Após a tentativa frustrada de instalação do Tribunal da Relação do Brasil, em Salvador, no ano de 1588, e diante dos inúmeros requerimentos do Governador-Geral da Colônia, Diogo Botelho, e da Câmara de Vereadores soteropolitana, expressando a insatisfação do povo, ante a concentração das revisões judiciais na figura do Ouvidor-Geral, Portugal, a partir de 1605, em plena União Ibérica, já no reinado de Felipe II (III na Espanha), retomou a iniciativa de implantar a primeira Corte de Justiça em terras brasileiras.
Entretanto, a carreira da Magistratura não permitia o acesso de todos, pois, no recrutamento, havia a exclusão de judeus, cristãos novos (judeus convertidos), negros, mouros e mestiços.
Os preparativos se intensificaram e dez bacharéis graduados na Universidade de Coimbra, alguns em Direito Canônico, com larga experiência no serviço real judiciário português, foram selecionados: GASPAR DA COSTA AMARAL, AFONSO GARCIA TINOCO, MANOEL PINTO DA ROCHA, SEBASTIÃO PINTO LOBO, ANTÃO DE MESQUITA DE OLIVEIRA, FRANCISCO DA FONSECA LEITÃO, RUY MENDES DE ABREU, PEDRO DE CASCAIS DE ABREU, ANTÔNIO DAS PÓVOAS E MANOEL JACOME BRAVO.
O Regimento do Tribunal foi assinado por Felipe II, em 07 de março de 1609, na gestão do Governador-Geral Diogo de Menezes e Siqueira. Sem maiores percalços na viagem transatlântica, bem diferente da traumática travessia anterior, o desembarque dos Desembargadores ocorreu no dia 05 de junho daquele ano, e, logo em seguida, iniciaram-se as atividades judicantes.
O Desembargador Gaspar da Costa Amaral foi o primeiro Chanceler (Presidente). Ele morreu em 1611, tendo sido substituído por Ruy Mendes de Abreu, que se aposentaria no ano de 1621. Por sua vez, o Desembargador Afonso Garcia Tinoco seria o primeiro Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e Fisco, além de Promotor de Justiça, funções embrionárias do Ministério Público brasileiro.
Vigiam as Ordenações Filipinas desde 1603, cujos Livros I, III e V tratavam da estrutura e dos procedimentos dos Tribunais.
A jurisdição da Corte alcançava Angola, bem como as Ilhas São Tomé e Príncipe, na África, o que exigia, para esporádicas inspeções, longos deslocamentos. O exercício na Bahia serviria de rito de passagem para os Desembargadores que atuariam em Coimbra e no Porto.
Dos quatro escrivães que trabalhariam no Tribunal, Domingos de Andrade, Jerônimo de Lemos, Antônio da Mota e Cristóvão Vieira Ravasco, este último era pai de Antônio Vieira, que chegaria em Salvador, com seis anos, em 1614, e se ordenaria padre, no Colégio da Ordem dos Jesuítas, localizado no Terreiro de Jesus, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina. Como o cargo de escrivão era hereditário, Bernardo Vieira Ravasco, outro filho de Cristóvão, seria advogado e sucederia o pai na serventia dos agravos e das apelações.
O quadro de servidores, ainda, previa capelão, guarda-mor e meirinhos.
Inicialmente, a Corte se reunia no Palácio do Governo, na atual Praça Municipal (Praça Tomé de Sousa) e, antes das sessões, que eram presididas pelo Governador Geral (não participava dos julgamentos), o Capelão celebrava uma missa.
Os Desembargadores ocupavam casas alugadas, nas redondezas, onde também desempenhavam as atividades.
Não demoraria para a Igreja Católica, através da Diocese de São Salvador da Bahia, instituída em 1551 (o primeiro Bispo foi Dom Pero Fernandes Sardinha), confrontar a autoridade dos Desembargadores.
O original do Regimento do Tribunal de 1609 encontra-se no Arquivo Ultramarino de Lisboa, havendo uma cópia no Memorial do Fórum Ruy Barbosa, em Salvador.
Desembargador Lidivaldo Reaiche*
Referências bibliográficas:
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia – Anotações de Braz do Amaral – Inácio Accioli de Cerqueira Silva
A Relação da Bahia – Affonso Ruy
Burocracia e Sociedade Colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – Stuart Schwartz
*O Desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto retrata a História do Tribunal da Bahia, desde a época que funcionou como o Tribunal da Relação. Estudioso e pesquisador do tema, o Desembargador Lidivaldo é Presidente da Comissão Temporária de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos (Cidis) e membro da Comissão Permanente de Memória.
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