O PL 1805/21 finalmente logrou aprovação na tarde dessa quarta feira ( 09/06), no Senado Federal, após longa trajetória de luta dos mais diversos juristas nacionais, órgãos, entidades, associações de defesa do Consumidor de todo o país, com especial destaque para o papel do Brasilcon.
O PL 1805/21 define o fenômeno do superendividamento, estabelecendo novos princípios e direitos básicos que visam promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor, refutam o assédio de consumo, impõe deveres mais precisos correlatos à informação continuada, resguardam o mínimo existencial e permitem a renegociação de dívidas, seguindo o rastro da funcionalização dos contratos e da busca de uma sociedade mais igual.
Se antes da pandemia a aprovação do PL 1805/21 era essencial ao restabelecimento financeiro e existencial de incontáveis pessoas físicas, com a força maior pandêmica e toda a consequente crise desencadeada nas esferas econômica, social e existencial, se agigantou a sua importância para refrear a abusividade nas praticas contratuais de crédito, oportunizando ao consumidor de boa fé um recomeço de vida digna.
Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens , Serviços e Turismo (CNC), em maio de 2021, 68% da população brasileira está endividada, estando 10,5% dos inadimplentes impossibilitados de pagar as suas dividas.
A maior concentração do endividamento está nas famílias com renda abaixo de 10 salários mínimos e a principal modalidade de endividamento é o cartão de crédito ( 80,9%), seguido dos carnês e financiamento de veículos.
São mais de 63 milhões de brasileiros endividados, e nesse contingente encontramos praticamente um terço da população idosa endividada, havendo parcela expressiva da população ( 20,2%) endividada comprometendo mais de 50% de sua renda com o pagamento das dívidas.
Esses dados do endividamento no Brasil colocaram o crédito sob a mira dos juristas, sobretudo diante das distorções no sistema de intermediação, que colocam em risco a oferta saudável de crédito, gerando, inclusive, atraso ao crescimento nacional.
A despersonalização das relações, a publicidade agressiva, a sociologia publicitária de captação de consumidores hipervulneráveis (jovens, idosos, deficientes), o défict informacional, a redução do Estado do bem Estar-Social, a ausência de regulamentação oficial dos juros, são marcas da sociedade e do mercado hipermoderno, que conduzem ao caminho do superendividamento.
Mesmo nas hipóteses de endividamento excessivo oriundo de força maior social ( desemprego, separação, divórcio, morte), o superendividamento está relacionado ao problema de políticas públicas e redistribuição e o seu enfrentamento passa pelo respeito à alteridade e, consequentemente, uma postura de cooperação dinâmica e recíproca entre os protagonistas contratuais.
Nesse contexto, a tutela jurídica do fenômeno vem ao encontro da nova concepção de autonomia privada e, consequentemente, da noção de contrato como fato social, cuja natureza afetiva relaciona formação da vontade racional à atuação mais qualificada do fornecedor, até porque os contratantes não estão mais em posições antagônicas, mas devem atuar cooperando com o outro, em prol do bem comum.
A intervenção estatal se destina justamente ao alcance do equilíbrio contratual e à reestruturação da vida financeira do endividado e sua família, com lastro na máxima de que tanto mais necessária a tutela de um direito fundamental será quanto mais no lado oposto da relação jurídica estiver um agente privado poderoso.
Portanto, a positivação de um sistema de falência para pessoas físicas consumidoras é o reconhecimento de que o acúmulo de dívidas e dificuldades financeiras representa um risco inerente às sociedades que promovem o consumo e incentivam o crédito, e que, por isso mesmo, em razão da repercussão dessas atividades, devem acolher a repartição do ônus social inerente ao superendividamento das partes débeis da relação jurídica, em prol de sua dignidade.
Segundo a Juíza Fabiana Pellegrino, autora do livro Tutela Jurídica do Supereendividamento, “ A aprovação do PL 1805/21 era uma urgência diante do cenário de endividamento das famílias brasileiras. Ao mesmo tempo em que promove a defesa do consumidor, como direito fundamental, a reabilitação financeira e social do consumidor pode revigorar o seu potencial produtivo, eliminar a necessidade de benefícios sociais, de despesas com tratamento de doenças relacionadas aos problemas financeiros, movimentando a economia com atividades empreendedoras.”