isso e o descontentamento popular com a gestão de Cezimbra geraram a sua deposição, tendo o DESEMBARGADOR LUIS DOS SANTOS LIMA respondido pelo Governo da Bahia, a partir de 15 de maio. Finalmente, o DESEMBARGADOR HONORATO JOSÉ DE BARROS PAIM, vindo do Rio de Janeiro, assumiu como Presidente da Província, em 26 de junho.
Os Soldados do Corpo de Artilharia, sediados no Forte de São Pedro e no Quartel dos Aflitos, a 31 de agosto, reivindicaram a demissão do Comandante das Armas (protestavam contra as péssimas condições de trabalho e de alimentação), tendo se apoderado do Depósito de Armamentos, localizado nas imediações. O Comandante preferiu pedir exoneração.
Com o agravamento da crise, o Presidente da Província, alegando doença, em 01 de setembro, quis renunciar, pois as revoltas não cessavam, no entanto permaneceu no cargo e leu uma mensagem no Conselho Geral, ressaltando a criação das Guardas Municipais.
A primeira Revolta Federalista ocorreu na manhã do dia 28 de outubro, quando parte do Batalhão n. 10 (cerca de quarenta militares, comandados pelos Capitães Francisco Antônio de Menezes, José Joaquim de Moraes e Álvaro Correa de Moraes), com grande participação de civis vindos do bairro de Santo Antônio Além do Carmo, ocuparam a Praça do Palácio e deram vivas à Federação. De lá marcharam para o Forte de São Pedro. Houve troca de tiros e prisões. Em razão disso, providenciou-se a reestruturação das forças de segurança.
A Inglaterra, objetivando a expansão dos seus manufaturados, gerados pela industrialização, e o aumento da massa consumidora, pressionava o Brasil para pôr fim à escravidão. Desejando agradar ao Império Britânico, o Parlamento Brasileiro aprovou, em 07 de novembro, a Lei Feijó (o Ministro da Justiça era o Padre Diogo Antônio Feijó), proibindo o tráfico de escravizados, tendo sido ignorada por todos e, jocosamente, apontada como “lei para inglês ver”.
Por intermédio de determinação do Ministério da Justiça, de 16 de novembro, os Juízes de Paz dos Distritos deveriam instruir os sumários (as antigas devassas ou investigações), podendo efetuar prisões.
A segunda Revolta Federalista, integrada por diversos membros da primeira insurreição, refugiados no Recôncavo, foi liderada por Bernardo Miguel Guanaes Mineiro. Eles se reuniam na moradia do líder ou na residência de Antônio da Rocha Passos, na Vila de São Félix. Em 17 de fevereiro de 1832, na Praça do Progresso, Guanaes Mineiro confirmou sua inclinação pelo Federalismo. No mesmo dia, o Presidente Honorato enviou mensagens às autoridades de Maragogipe e Itaparica, alertando para o Movimento.
No entardecer de 19 de fevereiro, Guanaes Mineiro e seus seguidores atravessaram o Rio Paraguaçu e dirigiram-se à Praça da Câmara Municipal de Cachoeira, com o apoio do Coronel Miliciano Rodrigo Antônio Falcão e outras personalidades. Era um grupo de, aproximadamente, trinta homens armados, que não encontraram resistência. Instalaram-se no Convento do Carmo ao lado do prédio da Câmara Municipal. Os Vereadores foram convocados para uma sessão extraordinária, no dia 20, e levados de suas casas para a reunião. Alguns não compareceram, resultando no chamamento de suplentes. No Paço, Domingos Guedes Cabral, jornalista, leu o manifesto federalista por ele elaborado, dispondo sobre vinte e quatro pontos. A separação seria a redenção do povo baiano, oprimido pela Regência. Propunha reformas em vários campos da gestão pública e do Poder Judiciário. Algumas medidas propostas eram antilusitanas.
Ato contínuo, instalou-se a “Federação de Guanaes”, um governo provisório, assim constituído: Capitão Bernardo Miguel Guanaes Mineiro, DESEMBARGADOR JOAQUIM JOSÉ RIBEIRO DE MAGALHÃES, Capitão Manuel da Paixão Bacellar e Castro, Capitão Manuel Ferraz da Motta Pedreira, Augusto Ricardo Ferreira da Câmara e o Coronel Rodrigo Antônio Falcão Brandão, Inspetor das Armas. Em seguida, Guanaes Mineiro determinou a expedição de ofícios, convocando-os para a assunção.
