A Comissão Regional de Soluções Fundiárias (CRSF) do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), presidida pelo Desembargador Cláudio Césare Braga Pereira, realizou uma visita técnica, junto a outros órgãos dos Poderes Municipal e Estadual, a uma ocupação em um antigo hotel do bairro de Patamares, em Salvador, nessa sexta-feira (6). Essa foi a primeira visita realizada pela CRSF nessa ocupação no antigo Hotel Patamares Praia Hotel.
Os ocupantes estão presentes na propriedade desde 2022, no contexto de uma ação de reintegração de posse ajuizada pelos proprietários. A ordem de reintegração, no entanto, está suspensa desde outubro de 2024, por decisão do TJBA, que encaminhou os autos à Comissão Regional de Soluções Fundiárias.
O objetivo da Comissão, neste primeiro momento, é compreender a realidade social dos ocupantes, por meio de diversas ações, entre as quais, o mapeamento das famílias presentes, atualmente, no local. Diante desse cenário, a atuação da Comissão promove soluções consensuais, por meio da mediação, de modo a possibilitar a efetivação dos direitos fundamentais envolvidos, notadamente o direito à moradia e à propriedade.
Para a Juíza Patrícia Didier, integrante da Comissão, “nós, na qualidade de Juízes, nos despimos da função de julgar e chamamos os poderes constituídos para resolver e dar viabilidade aos direitos fundamentais e chamamos todos eles para construir uma solução estruturante que vise, realmente, dar a cada um o que é seu”.
A visita ocorreu com todo o apoio da Companhia de Mediação de Conflitos Agrários e Urbanos (CIMCAU) da Polícia Militar da Bahia e atendeu aos princípios previstos no Anexo II da Resolução CNJ nº 510, com levantamento de dados sobre infraestrutura local, serviços públicos disponíveis, características da moradia, perfil socioeconômico dos ocupantes e situação jurídica da área.
A Juíza Indira Meireles, integrante da CRSF, participou da visita e externou: “chegamos trazendo um olhar de buscar a solução mediada e consensuada, sem nos envolvermos no mérito de quem tem a verdade ou de quem está certo ou errado. E buscamos fazer isso em parceria com várias outras instituições”.
Para os moradores da ocupação, essa visita da Comissão foi um marco. Segundo Jusci Barbosa, moradora e líder da ocupação, “nós ficamos muito felizes, até porque nunca aconteceu isso. Uma mediação dessa com uma roda de conversa, porque sempre que aparece é para pôr as pessoas para fora. E hoje, aqui, foi totalmente diferente”.
O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Jones Bastos, que não vive na ocupação, mas acompanha a situação, destaca que: “para nós, é uma coisa maravilhosa, uma coisa histórica, nunca aconteceu isso no Judiciário, o Tribunal de Justiça e a Comissão está totalmente de parabéns”.
Na visita, ainda compareceram representantes da Defensoria Pública da Bahia; da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre); da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra); e o advogado da parte autora do processo.
O Defensor Público Pedro Bahia expressou: “a Defensoria, historicamente, sempre ficou ao lado de movimentos sociais. Então, esse projeto da Comissão se mostrou fundamental para humanizar um problema social que é a falta de moradia”. Para Leonardo Quadros – advogado da parte autora do processo judicial e que representa os proprietários –, “eu vi que é um trabalho muito importante de conciliar os interesses e os princípios em jogo da humanização, como o direito à moradia e à propriedade”.
A Juíza do TJBA, Itana Luna, que está responsável pelo processo e acompanhou toda a visita da CRSF à ocupação, afirmou: “eu acho muito importante, muito relevante o dia de hoje, pois a Comissão entra nessa situação para resolver o conflito de uma forma humanizada e garantindo os direitos de todas as partes envolvidas”.
Comissão Regional de Soluções Fundiárias
Com o compromisso de fortalecer a atuação do Poder Judiciário na mediação de conflitos fundiários coletivos, o TJBA instituiu, por meio do Decreto Judiciário nº 367/2024, a sua Comissão Regional de Soluções Fundiárias (CRSF), sendo que a estrutura e o funcionamento foram regulamentados pela Resolução TJBA nº 29/2024.
A finalidade da Comissão é fomentar a pacificação social e estimular soluções consensuais em litígios possessórios coletivos que envolvam imóveis ocupados por comunidades ou grupos populacionais, em áreas urbanas ou rurais, especialmente nos contextos de moradia ou produção. Para tanto, sua atuação está ancorada nos métodos de autocomposição, como a mediação e a conciliação, respeitando, rigorosamente, os princípios que regem a mediação: imparcialidade, independência, autonomia da vontade, oralidade, informalidade, celeridade, efetividade, economia processual e respeito à dignidade da pessoa humana.
A atuação da CRSF pode ser provocada em qualquer fase do conflito possessório, seja nas etapas pré-processual e processual, seja após o trânsito em julgado, desde que voltada à construção de soluções pacíficas e estruturadas para a controvérsia fundiária. A admissibilidade da matéria é verificada em etapa preliminar imprescindível, podendo ser suscitada tanto por iniciativa do juízo competente quanto por solicitação de parte legitimamente interessada. Essa análise inicial visa aferir a pertinência e a viabilidade da mediação institucional para o caso concreto.