Em 21 de fevereiro, há registro, na ata da Câmara de Cachoeira, atestando que o DESEMBARGADOR JOAQUIM JOSÉ RIBEIRO DE MAGALHÃES, através de ofício, acusou o recebimento de expediente referente à sua nomeação, contudo noticiava que, tão logo “ficasse restabelecido da moléstia com que se achava”, tomaria “posse do referido governo”. Provavelmente, quis ganhar tempo, a fim de examinar a evolução da sublevação. Guanaes Mineiro enviou correspondência aos Juízes de Paz do Recôncavo, convidando-os para a insurgência.
Pelos princípios da rebelião, caberia uma reforma do Código de Processo Criminal, com as seguintes inovações (redação original):
“será imediatamente creado hum tribunal de jury universal, para sentenciar como primeira instãncia todas as causas civis e crimes, em o qual serão julgados indistintamente todos os cidadãos accusados de qualquer delicto, e toda a influência desembargatória será prohibida neste tribunal”;
“haverá também hum tribunal superior de justiça para decidir na última instância as causas civis e crimes, a fim de vedar as delongas dos recursos agitados com grandes sacrifícios fora da província;”
“o povo quer reformas na administração pública especialmente no judiciário, diminuindo-se o número de desembargadores e demitindo-se já todos os empregados que não jurarem obediência ao governo federativo…”
“a assembleia provincial reformará o código de processo penal, como nos convém, abrandando as penas, ficando extinta para sempre as prisões em navios ou presigangas;”
“os juízes de paz serão obrigados desde já a terem a vigilância e cuidado nos mendigos e jovens que andam vagando sem educação e civilidade, uns pela intensa pobreza e outros por desleixo de pais e tutores.”
O manifesto pugnava, também, pela alteração da Lei de Imprensa, com a extinção de qualquer tipo de censura. Malgrado a presença de escravos no Movimento, não havia previsão de abolição do sistema escravagista.
A reação não tardou. Instalaram-se bloqueios nas estradas e nos rios. Ricos fazendeiros se cotizaram para o enfrentamento, criando uma Caixa Militar da Lavoura e, com as autoridades, apressaram-se em suprimir a Revolta, organizando o “exército harmonizador”. O Presidente Honorato despachou armamentos para as Vilas do Recôncavo. Na resistência legalista, estariam os Tenentes-Coronéis Luiz da França Pinto Garcez e Joaquim José Velloso, bem como os Juízes de Paz de Cachoeira e São Gonçalo, Francisco Antônio Fernandes Pedreira e João Pedreira do Couto Ferraz, respectivamente. De Santo Amaro, o auto intitulado “Comandante da Força contra os rebeldes e anarquistas”, o Visconde de Pirajá, acompanhou a repressão, função assumida, posteriormente, por João Pedreira de Couto Ferraz. Outros resistentes foram o Senador Manoel Ferreira da Câmara e o Coronel Rodrigo Brandão, o Barão de Belém. O Presidente da Província ordenou o cerco de Cachoeira, e, no dia 22 de fevereiro, em pronunciamento, condenou a rebelião, que durou quatro dias, e preocupou-se com o alastramento da insurreição pelo sertão, tanto que ocorreram dezenas de prisões na área de Feira de Santana.
Houve troca de tiros, a 23 de fevereiro, nas proximidades do Rio Paraguaçu, com a morte de um indivíduo em São Félix, mas, na manhã do dia seguinte, as forças legalistas ocuparam Cachoeira. Finalmente, em 25 de fevereiro, a Câmara Municipal da Cidade Heroica anulou as atas do governo provisório. Celebrou-se o “Te Deum” (cerimônia religiosa), na Igreja Matriz, pela vitória contra os revoltosos, cujos líderes, presos, seguiram para a Fortaleza do Mar (Forte de São Marcelo); outros participantes fugiram.
Guanaes Mineiro foi localizado, em Maragogipe, e recolhido, inicialmente, no navio Presiganga (era a fragata Piranga, utilizada pelo Almirante Cochrane, nas lutas de 1823), ancorado na Baía de Todos os Santos, utilizado como prisão e temido por todos, tendo sido transferido, para a Fortaleza do Mar. Instaurou-se um procedimento apuratório, presidido pelo Juiz de Paz de Cachoeira, tanto que sucederam interrogatórios na nau presídio.
Em meio à ebulição federalista, o naturalista inglês Charles Darwin desembarcou na capital baiana, a 28 de fevereiro, após sessenta e três dias de viagem. Com vinte e dois anos, a bordo do navio Beagle, ele havia partido da Inglaterra, no dia 27 de dezembro de 1831, chefiando uma expedição científica. Visitou a Praça do Palácio, onde estava situado o sobrado do Tribunal da Relação. No início do Carnaval, a 04 de março, riu bastante das brincadeiras nas ruas. Em seu diário, escreveu sobre os horrores da escravidão. Encantou-se com a flora exuberante do atual subúrbio, onde coletou várias espécimes vegetais. O navio zarpou no dia 18 de março em direção a Abrolhos. Já no Rio de Janeiro, três integrantes da tripulação (o marujo Morgan, o adolescente Jones e o jovem Charles Musters) contraíram malária. O cientista Fitz-Roy desejava retornar à Bahia, para dirimir dúvidas sobre a longitude, e trouxe os doentes. Darwin permaneceu na Corte carioca. O primeiro enfermo morreu na viagem e seu corpo foi depositado no mar. Os dois outros faleceram em Salvador e estão sepultados no Cemitério dos Ingleses, na Ladeira da Barra. Darwin retornaria à Bahia no ano de 1836.
Em Cachoeira, o Juiz de Paz conduziu a investigação e, a partir do mês de março, ouviu 28 (vinte e oito) rebeldes.
A 09 de março, o Ministro Feijó enviou correspondência ao Presidente Honorato, cobrando punição: “E se algum magistrado for desleixado ou conivente, tolerar que a sociedade seja infestada de semelhantes abutres, tem V. Exa. nas leis o recurso contra tais prevaricações”.
Há um ofício do DESEMBARGADOR ANTÔNIO DA SILVA TELES, Presidente do Tribunal da Relação, encaminhado ao Presidente da Província, do dia 24 de março, relatando que, naquela data, insurgentes de Cachoeira tinham sido transferidos para as prisões de Salvador, especificando o Forte do Mar e a Fortaleza do Barbalho; as cadeias ficaram abarrotadas.
O Secretário de Negócios do Império, José Lino Coutinho, já havia externado receio com possível guera civil na Bahia, e o Ministro Feijó solicitou informações, a 05 de abril. Ato contínuo, destituiu-se o Presidente da Província, DESEMBARGADOR HONORATO JOSÉ DE BARROS PAIM, nomeando-se para o referido cargo, no dia 13 do mesmo mês, o DESEMBARGADOR JOAQUIM JOSÉ PINHEIRO DE VASCONCELOS, empossado em 04 de junho. O novo Comandante das Armas seria Alexandre Gomes de Argolo Ferrão.
Para dar suporte ao Código Criminal, a Lei de 29 de novembro instituiu o Código de Processo Criminal da Primeira Instância, fortalecendo o Tribunal do Júri.
A 01 de dezembro, o Presidente da Província comunicou ao novo Secretário dos Negócios do Império, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que reinava a calma na Bahia, após reforço da segurança, embora, nos dias seguintes, tenham circulado panfletos federalistas, em Salvador.
Nem havia sido concluída a apuração dos fatos ocorridos em São Félix e Cachoeira, com o prosseguimento dos interrogatórios em fevereiro de 1833, quando a Bahia viu-se abalada por nova insurreição. No dia 26 de abril, Guanaes Mineiro, encarcerado no Forte do Mar, organizou um motim entre os presos “de opinião política” e os criminosos à disposição da Justiça, iniciado, a princípio, diante da péssima alimentação, que seria responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia, segundo o Governo. Com a ajuda de alguns militares, às 16:00hs, os prisioneiros se apoderaram da Fortaleza, renderam o Comandante Francisco Telles Carvalhal Mendes Vasconcelos, os demais membros da guarnição e hastearam a Bandeira Federal, com duas faixas de cor azul paralelas e uma branca no meio. O Tenente Daniel Gomes de Freitas, unindo-se aos revoltosos, assumiu o comando do Forte. O verdadeiro motivo logo exsurgiu. Reivindicavam a rendição do Governo e a adoção do Federalismo. Era a Terceira Revolta. Eles externaram outro programa, contendo 26 pontos, a 27 de abril, basicamente o mesmo de 1832, realçando questões sociais envolvendo as crianças pedintes e o uso racional da terra. Também exigiam anistia para os insurgentes de 1831 e 1832. Alguns simpatizantes, na cidade, apoiaram o Movimento, levando as forças de segurança a impedir a aproximação de barcos, numa tentativa de cortar a comunicação e o abastecimento. Embarcações vindas do Recôncavo, com víveres, eram apreendidas pelos rebeldes, nas imediações. Cipriano Barata, veterano insurreto, já com setenta anos, que se encontrava ali detido, sendo cuidado por sua filha, Veridiana, não se integrou à rebelião e se refugiou na administração da unidade prisional. O Conselho de Governo da Província se reuniu, naquele 27 de abril, objetivando apreciar o pedido dos Juízes de Paz, para que fossem empregadas as forças de segurança. Os revoltosos não se renderam, depois de intimados, e canhões foram colocados na Praça da Sé, na Cidade Baixa e no Arsenal da Marinha. Corvetas bombardearam o Forte. Houve fogo cruzado, que destruiu vários prédios e danificou outros, inclusive a velha Catedral da Sé. O sobrado do Tribunal da Relação, na linha de combate, não foi alvejado. No Arsenal da Marinha, morreu Antônio Muniz Barreto e ficaram feridos José Joaquim de Figueiredo, Joaquim José Barbosa e Florêncio José de Bittencourt. Os amotinados capitularam em 29 de abril, tendo sido transferidos para o navio-prisão Presiganga. No interior da Fortaleza danificada, oito militares tiveram lesões, incluindo o Comandante refém, com a perna atingida, além de seu irmão, Joaquim Antônio da Silva Carvalhal, que o visitava e se feriu na cabeça. Um Soldado faleceu ao chegar no Hospital. Não demorou muito e Guanaes Mineiro viu-se encarcerado no Forte do Barbalho.
Seguindo a sistemática do Código de Processo Criminal de 1832, após apuração dos fatos, o Juiz de Paz, que funcionava como um Delegado de Polícia, encaminhava os autos do sumário ao Juiz da Vara Crime. A investigação do ocorrido no Forte do Mar e no Arsenal da Marinha coube ao Juiz de Paz da Freguesia da Conceição da Praia, João Lourenço Seixas, que reuniu exames de corpo de delito e oitivas de testemunhas. Outro procedimento foi instaurado pelo Juiz de Paz da Sé, Ignácio Manoel Porciúncula, para verificar os danos provocados nos imóveis do centro da Cidade.
A lista dos insurgentes abrangia: Alexandre Ferreira do Carmo Sucupira, Custódio Bento Monteiro, Daniel Gomes de Freitas e Luiz Orlando de Carvalho (Movimentos de 1832 e 1833), João Primo (Rebeliões de 1831 e 1833), bem como Domingos Guedes Cabral (Insurreições de 1831, 1832 e 1833.
Alguns rebeldes (Manoel do Nascimento e Abreu, Zeferino Muniz de Araújo, Calisto José de Souza e Lúcio Vieira da Silva) foram internados no Hospital do Colégio (Faculdade de Medicina), sob o crivo do Desembargador Ouvidor Geral do Crime.
A instrução processual de Guanaes Mineiro esteve sob a jurisdição da 2ª Vara Crime, onde atuava, inicialmente, o Juiz Francisco Gonçalves Martins, que também era Chefe de Polícia. Há registro do interrogatório do réu em 14 de janeiro de 1834, na Comarca de Salvador. Por não ter sido inserido numa sessão do Júri da Capital, requereu fosse transferido para Cachoeira, pois ali respondia ao processo referente à Revolta de 1832, com o intuito de ser julgado na pauta do final daquele mês. Já existia uma solicitação, de 13 de outubro do ano anterior, da família do acusado, postulando a sua transferência para Cachoeira. O Magistrado deferiu o pleito, para que viajasse sob a escolta do Tenente Antônio Lopes Benevides. Depois da admissibilidade dos fatos criminosos (pelo primeiro Conselho de Jurados), o Promotor João Alexandre da Silva Freitas ofereceu o libelo, pela prática do delito capitulado no art. 86 do Código Criminal (“tentativa de destruir artigo da Constituição do Império”). No dia 14 de fevereiro de 1834, o réu submeteu-se ao Tribunal do Júri (segundo Conselho, integrado por doze Jurados), cuja sessão ocorreu na Câmara Municipal de Salvador, presidida pelo Juiz Antônio Simões da Silva, atuando, na defesa, Antônio Pereira Rebouças Seixas, e, na ocasião, obteve a absolvição.
Pescadores de um barco, vindo da Ribeira, pronunciados por terem apoiado os amotinados, transmitindo informações aos simpatizantes de Salvador, também viram-se enquadrados no mesmo delito e submetidos ao Tribunal do Júri. O veredito os inocentou por ausência de provas e em decorrência de nulidades do processo, pois os réus não foram interrogados pelo Juiz de Paz e permaneceram presos por cerca de um ano, quando poderiam ter respondido em liberdade. Eram os ditames legais dos novos Códigos, que garantiam a gênese do devido processo legal. Houve vários julgamentos, entre 12 e 17 de fevereiro.
Cipriano Barata seguiu para a prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e, depois de libertado, instalou-se em Recife, onde retomou a atividade jornalística.
Para o Código Civil, o cativo não era sujeito de direitos, todavia o Código Criminal garantia sua imputabilidade. Sobre os escravos revoltosos de 1832 e 1833, recaiu a acusação da prática de delito mais grave, capitulado no art. 87 (tentar destronizar o Imperador; privá-lo em todo ou em parte da sua autoridade constitucional ou alterar a ordem legítima da sucessão). Eram eles: Fernando Ferreira Manço (transferido do Forte do Mar para o Hospital do Colégio, no dia 19 de julho de 1833), pertencente a Custódio Bento Moreira; e Leão, de propriedade de Guanaes Mineiro. Já o escravo Firmino permaneceu preso na Cadeia da Relação. À exceção de Leão, recolhido no Forte do Barbalho, para quem o Juiz designou um Curador, Francisco Borges de Figueiredo, os outros dois negaram a condição de escravizados.
Registrou-se, ainda, a participação de uma mulher, de nome Ursulina, que estava no Forte do Mar, e foi enviada, numa embarcação, para o Recôncavo, por Guanaes Mineiro, no calor dos combates.
A rebelião na Fortaleza teve grande repercussão na Corte e nas Províncias de Sergipe, Alagoas e Pernambuco, afinal Salvador havia sido bombardeada.
Dom Pedro I faleceu, tuberculoso, aos 36 anos, em 24 de setembro de 1834, sepultando a lenda de que retornaria ao Brasil para reassumir o trono. No manifesto de 1832 e repetido em 1833, havia apologia ao seu assassinato, caso desembarcasse em solo brasileiro. Por sua vez, Guanaes Mineiro morreu em São Félix, no dia 14 de fevereiro de 1847, exatos treze anos depois de ter sido absolvido no Júri de Salvador.
As Revoltas Federalistas irromperam em série, ao longo de três anos. Alguns insurgentes de 1831 se esconderam no Recôncavo; ali foi desencadeada a de 1832; os presos, levados para o Forte do Mar, provocaram a de 1833. Isso prejudicou a própria atuação do Poder Judiciário, que lidou com diversas investigações em Salvador e no interior. Ademais, o sistema de julgamento, através do Tribunal do Júri, era mais democrático, e a causa defendida pelos rebeldes, compartilhada por grande parte dos populares, até mesmo pelos jurados. Muitos processos estavam eivados de nulidade, diante dos novos postulados dos diplomas legais. Até as condenações impostas aos escravos restaram anuladas. Prevaleceu a tese de que muitos seguidores se viram obrigados a aderir aos Movimentos, cujo ideal federalista de autonomia das Províncias gozava de simpatia. Outrossim, os julgamentos não alcançaram todos os envolvidos, por falta de provas; não houve cumprimento de pena, somente prisão provisória.
Os autos dos processos estão dispersos e incompletos. Os fólios da Revolta de 1831 se extraviaram. Algumas peças da de 1832, que deveriam ser encaminhadas para Cachoeira, encontram-se no Arquivo Público do Estado da Bahia e no Instituto Geográfico Histórico da Bahia – IGHB, pelo que se conclui que Guanaes Mineiro não foi julgado pelo episódio. Já o caderno processual referente à de 1833, sucedida na Fortaleza do Mar (Forte de São Marcelo), que comprova a absolvição daquele líder, pode ser pesquisado no Arquivo Público do Estado da Bahia. Os Movimentos influenciariam a edição do Ato Adicional à Constituição do Império de 1834, que previa as Assembleias Provinciais (as Provinciais, com certa autonomia, organizariam seus orçamentos). Os federalistas baianos não iriam arrefecer os ânimos e, em 1837, organizariam a maior de todas as insurreições: a Sabinada. Velhos conhecidos integrariam a República Bahiense.
Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia – IGHB
BIBLIOGRAFIA
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